Com Bolsonaro, alto escalão do Esporte terá a mesma cara de sempre
Demétrio Vecchioli
29/01/2019 04h00
A cada novo ministro do Esporte nomeado pelas gestões petistas de Lula e Dilma ou pelo emedebista Michel Temer, a mesma decepção de quem trabalha com esporte. O comando continuava sendo instrumento de barganha política, enquanto a nomeação para cargos de segundo escalão raramente seguia a lógica do conhecimento técnico. Quem acreditou que as coisas mudariam com Jair Bolsonaro (PSL) já pode tirar o cavalinho da chuva. A lógica é exatamente a mesma.
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Diferença, só uma: o fato de haver um intermediário entre o primeiro e o segundo escalões. Com o fim do Ministério do Esporte, o comando do setor agora é do ministro da Cidadania, o deputado federal Osmar Terra (MDB). Mais um, como Orlando Silva (PCdoB), Aldo Rebelo (PCdoB), George Hilton (PRB) e Leonardo Picciani (MDB), que chega ao cargo sem nenhuma ligação com o esporte. A novidade é o intermediário, o secretário especial de Esporte, o general Marco Aurélio Vieira.
Vieira, como todo o segundo escalão abaixo dele, de secretários nacionais, prestes a serem nomeados, chegou ao cargo muito mais pela esfera de influência à qual pertence do que pelo seu histórico profissional. O general reformado com quatro estrelas nunca trabalhou diretamente com esporte. Comandou, é verdade, a parte de operações do Comitê Rio-2016, sendo depois transferido para cargo de igual hierarquia (mas menor visibilidade) no revezamento da tocha olímpica. Profissionalmente, até então nunca havia precisado saber diferenciar uma raquete de badminton de uma de tênis. Seus antecessores também não.
Seu grande trunfo para chegar ao Comitê Rio-2016 foi exatamente o mesmo que agora o colocou como número 1 do Esporte no governo Bolsonaro: a indicação dos militares, em especial o general Augusto Heleno, que no passado era diretor do COB de Carlos Arthur Nuzman e o recomendou ao dirigente que também presidia o Comitê Organizador. Augusto Heleno agora é um dos mais influentes ministros e conselheiros de Bolsonaro.
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Também não foi o trabalho na diretoria de futebol de base do Santos que levou o coronel Ronaldo Lima a ser nomeado secretário de Futebol. Lima, que também já foi funcionário da CBF, chega ao Ministério credenciado por ter sido colega de Bolsonaro no grupo de paraquedistas e por ter tido a mesma formação que o presidente, na Escola de Educação Física do Exército. Sua ligação com o futebol não é maior do que a de Gustavo Perrella, filho do ex-presidente do Cruzeiro Zezé Perrella, que sentou na mesma cadeira.
Há um esportista no alto escalão, é verdade. O campeão olímpico Emanuel Rêgo foi disputado por diversas entidades quando anunciou que pararia de jogar vôlei de praia. Muita gente aposta nele como um futuro executivo de sucesso no esporte. Mas a experiência do ex-jogador é nula para o cargo que vai ocupar: o comando da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD). Nenhuma novidade: também foi assim com Rogério Sampaio, que passou pela ABCD em 2016 e hoje é o CEO do COB.
Com a diferença de que Emanuel é marido da senadora Leila do Vôlei, eleita pelo oposicionista PSB, mas que ficou neutra no segundo turno da eleição presidencial. Cada vez que Leila por ventura votar com o governo, recairá sobre ela a dúvida se o voto não teve a ver com o cargo de alto escalão do marido.
Secretária de Esporte, Lazer e Inclusão Social, pasta que distribui recursos para prefeituras de todo o país e que, por isso, tem orçamento ao menos três vezes maior que qualquer outra, Carla Ribeiro Testa trabalha como consultora organizacional e coach esportiva. Nos anos 1990, teve atuação de destaque como atleta de karatê e kickboxing. Um currículo que não é melhor do que de outros milhares de ex-atletas. Com uma diferença: ela é casada com Antonio Flávio Testa, consultor que foi o principal conselheiro de Bolsonaro durante a campanha nas áreas de esporte e educação. Ganhou o cargo.
O mais "técnico" dentre os secretários é Raimundo Neto, escolhido para o Alto-Rendimento. Ex-delegado da Polícia Ffederal e procurador do Distrito Federal, ele não tinha histórico com o esporte até chegar a essa mesma secretaria, em 2016, para ser diretor. Seu bom trabalho, implementando normas mais duras para confederações e comitês, acabou credenciando-o ao posto de secretário. Sua escolha, aparentemente acertada, também não foge do padrão das que se tornaram usuais nos governos Lula e Dilma – inclusive, lembra muito a pelo também burocrata Ricardo Leyser, que também ocupou este posto, com sucesso.
Com um mês de governo, ainda é difícil entender o que pretende o Ministério da Cidadania para o Esporte. A única meta traçada claramente é uma revisão do Bolsa Atleta, algo que já era urgente no governo Michel Temer. Os próximos passos, após a nomeação desses secretários, devem indicar um caminho mais nítido. Por enquanto, a impressão é que tudo segue mais ou menos como antes.
* As opiniões contidas neste post não refletem, necessariamente, as do UOL
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.