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Como COB desperdiçou voto de confiança e se meteu em grave crise interna

Demétrio Vecchioli

07/12/2019 04h00

O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Paulo Wanderley Teixeira, em entrevista na sede da entidade – Ricardo Borges-13.out.17/Folhapress

Ao ser promovido de vice a presidente após a prisão de Carlos Arthur Nuzman, Paulo Wanderley Teixeira encontrou um cenário de terra arrasada no Comitê Olímpico do Brasil (COB). Para se desassociar do antecessor e sobreviver no cargo, nadou junto da correnteza ampliando direitos dos atletas e criando mecanismos de fiscalização. O acerto político deu a ele um inequívoco voto de confiança, chancelado por atletas, confederações, governo e entidades que passaram a enxergar o líder do COB como aliado a favor da instituição de boas práticas, não mais como opositor.

Todo esse novo contexto, porém, delimitou as condicionantes para que o voto de confiança continuasse existindo. E Paulo Wanderley as extrapolou quando, na semana passada, tentou alterar de supetão o estatuto que ele mesmo se esforçou para emplacar em 2017. O incrível erro de cálculo político minou a credibilidade do presidente, da instituição, e trouxe à tona sujeiras que estavam debaixo do tapete.

O voto de confiança perdeu a validade.

Para entender a crise, porém, é preciso voltar uns passos atrás, até 2017, quando Paulo Wanderley assumiu a presidência. Naquele momento, o COB estava encurralado em três frentes, cobrado para melhorar as práticas de gestão e fiscalização, para ampliar a participação dos atletas nas esferas de decisão e por mais transparência.

O grande acerto de Paulo Wanderley foi, logo de cara, não remar contra maré. Nas primeiras semanas como presidente ele entregou tudo que opinião pública cobrava dele. Instituiu uma comissão estatuinte que ouviu a sociedade, articulou pessoalmente a favor da ampliação do espaço para os atletas e cumpriu todas as exigências feitas pelo governo por mais transparência nos recursos públicos. "Tais medidas trouxeram de volta a confiança das empresas e da sociedade em geral", escreveu em carta aberta quando completou dois anos de mandato.

Paulo Wanderley passou a trabalhar sem oposição e, aos poucos, colocou suas peças no tabuleiro, ocupando diversos postos-chave na administração com antigos funcionários da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) ou conterrâneos seus de Vitória (ES). Uma área de combate ao doping foi criada e, para ela, foram contratados dois amigos pessoais de Sandro Teixeira, filho do presidente. Somados, os salários dos dois chega a R$ 35 mil.

Tudo isso foi sendo relevado internamente até que e-mails anônimos relataram um esquema de fraudes na área de tecnologia do comitê. Um homem de Vitória passou a ser "consultor" do COB dois meses depois de Paulo Wanderley virar presidente. Depois dele, outras pessoas e empresas de Vitória foram contratadas nessa área, sempre com alguma ligação com Leonardo Rosário, que depois se tornaria gerente. Os e-mails anônimos, enviados também ao Ministério Público Federal (MPF), encurralaram Paulo Wanderley.

A partir daí veio a sequência de ações que minaram a credibilidade do COB e do presidente nos bastidores do movimento olímpico. O primeiro compliance officer (líder de conformidade) foi demitido um dia depois de se reunir com uma empresa que faz investigações corporativas, a Kroll – o COB diz que a demissão foi por outros motivos. O segundo durou 11 dias no cargo e caiu depois que o COB descobriu que havia contratado um ex-participante do reality A Fazenda. Ainda assim, há quem relacione a demissão ao fato de ele também ter mexido onde não deveria.

líder de conformidade é, a grosso modo, o equivalente ao Procurador Geral da República para o presidente da República. Já são três meses com o cargo vago, sem o COB sequer procurar um substituto. Sem um líder de conformidade instituído, também não há quem possa abrir investigações para descobrir quem se beneficiava pelo esquema montado durante gestão de Paulo Wanderley. A diretoria tem méritos por ter contratado uma auditoria externa, mas não fez nenhum esforço para compartilhar os achados, que podem vir a implicá-la.

Na verdade, apenas uma ou outra pessoa sabiam que exista uma auditoria – mas não seu resultado – até que Paulo Wanderley foi longe demais. De uma hora para outra, apresentou uma proposta de alteração de estatuto. A versão aprovada em 2017 já previa uma revisão em 2019, mas ninguém imaginava que isso seria feito sem nenhuma discussão. No meio de uma pilha de pontos a serem aprimorados, o presidente tentou emplacar o que, no Congresso, seriam chamados "jabutis".

