COB volta atrás após tentar emplacar estatuto diferente do aprovado
A diretoria do Comitê Olímpico do Brasil (COB) voltou a tentar tirar do seu estatuto a autonomia do Conselho de Ética para investigar e punir desvios. Apesar de a proposta do presidente Paulo Wanderley ter sido rechaçada em assembleia geral na quinta-feira (28), no dia seguinte a diretoria enviou uma minuta do "estatuto aprovado", para ser submetido às assinaturas, e, diferente da vontade da assembleia, o trecho sobre "investigar" e "punir" havia sido retirado. Depois de sofrer pressão nos bastidores, nesta quarta (4), o COB reconheceu o erro e voltou atrás do que chamou de uma "divergência" entre o aprovado e o redigido.
A discussão acontece paralelamente aquele que já é o maior escândalo da administração de Paulo Wanderley. Denúncias anônimas apontaram um esquema de fraude dentro da área de tecnologia do comitê, a partir de funcionários contratados depois de Wanderley chegar à presidência. O caso nunca chegou ao Conselho de Ética (CE), ainda que o relatório final de uma auditoria externa contratada para isso tenha recomendado uma devassa nos contratos.
Retirar do CE a possibilidade de investigar, ou de punir, é visto como recomendável juridicamente, uma vez que o mesmo órgão que investiga não poderia ser aquele que pune. Mas, ao propor retirar as duas atribuições simultaneamente a diretoria gerou forte incômodo entre membros de diversos poderes do COB, que viram relação entre a tentativa de podar o conselho e a tendência de a investigação sobre os contratos de TI logo chegar ao órgão.
A tentativa de alterar as regras de conformidade do estatuto foram notadas na noite da quarta-feira passada (27), quando a minuta de alteração do estatuto foi aprovada pelo Conselho de Administração e distribuída por e-mail para membros do comitê. Na quinta-feira (28) pela manhã, o Olhar Olímpico tornou o conteúdo público. Até a votação, à tarde, atletas e parte das confederações se uniram para votar contra o que entendiam ser um retrocesso.
Na sexta à noite (29), o diretor jurídico Luciano Hostins enviou aos membros da assembleia um arquivo nomeado "Estatuto aprovado na AGE 28.11.19, com destaques". Neste documento, em pdf, haviam sido suprimidas do artigo 51, sobre as atribuições do Conselho de Ética, as palavras "investigar" e "sancionar", o que a assembleia teria votado contra – a reunião aconteceu a portas fechadas e não teve votação nominal, nem há ata publicada até o momento.
O fato causou revolta entre membros do conselho (que decidiram não mais falar publicamente sobre a polêmica), atletas e presidentes de confederação. Na terça (3), a ONG Sou do Esporte participou de uma reunião com Hostins e o vice-presidente Marco La Porta para discutir este e outros temas polêmicos do estatuto, como o próprio processo de convocação da assembleia, que não foi publicada no site do COB, como manda o próprio estatuto.
Nesta quarta, o estatuto mudou de novo. Nova mensagem enviada pela diretoria do COB continha o arquivo "Estatuto aprovado na AGE 28.11.19, com destaques v.2". Nesta nova versão, as palavras "investigar" e "sancionar" voltaram ao artigo 51, que ficou como já é desde 2017. Em negrito, as palavras que não estavam na versão de sexta-feira:
"O Conselho de Ética é órgão dotado de autonomia encarregado de definir os parâmetros éticos esperados pelo COB e seus agentes, com base nos valores e princípios consagrados na Carta Olímpica e no Código de Ética do COI, da administração pública e de gestão democrática, além de ser responsável por investigar e julgar denúncias levantadas em relação ao não respeito de tais princípios éticos, incluindo violações do Código de Conduta Ética e, se necessário, sancionar ou propor sanções aos poderes competentes."
Em nota ao Olhar Olímpico, a diretoria do COB disse que "a minuta do estatuto enviada na sexta-feira apresentou divergências em relação às deliberações na Assembleia". Essas "divergências", segundo o COB, "foram apontadas formalmente por participantes na reunião e prontamente corrigidas".
Investigação não chega ao Conselho de Ética
Um mês e meio depois de o relatório final da auditoria Kroll sobre os contratos de tecnologia ter chegado à diretoria do COB, o mesmo ainda não é de conhecimento do Conselho de Ética ou do Comitê de Conformidade, subordinado a este.
De acordo com o COB, caberia ao compliance officer (diretor de conformidade) levar o documento até o Conselho. O problema é que o oficialmente cargo está vago desde 12 de setembro, quando Rodrigo Carril foi demitido após 11 dias no cargo. Nos dois meses e meio antes de sua contratação e durante quase quase três meses depois da demissão, quem fez a interface com o Conselho de Ética foi a advogada Alessandra Martins da Nóbrega, que pediu afastamento na quinta passada, quando a polêmica estourou.
Ela faz parte do corpo jurídico do comitê e responde a Hostins, aliado de Paulo Wanderley. De acordo com o COB, por não estar investida no cargo de compliance officer, ela não recebeu o relatório preliminar que já identificava uma série de irregularidades.
Ainda segundo o COB, Carril teve acesso ao relatório preliminar por iniciativa do COB para avaliar se deveria seguir com algum procedimento e decidiu que o processo não tinha implicações na área ética. "Importante frisar que se tratava de uma investigação independente contratada com o devido sigilo pela gerência jurídica, por ordem da diretoria do COB, para verificar a veracidade das denúncias recebidas anonimamente. Ainda assim, o presidente do Conselho de Ética teve acesso ao relatório parcial da investigação", informou o comitê, após a publicação desta reportagem.
Para o especialista Marcio El Kalay, sócio da Legal, Ethics & Compliance (LEC), em casos assim o recomendado é realizar uma investigação independente. "Diante de um relatório que traz constatações de fortes indícios de irregularidades, o adequado é que se instaure novas investigações com o escopo mais ampliado. É necessário fazer uma devassa em contratos. Cabe ao diretor de compliance realizar essa investigação, que, dependendo da complexidade, pode ser contratada junto a auditorias como a Kroll", ele explica.
Ainda segundo El Kalay, o Conselho de Ética deve ser sempre cientificado sobre as investigações. "Vai ter que ter um desfecho e o comitê vai ter que decidir. Você não deve receber um relatório e não prosseguir na investigação. Não está de acordo com o que a gente ensina diariamente."
O COB não tornou pública a íntegra do relatório da auditoria. Trechos compartilhados com a reportagem recomendam análise dos contratos da área de tecnologia firmados na gestão Paulo Wanderley e produção ou melhoramento de mecanismos de compliance. A diretoria diz que o processo de verificação dos contratos "já foi iniciado".
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