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Ministro vai de coadjuvante a protagonista e evita tragédia no esporte

Demétrio Vecchioli

13/12/2018 04h00

O presidente Michel Temer (MDB) sequer consultou o ministro do Esporte, Leandro Cruz (MDB), antes de assinar a MP 841, em julho. Em uma canetada, tirou mais de R$ 500 milhões ao ano do setor, quebrando toda a cadeia esportiva. Nas horas seguintes, era majoritário entre dirigentes o sentimento de que seria muito difícil reverter a situação. "Se tivéssemos um ministro forte…", conjecturavam, enquanto o ministro acompanhava a crise diretamente da Europa, para onde viajou logo após a publicação da MP.

Nomeado depois de o deputado federal Leonardo Picciani (MDB) se descompatibilizar do cargo de ministro para concorrer à reeleição, Leandro Cruz estava há dois meses no cargo. Antigo assessor da bancada do partido na Câmara e promovido depois de atuar como secretário da área no ministério que lida com prefeituras, era um completo desconhecido. Um ministro tampão, no fim de um governo impopular, e sem recursos para implementar programas.

A MP 841, porém, acabou sendo sua tábua de salvação. De Portugal, levantou a voz contra a medida, que disse "jogar contra todos os brasileiros" e foi ouvido. Convenceu a cúpula do governo federal de que havia sido cometido um erro, voltou ao Brasil e comandou as articulações de diversas entidades que quiseram aproveitar a bagunça para reorganizar as coisas cada um a seu jeito. Quando a Câmara votou a MP, Leandro articulou pessoalmente com deputados, inclusive no plenário.

Nesta quarta-feira (12), a novela chegou ao fim quando o presidente Michel Temer sancionou a MP 846, que veio em substituição à 841. Coadjuvante, Leandro Cruz chega ao final da trama como mocinho. Afinal, foi em sua gestão que o esporte brasileiro sofreu sua maior ameaça em década. Mesmo assim, o final foi feliz. O setor não perdeu dinheiro, saiu da dificuldade mais unido do que nunca e melhor regulado, inclusive com maior participação de atletas nos colégios eleitorais das confederações.

Todo mundo saiu ganhando, principalmente o ministro, que concedeu entrevista exclusiva ao Olhar Olímpico após uma premiação em São Paulo, enquanto devorava dois pratos de comida ao fim de um dia de trabalho.

Olhar Olímpico – Qual é o legado do senhor como ministro do Esporte?
Leandro Cruz – Acho que tem alguns. O maior é o fortalecimento da Lei de Incentivo ao Esporte, com uma portaria dá agilidade, naming rights, uma série de mudanças. A (MP) 846 é outro legado inquestionável. No meu ponto de vista, me sinto contente por ter cumprido meu dever. Tanto quando precisei me posicionar duramente quanto quando consegui conciliar, compor, conduzir entendimento com a Segurança, a Cultura, Secretaria de governo… Contei muito com a ajuda do presidente (Michel Temer) e do ministro (da Secretaria de Governo, Carlos) Marun. Eles foram fundamentais. Esse é um grande legado da nossa gestão. As políticas sociais também. Até pela orgiem que eu vim no ministério.

O senhor já se disse contra o fim do Ministério do Esporte. Para o senhor, qual vai ser a maior dificuldade de não se ter um ministro. 
Já é difícil fazer as coisas com o quadro de funcionários que a gente tem hoje. Já é humanamente inviável. Como vai cortar o ministério sem contar pessoal? Vai cortar salário do ministro e mais meia duzia? Vai dar de nada. Precisa de gente dedicada a cuidar do esporte brasileiro. E nós vamos perder um ator político dedicado à construção de políticas públicos. Se a gente não tivesse ministro do Esporte, a gente não teria a 846 hoje.

Se fosse um secretário…
Para. [ele faz cara de desdém, e uma longa pausa]. Para. Você acha que alguém teria dado atenção ao grito de um secretário nacional? Tinha demitido e acabou. É muito fácil para quem paga academia falar que não precisa de política pública de esporte na favela. Trabalha-se com a essa lógica do estado mínimo. Nas áreas de cultura, esporte, assistência social, a gente precisa de estado máximo. Temos miséria em qualquer canto. As pessoas precisam de políticas de inclusão social, elas são nossa mais importante ferramenta de transformação social.

Essa reta final do mandato do senhor está sendo marcada pela dificuldade financeira de algumas confederações e pela punição aplicada pelo TCU
[ele interrompe] Essa não é uma questão que aflige só ao COB, mas ao esporte brasileiro. Estamos trabalhando essa questão conjuntamente com o COB.

