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Olhar Olímpico

Em dois anos, Doria vai de Ana Moser a Ana Paula

Demétrio Vecchioli

07/12/2018 04h00

Ana Paula e Ana Moser (Ormuzd Alves/Folhapress)

Ex-companheiras na seleção brasileira de vôlei, Ana Moser e Ana Paula hoje têm em comum apenas o primeiro nome e as conquistas como jogadoras. Fora das quadras, tornaram-se líderes proeminentes de movimentos que se opõem em quase tudo quando o assunto é política esportiva. Representam dois polos, separados por quilômetros de espectro ideológico. Um longo caminho percorrido pelo tucano João Doria, governador eleito de São Paulo, em dois anos.

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Durante seus dez primeiros meses como prefeito de São Paulo, Doria aconselhou-se politicamente com pessoas ligadas a Ana Moser. Inclusive, nomeou uma aliada dela para ser subsecretária municipal de Esporte. Por não executar os conselhos, viu os aliados debandarem. Agora como governador eleito, desejava ter Ana Paula como sua secretária estadual. Convite recusado, a convidou para ser conselheira. Fato comum dos dois momentos: em ambos Doria se aliou a quem estava com a popularidade em alta.

Antes mesmo de concorrer à prefeitura de São Paulo, Doria, por meio do Lide, empresa de eventos que ele fundou, já era próximo da ONG Atletas pelo Brasil. Em 2013, ajudou pessoalmente nas articulações no Congresso para a alteração da Lei Pelé que, entre outras coisas, proibiu a reeleição de dirigentes de confederações. Em 2015, a Lide Esporte (braço esportivo da empresa), em parceria com a ONG, ajudou a unir patrocinadores da iniciativa privada em um acordo voluntário chamado Pacto pelo Esporte.

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Ao chegar à prefeitura, Doria convidou Raí (então presidente da ONG) e Magic Paula (então ex-presidente e agora novamente no cargo) para comporem um Conselho que nortearia os trabalhos da secretaria municipal de esporte, a Seme. Do Conselho também faziam parte empresários com forte atuação no esporte, como João Paulo Diniz. Um "não-político", Doria se aliava a quem influenciava decisões políticas e defendia novas práticas sem que, para isso, se envolvesse com partidos e eleições – a "velha política".

Mesmo assim, a vaga de secretário ficou com Jorge Damião, ex-coordenador de campanha e jornalista com pouca familiaridade com o esporte. O compromisso de Doria com os aliados era que a política esportiva da prefeitura seria norteada pelo conselho e executada pela secretária adjunta, a advogada Daniela Castro, até então secretária-executiva da Atletas para o Brasil e braço direito de Ana Moser.

A Atletas pelo Brasil, porém, não era o único ponto de convergência entre os escolhidos para o conselho. Quase todos tinham em comum um forte trabalho social. Raí (Gol de Letra) e Magic Paula (Instituto Passe de Mágica) são precursores de um movimento de ex-atletas que lideram ONGs bem avaliadas pelo setor privado e que, por isso, conseguem se financiar por Leis de Incentivo. Neste ramo, a maior delas é a ONG criada por Ana Moser, o Instituto Esporte & Educação.

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Nova conselheira de Doria, Ana Paula sabe disso. E deu uma indireta recentemente em artigo opinativo no seu blog no Estadão. "Se o novo governo (federal) realmente acabar com a farra das ONGs, algumas com captação de recursos públicos que beiram os R$ 50 milhões, e de alguns parasitas e sanguessugas (…) podemos voltar a sonhar com um país que ocupe outra posição no esporte mundial", escreveu, sem detalhar que os valores foram captados ao longo de mais de uma década.

Queria provocar uma antiga desafeta. As duas têm divergências desde os tempos do vôlei, mas passaram a bater de frente publicamente nos últimos dois anos. Numa dessas discussões, Ana Paula deu a senha do que a aproximou de Doria. "Não vou dialogar ou debater com defensora de organização criminosa e de presidiário". A mesma onda antipetista surfada por Doria elevou a popularidade de Ana Paula, hoje com mais de 340 mil seguidores no Twitter.

Um capital político que Doria tentou angariar para si. Chamou Ana Paula a São Paulo e a convidou para ser secretária estadual de Esporte, na Selj. Inicialmente ela sinalizou de forma positiva, mas voltou atrás porque o filho queria permanecer nos Estados Unidos. A solução encontrada pelo governador eleito foi convidá-la para seu conselho político, um clube restrito formado basicamente por líderes partidários – vai se sentar com gente como o ministro Gilberto Kassab.

Em coletiva na quinta, Doria disse que considera Ana Paula "um show" e elogiou suas ideias. Uma delas, exposta na mesma postagem em que atacou Ana Moser, é o fim do Ministério do Esporte, que não será um dos pelo menos 22 ministérios de Jair Bolsonaro. Em São Paulo, João Doria afirmou que, das 20 secretarias de seu governo, uma será de Esporte – até terça-feira, ele anuncia quem comandará a Selj.

Naquele mesmo texto, falando sobre o ME, Ana Paula criticou "as torneiras abertas da corrupção e do favorecimento de todo tipo de oportunista que se aproveita do tamanho do Estado brasileiro e da conivência de muitos para usar o dinheiro público para interesses privados". Nisso ela e Ana Moser concordam.

Afinal, a relação entre Doria e o grupo liderado por Ana Moser acabou em novembro de 2017, dez meses após a formação do conselho. Na ocasião, os conselheiros passaram a acusar Doria de fazer o que ele agora jura que não fará: o "toma lá, dá cá". Ao mesmo tempo em que segurava programas de cunho social de avançarem na secretaria, o então prefeito liberou a execução de mais de 90 convênios originados de emendas de vereadores. Sabendo que naquele angu tinha caroço, os conselheiros entregaram os cargos. "Com o início da execução, constatamos a priorização de eventos pontuais em detrimento às iniciativas previstas no plano", reclamaram, na época, em nota conjunta

Os convênios foram executados e fiscalizados pela Controladoria Geral do Município, que encontrou um sem número de irregularidades e superfaturamentos. Um relatório estava prestes a ser publicado, apontando indícios de envolvimento de vereadores da base aliada, quando o controlador-geral, Guilherme Mendes, foi demitido. O relatório nunca foi publicado.

Voltando ao artigo de Ana Paula. Entre os motivos para justificar o fim do Ministério do Esporte, ela citou que uma rápida busca no Google por "Ministério do Esporte corrupção" encontra diversas notícias, entre elas uma denúncia feita por este blog, de desvios em um convênio com uma cidadezinha da Bahia. Pois se ela fizer a mesma busca procurando por corrupção no esporte São Paulo, também achará muita coisa.

Por exemplo, como um boteco ganhou mais de R$ 600 mil para alugar equipamentos de taekwondo na gestão Doria. Ou um relato de como o ex-prefeito liberou R$ 30 mil para amistosos entre lojas maçônicas. A fonte de informação é a mesma na qual ela confiou para atacar o Ministério do Esporte e ex-ministros: este blog.

A diferença, neste caso, é que as supostas fraudes no Ministério do Esporte foram investigadas, pelo ME e pelo Ministério Público Federal, e os responsáveis já estão sendo punidos. Em São Paulo, não só o relatório da CGM nunca foi publicado como a secretaria municipal de Esporte voltou a repassar recursos para as mesmas entidades investigadas no ano passado.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.