Condenação de cartola do taekwondo abre portas para mais dirigentes presos
Demétrio Vecchioli
24/03/2018 05h00
Carlos Fernandes ao lado de Carlos Arthur Nuzman na Rio-2016
Afastado da presidência da Confederação Brasileira de Taekwondo por decisão judicial ainda em 2016 e proibido de concorrer de novo ao cargo no ano passado, Carlos Fernandes é peixe pequeno. Mas a sua condenação a seis anos e quatro meses de prisão em regime fechado, decretada ontem por um juiz federal do Rio de Janeiro, vai muito além da pena pura e simples aplicada contra um dirigente em específico. Ela é simbólica, porque mostra que, como ele, outros tantos cartolas podem ir para trás das grades.
A prática que levou Carlos Fernandes a ser condenado pelos crimes de estelionato e fraude em licitação é recorrente na cartolagem brasileira. Vide um caso recente denunciado pelo Olhar Olímpico e que repercutiu também ontem. Toninho Fernandes, da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), admitiu que não hospedou 370 atletas durante o Troféu Brasil de 2014. Isso apesar de ter apresentado uma nota fiscal de R$ 555 mil ao Governo do Estado de São Paulo referente a essa hospedagem.
Só para ficar em denúncias feitas por este blog: Miguel Cagnoni, presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), utilizou empresas de fachada para justificar gastos em convênios com o Governo do Estado, também. Ainda na Federação Paulista de Futebol (FPF), Marco Polo Del Nero colocou a empresa parceira escolhida para gerir um convênio para concorrer com outras duas de outros ramos. Uma delas, da assessora de imprensa da empresa contratada.
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E há tantas outras denúncias parecidas, tramitando nos mais diversos órgãos, por provocação da imprensa e por outros interessados. Vide o processo que corre contra a antiga gestão da CBDA e as reportagens investigativas do colega Lúcio de Castro que atingiram as confederações de basquete e vôlei. Ou as muitas denúncias contra a gestão da Confederação Brasileira de Handebol (CBHb), publicadas especialmente pela ESPN Brasil.
Mas o jornalismo pode denunciar, não investigar ou julgar. Todos os casos citados estão na mão das polícias civil ou federal e dos ministérios públicos estadual ou federal. Depende deles e, claro, da Justiça, que esses casos tenham o mesmo destino de Carlos Fernandes.
Alguns outros dirigentes estão com a corda ainda mais apertada no pescoço. São eles das confederações de tiro esportivo, tiro com arco e esgrima, além de gestores de clubes como a Sogipa e o Grêmio Náutico União, ambos do Rio Grande do Sul. Todos contrataram a mesmíssima prática da CBTKD: receberam recursos do governo federal por meio de convênios e subcontrataram a SB Marketing & Propaganda para realizar serviços inerentes à confederação.
Em outras palavras: após conseguirem acesso a verba federal, elas destinavam cerca de 10% a uma empresa que, em teoria, fazia serviços que também poderiam ser feitos pela confederação. Acontecia igual na Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude de São Paulo (SELJ), por exemplo, onde as mesmas empresas eram recorrentemente contratadas por quem conseguia dinheiro repassado.
Com a diferença que a investigação contra as entidades que contrataram a SB está bem mais avançada. O MPF priorizou o processo contra a CBTKD após receber a denúncia de um advogado ligado à oposição a Carlos Fernandes. E, à medida que foi descobrindo como funcionava o esquema, chegou também em novas entidades.
Desde o ano passado aguarda-se uma ação da Polícia Federal contra as confederações de tiro esportivo, tiro com arco e esgrima. Inclusive, este seria um dos motivos pelos quais o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Paulo Wanderley, desistiu de lançar Ricardo Moreira, presidente da confederação de esgrima, como seu candidato à vice-presidência.
Ao mesmo tempo, outras confederações foram sendo alcançadas pelas investigações. No ano passado, pelo que apurou o Olhar Olímpico, o presidente da Confederação Brasileira de Wrestiling (CBW), Pedro Gama Filho, chegou a preparar o terreno para uma possível operação da PF, encaminhando sua sucesso em caso de necessidade.
Como as investigações no MPF do Rio, onde está a maior parte das confederações, está a cargo do Núcleo de Combate à Corrupção, elas foram desaceleradas nos últimos meses. O trabalho prioritário passou a ser a Lava-Jato, com implicações sobre o ex-governador Sérgio Cabral e o então presidente do COB Carlos Arthur Nuzman. A expectativa, porém, é que logo as investigações contra os cartolas seja concluída. E aí será um salve-se quem puder.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.