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Olhar Olímpico

COB faz assembleia secreta para alterar estatuto e afrouxar compliance

Demétrio Vecchioli

28/11/2019 04h00

O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Paulo Wanderley Teixeira, em entrevista na sede da entidade – Ricardo Borges-13.out.17/Folhapress

Eram 19h23 desta quarta-feira (27) quando caiu no e-mail de membros do Comitê Olímpico do Brasil (COB) uma mensagem do presidente Paulo Wanderley propondo uma expressiva modificação no estatuto do comitê, para principalmente afrouxar regras de compliance. As mais de 200 alterações relevantes serão discutidas logo mais às 14h desta quinta-feira (28), em uma assembleia geral extraordinária secreta, que não foi divulgada pelo comitê. Entre as propostas está retirar poder do Conselho de Ética, que perderia o direito de "aplicar" penas e passaria a apenas propô-las, cabendo exclusivamente à assembleia a aplicação. Também é retirada do conselho a atribuição de "investigar" denúncias, sem que essa responsabilidade recaia sobre outra área.

A realização da assembleia fere o próprio estatuto vigente, que exige que a convocação ocorra "mediante comunicação escrita aos seus membros, subscrita pelo presidente, e publicação no sítio eletrônico do COB, com antecedência mínima de 15 dias". Houve apenas a publicação da convocação para uma assembleia no dia 25 de novembro, que não ocorreu. O blog questionou o COB sobre o fato, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Quando assumiu a presidência do comitê no final de 2017, depois da renúncia de Carlos Arthur Nuzman, Paulo Wanderley prometeu uma profunda alteração no estatuto do comitê, montando uma Comissão Estatuinte, que discutiu um novo texto, menos centralizador de poder nas mãos do presidente. Entidades como a Atletas Pelo Brasil e a Sou do Esporte foram convidadas a opinar.

Passados dois anos, Paulo Wanderley propõe fazer amplas alterações no estatuto. A reportagem contou mais de 200 mudanças de teor, sem contar questões formais, como revisão ortográfica e de numeração. O texto apresentado às confederações, por exemplo, tira do vice-presidente (atualmente Marco La Porta) e do vice-presidente da Comissão de Atletas (Yane Marques, atualmente) o direito de fazer parte do Conselho de Administração.

O conselho, conhecido pela sigla CA, reuniu-se na quarta-feira com uma pauta de sete itens, o último deles o novo estatuto. Uma apresentação de Power Point feita aos participantes, com 67 slides sobre a ampla pauta, somente no último tinha: "Revisão estatutária (Luciano Hopstins)", sem detalhar as alterações. O encontro, que oficialmente estava marcado para as 14h, terminou às 19h. A ata ainda não foi tornada pública.

A postura de Paulo Wanderley gerou enorme incômodo entre membros do CA que falaram com o Olhar Olímpico em reservado. Eles criticaram não apenas o processo feito a toque de caixa, sem que se discuta a fundo as alterações, como também o seu teor.

O blog teve acesso à minuta do estatuto. Entre os trechos excluídos está o seguinte: "Transparência, mais do que a obrigação de informar, é o ato voluntário de disponibilizar para a sociedade em geral e, em especial, para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou
regulamentos.". Paulo Wanderley tem defendido que a transparência é o grande legado de sua gestão.

Entre as mudanças mais significativas do novo estatuto está a redução de dois para um membro independente no Conselho de Administração, a redução de poder do vice-presidente e o aumento do poder do presidente, em contraponto. Isso está no artigo 38.

A atual redação diz que o presidente e o vice poderão participar, sem direito a voto, das assembleias gerais, precisando se ausentar quando forem deliberadas matérias referentes a eles ou aos cargos que ocupam. E que ambos acumulam a função de presidente e vice do CA. Pela proposta de Paulo Wanderley, só o presidente poderá participar da assembleia geral, sem precisar se ausentar em nenhuma circunstância. O vice só participaria nos impedimentos do presidente.

Além disso, a substituição do presidente pelo vice deixaria de ser "em seus impedimentos e licenças" para ser "em seus impedimentos temporários e licenças", o que restringe as condições em que o vice assume. O presidente ainda ganha "poderes executivos" no artigo que detalha as suas competências.

Na contramão do propagado compliance, Paulo Wanderley propõe o Comitê de Conformidade deixe de ser um órgão autônomo para passar a ser vinculado ao CA. É este órgão que faz a "verificação contínua da conformidade dos processos internos e do resguardo da entidade perante eventuais conflitos de interesses. O profissional remunerado responsável pela supervisão dos processos deixaria para ser gerente para passar a ser um "agente".

A proposta de novo estatuto também pretende mexer com a autonomia dos atletas para formarem sua comissão, composta por 19 membros. O atual estatuto diz que a comissão será regida por estatuto próprio. Pela proposta, passa a ser obrigatório que a eleição ocorra no mês dos Jogos Olímpicos de Verão e que os candidatos tenham participado da edição imediatamente anterior ou participe daquela. Isso proibiria casos como de Hortência, que faz parte da comissão atualmente. Cada modalidade (ou conjunto de modalidades sob uma mesma confederação) poderia ter apenas dois atletas na comissão – atualmente o basquete tem três.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.