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Olhar Olímpico

CBAt admite que nota apresentada ao governo envolvia serviço inexistente

Demétrio Vecchioli

23/03/2018 14h28

A Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) apresentou uma nota fria de mais de meio milhão de reais ao Governo do Estado de São Paulo, em 2014, para justificar gastos que nunca teve. A denúncia foi feita em dezembro pelo Olhar Olímpico e, agora, não é mais negada pela confederação. Em ofício assinado pelo presidente Toninho Fernandes, enviado às federações, ele reconhece que a nota fiscal apresentada à Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude (SELJ) não representa um serviço de fato apresentado. Nunca houve hospedagem de atletas no Troféu Brasil de 2014. A SELJ inclusive já abriu um procedimento preliminar de averiguação do processo.

"Gostaríamos de esclarecer que a confederação pagou (hospedagem) apenas para a equipe de arbitragem. Todos os demais recursos não utilizados em pagamento de diárias de hospedagem foram gastos em despesas do Troféu Brasil, dentre as quais despesas operacionais e de estrutura, premiações, diárias de arbitragem, tributos e outros", diz o ofício, datado de 26 de março (segunda-feira, data da assembleia) e enviado pela CBAt aos presidentes de federações. No documento, Toninho ainda argumenta que não contratou a hospedagem porque a SELJ só liberou a verba 15 dias depois do torneio, o que é desmentido pela SELJ e pelos documentos que constam no processo – o pagamento aconteceu no segundo dia do evento.

Ao reconhecer que não ofereceu hospedagem para 370 atletas durante o Troféu Brasil e que utilizou os recursos em outros serviços, Toninho admite que a nota de R$ 555 mil juntada à prestação de contas de um convênio com a SELJ (a imagem que abre esta reportagem) não correspondia aos serviços prestados. Além do recibo da Tomhara Tur, também foi anexada à prestação de contas uma lista com 370 nomes, complementar à fatura emitida pelo própria Tomhara. Mas a própria CBAt agora admite que não houve hospedagem alguma de atletas.

A explicação é a última cartada de Toninho para tentar se manter no cargo, diante da pressão das federações e de parte dos atletas para que ele seja afastado. É grande a especulação sobre uma possível renúncia do presidente, reforçada por essa admissão de culpa. Candidato natural à vice-presidência do COB até dezembro, ele sequer conseguiu se eleger para uma das oito vagas do Conselho de Administração, nesta sexta. Perdeu a confiança de seus pares no COB.

Versões

Antes da publicação da reportagem do Olhar Olímpico que denunciou a fraude, a CBAt alegou que "a ficha de cada atleta é encaminhada pela sua respectiva delegação e que, a partir desses dados, efetiva a reserva de hospedagem", culpando os "responsáveis de cada delegação" por alterações que tenham sido feitas. Indicou que realizou as hospedagens, mas não daqueles atletas.

Cobrada pelos associados, a CBAt emitiu um ofício às federações acusando este blogueiro de ter "declarado interesse político de prejudicar o presidente Toninho". Disse ainda que repudiava, "com extrema veemência, as acusações e ilações perpetradas de forma irresponsável, e sem provas". Mas a pressão continuou, com pedidos para uma assembleia extraordinária, mas Toninho pediu até março para se explicar, na assembleia anual.

Investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Federal de São Paulo, além de ter tido as prestações de contas desse e de outros convênios reabertas pela SELJ, Toninho não teve outro caminho senão admitir a emissão de notas fiscais frias. Como mostrou o Olhar Olímpico, nunca houve hospedagem para 370 atletas. Na verdade, não houve para nenhum.

Nota produzida e distribuída pela CBAt

Alegações

Este mês, o COB tornou públicos os planos de trabalhos das confederações. Assim, pela primeira vez expôs quanto custa aos cofres públicos realizar o Troféu Brasil. Para 2018, a CBAt pediu ao comitê a liberação de R$ 150 mil. A previsão é que o torneio aconteça em setembro, em Bragança Paulista (SP). Outros R$ 150 mil foram solicitados para o GP Brasil (evento internacional de um dia).

Em 2014, com as torneiras da SELJ abertas, eles custaram bem mais. Na verdade, 10 vezes mais. A CBAt pediu, e teve, R$ 1,5 milhão para realizar cada um desses eventos. O Olhar Olímpico mostrou diversos indícios de superfaturamento. No Troféu Brasil, por exemplo, a arbitragem custou R$ 150 mil (descrita como "despesas com organização na tabela abaixo), contratada de uma empresa que aparenta ser de fachada. Se todos os árbitros recebessem o teto da diária estipulada pela tabela da CBAt, o serviço teria custado R$ 73 mil.

Ainda assim, a CBAt alega que os R$ 550 mil que nunca foram utilizados na hospedagem de atletas, como ela informou à SELJ, acabaram utilizados em outros serviços. Ela lista "despesas operacionais e de estrutura, premiações, diárias de arbitragem, tributos e outros". Na verdade, todos esses itens estavam descritos no plano de trabalho do convênio, cobertos pelos demais R$ 1 milhão do convênio, como pode ser visto na imagem abaixo.

Para justificar a não-hospedagem dos atletas, a CBAt alega que só assinou o convênio no dia que começou o Troféu Brasil e que só recebeu os valores 15 dias depois do torneio. Na verdade, porém, a verba consta como liberada a partir do segundo dia do Troféu Brasil (10 de outubro). Inclusive o recibo da Tomhara é de 24 de outubro, antes, portanto, da data que a CBAt alega que recebeu.

Outro lado

Toninho e a CBAt foram procurados pelo Olhar Olímpico, mas não responderam.

A SELJ informou que os recursos foram transferidos em 10 de outubro de 2014. Portanto, no segundo dia do Troféu Brasil. "Constou na apresentação do plano de trabalho a aquisição de medalhas e troféus, sem previsão de despesas destinadas ao pagamento da arbitragem. Atualmente, o processo que deu origem ao repasse está em analise junto ao Grupo de Tomada de  Contas da SELJ e a apuração preliminar está em andamento. O procedimento preliminar de averiguação do processo foi aberto para avaliar se há indícios de irregularidades por parte dos servidores da pasta, porém a avaliação ainda não foi concluída. Qualquer indício de irregularidade, ainda que posterior à celebração dos convênios, será investigado pela SELJ e encaminhado à Corregedoria Geral da Administração", explicou.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.