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Auditoria recomenda que COB investigue contratos da gestão Paulo Wanderley

Demétrio Vecchioli

04/12/2019 13h25

Presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Paulo Wanderley Teixeira (Ricardo Borges/Folhapress)

O Olhar Olímpico obteve acesso ao relatório de uma auditoria contratada pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) que recomenda uma devassa nos contratos de tecnologia firmados pela entidade desde novembro de 2017, um mês depois de Paulo Wanderley chegar à presidência. O documento indica que a área de tecnologia do comitê foi afetada por um esquema de contratação de empresas e pessoas ligadas ao círculo familiar e de amizade do gerente executivo Leonardo Rosário. A grande maioria das pessoas e empresas envolvidas na investigação são de Vitória (ES), onde Paulo Wanderley fez carreira política e profissional.

Rosário, que não teria a formação profissional indicada em seu currículo, teria prestado serviços de tecnologia à Confederação Brasileira de Judô (CBJ) na gestão de Paulo Wanderley. Ele foi contratado pela primeira vez pelo COB em janeiro de 2018, dois meses depois da chegada de Paulo Wanderley ao poder, inicialmente como prestador de serviços e, depois, como gerente executivo de tecnologia da informação, subordinado ao CEO Rogério Sampaio, com salário de quase R$ 26 mil, pagos com recursos da Lei Agnelo/Piva – logo, públicos.

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O COB alega que demitiu Rosário no dia 19 de novembro, quase um mês depois da entrega do relatório final da Kroll, uma empresa especializada em investigações corporativas. Apesar das irregularidades encontradas pela auditoria, a demissão não foi por justa causa. "Não há recomendação de desligamento do Gerente Executivo de TI no relatório de investigação. A decisão foi administrativa do COB", explicou o comitê, em nota.

A pedido da reportagem, o comitê aceitou compartilhar duas páginas do relatório final e informou as medidas tomadas a partir das recomendações da Kroll. Em uma das páginas de recomendações, sobre a extensão das investigações, consta o seguinte:

"Dada a confirmação de que Leonardo Rosário favoreceu a contratação de ao menos um fornecedor e, dado que foi verificada a contratação de empresas e pessoas ligadas ao seu círculo familiar ou de amizade desde que o sujeito iniciou sua consultoria ao COB, a Kroll recomenda: 1) testes de transações, análises de concorrência e de contratos de todos os fornecedores contratados pelo departamento de TI desde novembro de 2017; 2) mapeamento de conexões de todos os colaboradores de TI contratados em regime RPA desde novembro de 2017."

Em outra página, de recomendações de processos e controles, a Kroll sugere "confecção de uma política de utilização de recursos privados do COB" e de uma política de "contratação de funcionários administrativos via RPA", inclusão de due diligence e checagem de antecedentes no procedimento de contratação de funcionários do COB", confecção de política sobre conflitos de interesse e "inclusão de checagem de conflitos de interesses na seleção de fornecedores do COB".

Além disso, a auditoria recomenda que, em investigações internas, haja "manutenção do sigilo absoluto em relação ao investigado e pessoas próximas a ele" e "restrição de acesso do sujeito a informações e sistemas relevantes que possam comprometer a integridade das evidências ou o sigilo das informações". Não fica claro o motivo dessa recomendação, mas é fato que a memória de ao menos um computador foi apagada logo que as investigações tiveram início.

Até agora, somente membros de diretoria do COB – logo, subordinados diretamente ao presidente Paulo Wanderley – tiveram acesso ao relatório completo. O comitê, porém, diz que "todos os membros dos poderes do COB podem ter acesso aos documentos quando solicitado, o que até o momento não ocorreu". Os poderes do COB são: a assembleia geral, o Conselho de Administração, o Conselho Fiscal e o Conselho de Ética.

Nenhum deles foi informado sobre a existência da investigação sobre os contratos de TI, denunciados por cartas anônimas, a primeira delas em 23 de maio. Só em 5 de julho foi firmado acordo com a Kroll, um mês depois de William Evangelista ser demitido do cargo de compliancer officer (uma espécie de ouvidor). A demissão dele ocorreu um dia depois de ele se reunir com a Kroll dentro da sede do COB, mas o comitê assegura que não houve relação entre os fatos.

A reportagem questionou a diretoria sobre os motivos de o Comitê de Ética e de o Comitê de Integridade não terem sido notificados sobre as denúncias. A resposta do COB foi: "O compliance officer à época, ligado ao Conselho de Ética, recebeu as mesmas denúncias que o COB e avaliou não ser o caso de instaurar procedimento ético". Das seis cartas anônimas juntadas ao processo, quatro foram enviadas enquanto o cargo estava vazio.

Um novo compliance officer  só foi contratado no início de setembro. Ele ficou 11 dias no cargo, demitido dois dias depois de o Globo revelar sua participação no reality show A Fazenda – o que o COB desconhecia – e o Olhar Olímpico publicar um vídeo em que ele aparece cometendo suposto ato de assédio contra uma colega (o que ele e a colega, hoje amiga, negam de forma veemente). O fato é que, em meio a repercussão desses fatos, o ouvidor Rodrigo Carril foi demitido em 12 de setembro, um dia depois de receber o relatório preliminar da auditoria. Três fontes do blog associam a demissão dele à vontade de avançar com as investigações, o que o COB nega.

O comitê diz que todo o processo foi feito de forma sigilosa "para preservar as provas e otimizar o resultado da investigação" por orientação da Kroll. Segundo o comitê, a análise dos contratos de TI do COB a partir de novembro de 2017 já foi iniciada. Também já foi elaborada uma nova política para utilização de recursos privados do COB, o que está aguardando aprovação das instâncias internas.

A nova política de contatação de funcionários administrativos por RPA aguarda validação de um novo compliance officer, segundo o COB. Na semana passada, Paulo Wanderley tentou acabar com o cargo, que está vago desde 12 de setembro, a partir de alteração do estatuto. O caso foi noticiado pelo blog e a ideia acabou rechaçada pela assembleia geral, reunida no escuro, sem saber dos detalhes da proposta de mudança do estatuto. Sempre de acordo com a diretoria do COB, os mecanismos de verificação de histórico de funcionários estão sendo aprimorados, assim como a checagem de conflitos de interesse.

O COB ainda diz que o contrato mais polêmico da investigação, com uma empresa chamada Ebalmaq, por R$ 1 milhão, que nunca foi prestado, não foi executado. "Assim, não houve qualquer alocação de recursos financeiros do COB para pagamento deste fornecedor". Já o contrato com a RDWeb teve seu objeto entregue antes da conclusão da investigação, tendo sido pago com recursos próprios – por não haver dinheiro público envolvido, a regularidade do contrato não poderia ser questionada judicialmente, já que inexiste a tipificação de crime de corrupção privada no Brasil.

A segunda pessoa denunciada e investigada na auditoria, Everson Montibeler , também funcionário da área de tecnologia, está de licença médica desde 5 de novembro, de acordo com o COB. Sua situação será avaliada após seu retorno, segundo o comitê. A reportagem procurou tanto Montibeler  quanto Rosário através da irmã de Everson, que é advogada de Rosário em um processo que corre na Justiça Civil. Depois de informada do motivo do contato, ela não mais respondeu as mensagens do blog.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.