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Olhar Olímpico

Ministério exige relatórios e mudanças no COB para não cortar Lei Piva

Demétrio Vecchioli

09/11/2017 04h00

Rogério Sampaio, Paulo Wanderley e Leonardo Picciani (Paulo Pinto/CBJ)

O Ministério do Esporte e o Comitê Olímpico do Brasil (COB) devem assinar até o fim do mês um Termo de Ajustamento de Conduta, conhecido pela siga TAC. Pelo documento, o comitê vai se comprometer a promover mudanças no seu estatuto, de forma a se adequar ao que determina o artigo 18-A da Lei Pelé, e a apresentar, até uma data a ser combinada, os relatórios detalhados de descentralização dos recursos da Lei Agnelo/Piva dos últimos anos. Tudo isso para não deixar de receber esse dinheiro, principal fonte de receitas do movimento olímpico brasileiro.

Pela Lei Agnelo/Piva, o COB tem direito a 1,7% da receita bruta das loterias federais, enquanto que o Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) fica com 1,0%. Ambos têm por obrigação descentralizar esses recursos, para confederações, para o esporte universitário (5%) e o esporte escolar (10%).

O dinheiro sai da Caixa Econômica Federal e vai direto ao COB e ao CPB, sem passar pelo Ministério do Esporte. A Lei Pelé, porém, colocou a pasta como responsável pela fiscalização. "O Ministério do Esporte deverá acompanhar os programas e projetos (…) e apresentar anualmente relatório da aplicação dos recursos, que deverá ser aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte (CNE), sob pena de a entidade beneficiada não receber os recursos no ano subsequente", diz a lei.

Reportagem da Folha do último dia 15, porém, mostrou que desde 2011 o Ministério do Esporte não cumpre o dever exposto no artigo 56 da Lei Pelé. O COB deveria fornecer um relatório detalhado da aplicação dos recursos da Lei Agnelo/Piva e o governo, após remetê-lo ao CNE, torná-lo público. Desde 2011, quando a regra foi criada, porém, isso nunca aconteceu. À Folha, o ministro Leonardo Picciani (PMDB-RJ) disse que "a apresentação anual dos relatórios da aplicação dos recursos da Lei Piva passou a ser exigida na atual gestão", iniciada em maio de 2016.

Um ano e meio depois, o COB ainda não teria apresentado esses relatórios. O ministério poderia informar isso à Caixa, que por sua vez poderia cortar os repasses. Mas optou por dar uma chance ao comitê, por meio do TAC. O documento, que deverá ser assinado até o fim do mês, vai estipular um prazo limite para que todos os relatórios atrasados sejam apresentados. Eles em seguida passarão pelo CNE antes de serem enfim publicados no site do Ministério do Esporte.

A minuta do TAC ainda não está fechada e o prazo para a apresentação do relatório é o detalhe que falta ser definido. O Olhar Olímpico apurou que o Ministério do Esporte quer receber os documentos até o fim do ano, mas o COB quer um prazo um pouco maior. Além disso, o COB terá que publicar os relatórios em jornal de grande circulação, dando publicidade à forma como gasta os recursos públicos que recebe.

Mas o TAC não envolve apenas a apresentação desses relatórios. Para não correr o risco de perder o acesso aos recursos da Lei Agnelo/Piva, o COB também vai se comprometer a fazer diversas alterações em seu estatuto de forma a se adequar ao artigo 18-A da Lei Pelé, criado em 2013 após campanha da ONG Atletas pelo Brasil.

É o 18-A que exige que, para terem acesso a recursos públicos federais, as entidades esportivas cumpram uma série de exigências, que vão de limite de uma reeleição presidencial a participação de atletas em colegiados de direção e na eleição para os cargos da entidade. Hoje, o COB não cumpre diversas dessas determinações.

Presidente do COB desde a prisão de Carlos Arthur Nuzman, pouco mais de um mês atrás, Paulo Wanderley Teixeira encontrou-se no último dia 17 com o ministro Picciani e o TAC esteve na pauta. O dirigente tem demonstrado, segundo fontes do Ministério do Esporte, boa vontade para que a situação seja resolvida. Tanto que na mesma assembleia extraordinária na qual foi lida a carta de renúncia de Nuzman, Paulo Wanderley incentivou a criação de uma estatuinte.

Foi criado um grupo de trabalho, com os presidentes das confederações de esgrima, atletismo e vela e da Comissão de Atletas (o judoca Tiago Camilo). Além disso, entidades como a própria Atletas pelo Brasil e a Sou do Esporte foram convidadas a opinar, apresentando propostas na semana passada (leia aqui).

Durante a assembleia extraordinária, Paulo Wanderley deixou claro que tinha pressa. A ideia inicial era que as discussões durassem 90 dias, mas ele pediu que o trabalho seja feito na metade deste tempo. Se tudo der certo, a assembleia do COB volta a se reunir ainda em dezembro para votar um novo estatuto, já em conformidade com as exigências feitas pelo Ministério do Esporte a partir da Lei Pelé.

Anualmente, o COB até divulga em seu site um relatório simplificado da aplicação dos recursos da Lei Agnelo/Piva, detalhando quanto repassou a cada confederação e, superficialmente, como cada uma delas usou o dinheiro. O relatório, porém, não explica onde o dinheiro foi parar. Apenas mostra a porcentagem destinada a "competições", "manutenção de atletas", "preparação técnica", "manutenção", "recursos humanos" e "desenvolvimento". Isso para demonstrar que o item "manutenção" não superou os 20%. Esse relatório pode ser lido aqui.

Em breve nota enviada à reportagem, o COB confirmou que está em tratativas com o Ministério do Esporte para a assinatura do TAC e confirmou que "a modernização do estatuto do COB integra o conjunto de ajustes solicitados pelo Ministério". O comitê não respondeu até quando pretende informar os relatórios. Já a assessoria do ministério, por telefone, alegou que a minuta do TAC ainda não está fechada e, por isso, não poderia comentar. A pasta não respondeu se existe o risco de o COB ter os recursos da Lei Agnelo/Piva bloqueados se não cumprir as exigências.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.