Tribunal julgou doping de ciclista olímpica sem saber que ela é reincidente
Demétrio Vecchioli
24/06/2019 04h00
Flávia Oliveira (divulgação)
Principal ciclista de estrada do país, Flávia Oliveira Paparella foi recentemente julgada pelo Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJDAD), conseguiu comprovar que não sabia que estava ingerindo uma substância dopante, e saiu com uma suspensão de apenas seis meses. O julgamento, porém, não levou em consideração um fato relevante: ela é reincidente. Agora, o TJDAD estuda se existem instrumentos legais para anular aquele julgamento e realizar outro.
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O Código Brasileiro Antidopagem diz que, em caso de reincidência, a suspensão aplicada será a maior entre três opções: seis meses, metade da primeira (nove meses) ou o dobro da punição aplicável se ela fosse ré primária (doze meses). Ou seja: pelo código, em tese, a suspensão dela deveria ter sido de doze meses.
Flávia Paparella não é uma atleta qualquer. Ela é a mais vitoriosa ciclista de estrada do país, dona daquele que é, disparado, o melhor resultado olímpico da modalidade entre homens e mulheres: o sétimo lugar na prova de resistência em 2016. Sua suspensão por doping em 2009 também não é nenhum segredo guardado a sete chaves. A informação consta, por exemplo, na página sobre ela na Wikipedia. Quando o Olhar Olímpico noticiou em primeira mão o novo doping da ciclista, incluiu essa informação, também.
Mesmo assim, a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), responsável pela gestão de resultados de doping no país, alega que desconhecia a informação. Em nota ao blog, a ABCD disse que consultou o ADAMS, sistema online da Agência Mundial Antidopagem (Wada), que não relatou o caso. Segundo a ABCD, continuava não constando a violação no sistema até ao menos a quarta-feira à tarde.
A ABCD diz ainda que avisou a União Ciclística Internacional (UCI) e a Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC) sobre o doping e nenhuma delas relatou sobre a infração anterior. Sem saber da suspensão, a ABCD entregou o caso ao procurador-geral Paulo Schmitt. "Quem faz a gestão de resultados é a ABCD, que levanta todas as informações. Quando o processo é concluso para procuradoria, temos que apresentar ou não a denúncia. Dificilmente há alguma diligência, ainda mais sobre reincidência", explica ele.
No julgamento, a defesa, feita pelo advogado Marcelo Franklin, especialista em casos de doping, não citou a reincidência. Assim, os auditores julgaram Flávia sem saberem que, em 2009, ela recebeu uma suspensão de dois anos aplicada pela agência antidoping dos Estados Unidos, a Usada – Flávia estudou nos EUA e é radicada lá. A ciclista recorreu à Corte Arbitral do Esporte (CAS), que reduziu a pena a 18 meses. A decisão pode ser conferida aqui.
Desta vez, Flávia, que alega ter consumido um medicamento que não indicava na bula a presença da substância proibida, recebeu a suspensão mínima de seis meses. Com isso, ela poderá disputar o Campeonato Brasileiro, que acontece no fim de semana que vem, no interior de São Paulo.
O gancho leve irritou um grupo de ciclistas que nunca teve boas relações com Flávia – ela em diversas oportunidades apontou a existência de um doping sistemático no ciclismo brasileiro, apontando o dedo para as rivais. Esse grupo organiza um protesto contra a participação de Flávia na competição e provocou a UCI.
Na terça-feira (18), enfim a entidade internacional avisou a ABCD do histórico de Flávia. Agora a agência, a procuradoria e o TJDAD estudam o que fazer. "Está em análise na ABCD se há meios legais para instauração de um novo procedimento administrativo sobre o caso, com a finalidade de pedir revisão da sanção ao TJDAD", confirmou a ABCD, em nota.
"Estamos avaliando o que fazer nesse caso, levando a conhecimento a punição anterior dela para a secretaria do tribunal, embora a UCI ou a própria WADA possam recorrer ao tribunal brasileiro (a depender da análise de prazo) ou para o CAS", destacou Schmitt. A reportagem procurou o advogado de Flávia, que disse que não pode falar sobre o caso.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.