Paulo Wanderley apostou no caos. Em poucas horas, talvez ninguém notasse que ele estava propondo acabar com o cargo de compliance officer e com o poder de investigação e de punição do Conselho de Ética. Este foi seu primeiro erro. Não só a proposta foi notada como foi noticiada pelo Olhar Olímpico às 4h de quinta-feira (28). Às 14h, quando a assembleia começou, ele já havia perdido o apoio irrestrito dos atletas e de 10 confederações, que votaram contra aquelas três propostas

O descontentamento foi tanto que, até então secreto, o relatório da Kroll "vazou" e foi publicado por este blog. Até aliados próximos a Paulo Wanderley viram relação entre as denúncias e a vontade de minar, no estatuto, qualquer risco de investigação. Nos bastidores, poucos saíram em sua defesa, exatamente aqueles que historicamente estavam ao lado de Carlos Arthur Nuzman, de quem Paulo Wanderley sempre tentou se desassociar.

Acuada, a diretoria do COB cometeu mais um grande erro. Na sexta (29), enviou às confederações o estatuto "aprovado" retirando do Conselho de Ética o poder de investigar e punir, mesmo contra a vontade da assembleia. A diferença foi notada, Paulo Wanderley foi cobrado, e na terça (3) o estatuto "aprovado" já era outro. Como confiar em quem tenta pregar pegadinhas?

Com o voto de confiança retirado, o olhar sobre o COB e sobre Paulo Wanderley já mudou. Passou a circular no movimento olímpico, por exemplo, uma reportagem de fevereiro de 2018 da agência Sportlight sobre sua gestão na CBJ com o título: "Nepotismo e falta de transparência com uso de verba públicas". Se passaram batidas há dois anos, quando praticamente não havia oposição, aquelas denúncias hoje mostram que existe uma lógica nos movimentos de Paulo Wanderley. A reportagem de 2018 não dá detalhes, mas conta de um "pregão de licitação para equipamentos e suporte na área de informática" vencido por uma empresa do Espírito Santo. Tal como viria a acontecer no COB.

Talvez seja só coincidência, mas Paulo Wanderley parece ter perdido o benefício da dúvida. "Não se tente explicar o inexplicável. Nenhuma das mudanças propostas pelo COB têm a finalidade de melhorar a governança do COB. Nenhuma!", cobrou a Comissão de Atletas, em carta enviada a Paulo Wanderley, na última quinta-feira (5), pedindo explicações. O tom, nada amistoso, é reflexo dessa desconfiança.

Também na quinta, o vice-presidente Marco La Porta falou diante de uma plateia relativamente pequena, num evento em São Paulo, mas onde estavam sentados o Secretário Especial do Esporte, o diretor que faz a interface entre a Globo e o COB, e representantes de pelo menos sete das confederações mais bem avaliadas em gestão. No discurso, fez um mea culpa e reconheceu que a diretoria errou na condução do processo de alteração do estatuto.

A demora de uma semana em fazer isso, porém, vai cobrar seu preço. Nesse meio-tempo foi lançada uma candidatura de oposição a Paulo Wanderley, do advogado Sami Arap, ex-presidente da confederação de rúgbi e líder daqueles que defendem melhores práticas. Se conseguir o voto de todos os atletas (19) e do presidente do presidente do Comitê Internacional Paraolímpico, Andrew Parsons, Sami só precisaria convencer nove presidentes de confederação para se eleger. Não é improvável.

Enquanto isso, Paulo Wanderley está preso numa sinuca de bico. Se aceitar dar transparência e autonomia à devassa necessária nos contratos da área de tecnologia do comitê, dominados por conterrâneos seus de Vitória (ES), pode acabar se expondo. Se não aceitar, como não tem feito até aqui, deixará a pulga continuar atrás da orelha de atletas e confederações.

Em meio a isso tudo, quem sai perdendo é o COB. Desde o fim da Rio-2016, o comitê não conseguiu assinar nenhum contrato expressivo de patrocínio e a arrecadação de recursos privados está muito abaixo do projetado, apesar de ter lustrado sua imagem ao longo dos últimos dois anos. A proximidade com a Olimpíada de Tóquio deveria ser o momento certo para enfim fechar um patrocínio máster, mas isso só vai acontecer se o COB receber mais um voto de confiança. O histórico não conta a favor.

 

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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