Topo

Olhar Olímpico

Auditoria acha fraudes em contratos de tecnologia do COB

Demétrio Vecchioli

28/11/2019 13h32

O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Paulo Wanderley Teixeira, em entrevista na sede da entidade – Ricardo Borges-13.out.17/Folhapress

Um relatório de auditoria obtido pelo Olhar Olímpico mostra indícios de que o Comitê Olímpico do Brasil (COB) realizou contratações fraudulentas para serviços de tecnologia não realizados. As empresas e as pessoas envolvidas são todas de Vitória (Espírito Santo), estado onde o presidente Paulo Wanderley fez carreira política. O dirigente convocou para esta quinta-feira (28) uma assembleia para fazer diversas alterações no estatuto do comitê, enfraquecendo o Conselho de Ética e acabando com o cargo de gerente de conformidade, que em tese seria o responsável por evitar fraudes assim. Procurado, o COB não deu detalhes sobre o processo.

A auditoria nasceu de um e-mail anônimo, com o título "Quadrilha de Vitória no COB", disparado para praticamente todos os funcionários do comitê no fim de maio. O denunciante detalhou ponto a ponto o suposto esquema e informou que havia levado todos os detalhes também ao Ministério Público do Rio de Janeiro.

Entre as pessoas que receberam o e-mail estava William Evangelista, então gerente de conformidade, que marcou uma reunião dentro do COB com a Kroll, empresa especializada em investigações de fraudes corporativas. No dia seguinte, ele foi demitido sem maiores explicações. 

Mas as denúncias continuaram a chegar. Dias depois, um  grupo de funcionários, também sem se identificar, enviou mensagem ao CEO Rogério Sampaio, reforçando as denúncias, que têm sido comprovadas pela auditoria que, ao que parece, continua em execução.

A Kroll só foi de fato contratada quando Rodrigo Carril foi escolhido para ser o novo líder de conformidade do COB. Carril, porém, não ficou nem um mês no cargo. Ele foi demitido depois que este blog publicou um vídeo em que, como participante do reality show A Fazenda, Rodrigo aparece segurando uma colega de confinamento para lhe dar um beijo. Na ocasião, o ouvidor reclamou que o vídeo foi só um subterfúgio do COB para demiti-lo. Desde então o cargo está ocupado provisoriamente por uma advogada do departamento jurídico, subordinado a Paulo Wanderley.

Nenhuma das ações previstas pelo Kroll na auditoria leva em consideração qualquer hipótese que relacione Paulo Wanderley com as supostas fraudes, ainda que isso apareça na denúncia que provocou a investigação, como mostra a reprodução de uma das páginas do relatório.

As denúncias

O Olhar Olímpico teve acesso a dois relatórios preliminares da Kroll ao COB, o mais recente datado de 12 de setembro, ambos "privados e confidenciais", como aparece anotado em todas as páginas. Até então, a auditoria não havia conseguido acesso aos computadores dos denunciados, entre eles o gerente de TI Leonardo Rosário. Seu laptop estava vazio, o que, para a auditoria, indica que ele utiliza pouco o dispositivo ou deletou todos os arquivos. Já seu desktop foi reformado três dias depois de a Kroll instalar ali um dispositivo de monitoramento remoto.

As denúncias envolvem indiretamente Paulo Wanderley, que foi presidente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), para a qual os denunciados também teriam prestado serviço. Tão logo Wanderley chegou ao comando do COB, Rosário passou a prestar serviços para o comitê, de diversas formas.

O primeiro contato foi em 5 de janeiro de 2018, pela empresa LBM Tecnologia, da qual Rosário era sócio. Só em 2018 a empresa recebe R$ 50 mil em três contratações sem licitação. De fevereiro a dezembro, Rosário ainda trabalho como colaborador do COB, recebendo em regime de RPA (Recibo de Pagamento Autônomo) um total de R$ 146 mil, sendo R$ 13,3 mil ao mês. Uma empresa da esposa dele, Valéria Gobbi, foi contratada em junho para um serviço de R$ 24 mil. Em janeiro de 2019, ele foi empregado como gerente executivo de TI no COB, com salário bruto de R$ 25,9 mil. Ele continua no cargo, comandando toda a área de tecnologia do comitê.

As denúncias dão conta de que Leonardo na verdade não tem a formação técnica que diz ter. Seu perfil no Linkedin que dizia que ele tem formação superior em Sistema de Informação e pós-graduação em Gerenciamento de Projetos foi deletado depois que o e-mail apócrifo foi disparado. Documentos anexados à denúncia mostravam que o Centro Universitário FAESA não cita Rosário como formado, mas, à auditoria, a universidade disse que não fornece informações sobre ex-alunos.