O COB resolveu a parte dele, pagando a dívida que o Ministério do Esporte cobrava. Mas outras entidades terão dificuldades de voltar a receber recursos da Lei Agnelo/Piva. Hoje a CBAt está sem receber e outras também devem ficar. São consequências de uma política mais rígida do ministério, que passou a exigir uma série de documentos para certificar as entidades. Podemos considerar um legado da sua gestão?
Essa decisão é do TCU. Eu vou debater essa questão com o Tribunal de Contas da União. Vamos ao TCU para ao menos conseguir regras de transição para conseguir ao menos oxigenar o esporte.

O senhor entende que quem está no Cepim (Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas) deve poder receber recursos da Lei Piva?
Essa é uma decisão do TCU hoje. Não cabe a mim questionar, cabe a mim cumprir. Mas vou tentar mostrar para o TCU, que é o guardião da boa execução dos recursos públicos, as dificuldades que isso trará ao esporte brasileiro.

As confederações estão no Cepim por dívidas cobradas pelo próprio Ministério. A Confederação de Handebol, por exemplo, teve rejeitadas as contas do convênio para realizar o Mundial de 2011. O Ministério mandou devolver cerca de R$ 6 milhões, que corrigidos chegam a R$ 10 milhões. O senhor acha que ela deveria poder receber recursos públicos?
Esse diálogo vou travar com o TCU. Vamos construir saídas para o esporte brasileiro. Claro que não dá para ser no campo da impunidade. Você recebe os recursos, não presta contas e continua recebendo recursos: não dá pra ser essa a realidade. Mas não dá para paralisar o esporte brasileiro. Temos que construir uma saída viável.

O Bolsa Atleta tem um orçamento pequeno na comparação com o número de pessoas que são anualmente contempladas. Em 2018, a lista de contemplados pode ser menor?
Não, porque nós não vamos mais pagar restos a pagar. Vamos empenhar mês a mês, como tem que ser.

O que isso significa na prática?
Que a despesa vai ser empenhada no mês do ano da despesa. Vamos deixar pago mais ou menos até abril [com orçamento de 2018]. Não podemos correr o risco de um problema qualquer com votação de orçamento, essas coisas, e ter uma descontinuidade. Mas a despesa vai ser paga no mês corrente dela, com orçamento do mês corrente dela. Você pagava com restos a pagar, o que está errado do ponto de vista orçamentário.

No ano passado, a lista de contemplados foi publicada numa edição extra do Diário Oficial faltando alguns minutos para as 18 horas do último dia útil do ano. Vai ser assim de novo esse ano?
Espero que não. Se você divulga dia 28, você empenha tudo como restos a pagar. Do ponto de vista orçamentário, estava errado isso.

O Parque Olímpico é uma questão que o senhor espera resolver ainda na sua gestão?
Não tem como. Seria até uma usurpação da função do próximo presidente: a 30 dias do fim do governo eu numa canetada fazer isso. Pela MP 841, a gente determinou que 10% dos recursos da Lei Piva têm que ser gastos na administração dos equipamentos construídos para a Olimpíada. Eu tenho um sonho, não é segredo. Eu acho que lá tem que ser um grande hub de idealização, construção e efetivação do esporte brasileiro. Com as confederações todas lá dentro, podendo conversar passando de uma sala para outra, o COB no Maria Lenk com uma toque de campainha reunir todas as confederações sem pagar passagem, sem ter gasto. Hoje com obrigatoriedade de gastar 10% dos recursos no legado olímpico, essa é só uma decisão política.

A Lei de Incentivo teve redução no ano passado..
[Interrompe, fazendo gesto de avião decolando com as mãos] Vai explodir esse ano.

Ainda assim, ela é muito criticada por uma parcela da população. Recentemente, publicamos os valores que o Sergio Sette Câmara, da Fórmula 1, arrecadou pela Lei. E quem vai ver os comentários vê muito a crítica de que o programa não deve apoiar o alto rendimento. Qual a opinião do senhor?
Acho que tem que financiar o esporte como um todo. É tão difícil fazer esporte no Brasil. E dizem: 'Ah, só financia isso, 90% dos recursos….". Não é verdade. Temos tantos institutos, tantos exemplos tão positivos. Arriscaria dizer que o altíssimo rendimento, como o Sette Câmara, é exceção. O alto rendimento não é auto financiável. Se tirar o apoio do alto rendimento, você vai quebrar o esporte.

Diferente da Lei Rouanet, da cultura, a Lei de Incentivo ao Esporte não permite que empresas inscrevam projetos. A consequência é que criam-se ONGs que são quase espelhos de empresas. O que o senhor pensa sobre isso?
A empresa tem que poder arrecadar. Estamos no capitalismo. Quem puder fazer de forma séria, na forma da lei, não vejo diferença se é uma empresa ou se é uma ONG. Se eu tivesse oportunidade de propor isso eu proporia que as empresas captassem como captam na Rouanet.

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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