O pouco que a Kroll levantou sobre Rosário é que ele foi listado como réu em processo criminal em 2006, junto com sua irmã, acusado de furto, estelionato e falsidade ideológica. Nos autos do processo consta que Rosário era laranja de um esquema liderado por uma terceira, com quem se relacionava. O processo correu em segredo de Justiça e foi extinto em agosto de 2018 porque o juiz responsável entendeu que os crimes haviam prescrito.

Em um outro processo cível, Rosário é defendido pela advogada Ludmila Montibeler Pereira, irmã de Everson Montibeller, a segunda pessoa investigada pela Kroll. Este também chegou ao COB em 2018 como RPA e foi contratado como especialista de sistemas em 8 de janeiro de 2019, com salário de R$ 16,5 mil. Mas ele também teria prestado serviços via uma empresa terceirizada, a Rodrigues Design LTDA, conhecida como RDWEB. Sua esposa é amiga de ao menos dois sócios da empresa.

Em novembro de 2018, a RDWEB venceu uma concorrência simples e foi contratada por R$ 250 mil para desenvolver um sistema, ainda que o estatuto do COB exige concorrência padrão por serviços acima de R$ 25 mil. A RDWEB concorreu contra outras três empresas, uma delas a Vix Vitória, onde Rosário afirmava, no Linkedin, ter trabalhado como coordenador geral até junho de 2018. A esposa dele, Valeria Gobbi, foi sócia da Vix Vitória até setembro daquele ano.

A terceira concorrente foi a Simptec, instalada em São José dos Campos (SP). Em maio de 2018, a empresa enviou uma proposta comercial ao COB assinada por Richardson Leão. Em março de 2019, o setor comandado por Rosário contratou uma empresa de Leão por R$ 22,8 mil, sem licitação, para serviço de armazenamento de dados. No mesmo mês, o gerente de TI pediu a contratação de Leão ao setor de RH do comitê, que o contratou em abril, como RPA. O COB não disponibiliza informações sobre serviços de terceiros, apenas os salários dos funcionários que têm carteira assinada.

De acordo com a denúncia que provocou a auditoria, todo o serviço de instalação de sistemas nas confederações, que seria atribuição da RDWEB, é feito por Everson Montibeller como colaborador do COB, não como representante da empresa contratada para tal.

Mais conexões

O maior contrato avaliado pela Kroll é o de um pregão eletrônico de outubro de 2018 para contratação de "serviços especializados de tecnologia da informação na execução de serviços de desenvolvimento e manutenção corretivas, adaptativas, evolutivas e perfectivas de sistemas de informação". A empresa vencedora, por R$ 1 milhão, foi a Ebalmaq Comércio e Informática, mais uma empresa do Espírito Santo, que informou ao COB que o contato entre ela e o comitê seria feito por Érico Montibeller, primo de Everson, à época já colaborador do COB. Um dos sócios é colega de Rosário na Loja Maçônica Cavaleiros da Cruz.

E-mails obtidos pela auditoria mostram que Rosário e Montibeller participaram ativamente das discussões internas sobre o modelo de licitação. "Já alinhei com Marco com Rogério Sampaio seguiremos desta forma", justificou Rosário ao ser cobrado pela decisão de adotar um modelo de contratação diferente daquele recomendado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Marco Loureiro era o gerente de TI que deixou o carto para Rosário ser contratado. 

A contratação da Ebalmaq foi aprovada pelo Conselho de Administração do COB em dezembro de 2018. Em fevereiro, a Ebalmaq informou que Thiago Borgo, cunhado de Everson Montibeller, seria o representante da empresa no levantamento prévio de informações. Em 11 de junho de 2019, a diretora jurídica Ana Paula Terra enviou a Leonardo Rosário uma notificação do COB para ser enviada à Ebalmaq por não ter havido qualquer prestação de serviços por parte da empresa. O relatório prévio da auditoria não informa o que ocorreu depois disso. 

O valor pago, R$ 1 milhão, representa uma economia de 42% na comparação com o valor previsto em edital, o que gerou a desconfiança de que o preço é, na verdade, inexequível, e que só foi possível oferecê-lo porque há ligação entre as pessoas envolvidas. A tese investigada pela Kroll é que a empresa seja uma "laranja" e que o serviço só existe porque já teria sido implantado na CBJ quando da gestão Paulo Wanderley.

Outro lado

O Olhar Olímpico enviou uma série de questionamentos ao COB, como se o relatório final já foi entregue e quais providências estão sendo tomadas. O COB respondeu o seguinte: "A empresa Kroll foi contratada pelo Comitê Olímpico do Brasil sempre que houve necessidade. Os termos de contrato são regidos por cláusula de confidencialidade."

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.