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Olhar Olímpico

Polícia indicia cartola do basquete após boletos aparecerem no metrô

Demétrio Vecchioli

28/08/2019 18h00

O processo eleitoral da Federação Paulista de Basquete (FPB) começou pegando fogo. Há cerca de um mês, uma pessoa deixou em uma delegacia da zona leste paulistana ao menos 20 boletos da entidade, emitidos em meados do ano passado e depois cancelados, que ela alegou ter encontrado em um envelope na estação de metrô Artur Alvim, próxima ao 65º DP da capital. Na segunda-feira (26), o presidente Enyo Correia foi indiciado por crime de estelionato. Ele foi candidato a deputado estadual em 2018, pelo MDB, e recebeu apenas 1.764 votos.

Os boletos, endereçados a clubes diferentes, traziam o símbolo da FPB. Mas eles haviam sido emitidos pela SPM Comércio e Promoção de Eventos Esportivos, empresa que pertence a Enyo. Ao pagar aqueles boletos, relativos a taxas da federação, os clubes estavam depositando dinheiro na conta da SPM.

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Enyo admite ter movimentado dinheiro da federação em uma conta particular durante sete meses, entre dezembro de 2017 e a primeira quinzena de junho de 2018. Depois disso, diz ele, a federação chegou a emitir cinco boletos em nome da empresa entre novembro e dezembro do ano passado, mas por erro de um funcionário, sem sua autorização. Esses cinco boletos, segundo ele, foram cancelados.

Eleito como vice-presidente, Enyo assumiu a presidência da FPB em 29 de setembro de 2015, logo depois da morte de Antonio Chakmati, que foi presidente por 15 anos e fez parte da diretoria por mais de três décadas. Tão logo sentou na cadeira de presidente, passou a ser responsável por uma dívida tida como impagável.

"No dia seguinte, vencia a primeira parcela de um empréstimo que a federação tinha feito em junho e não tínhamos dinheiro para pagar. O banco começou a bloquear as contas da federação uma, duas, três vezes na semana. Eu recebia o depósito e, quando ia pagar o credor, o dinheiro já não estava na conta", relata.

Devido aos processos trabalhistas, até as contas pessoais de Enyo foram bloqueadas. Foi daí, segundo ele, que veio a proposta da área jurídica de abrir uma empresa em nome do próprio presidente e passar a receber por ela as taxas dos clubes. "Você pode dizer que era errado. Mas foi uma maneira de tentar manter o passivo e dar continuidade à existência dela (da federação). Tem outras formas de resolver? Então, me apresenta. Vem tentar vender a sede, buscar patrocinador", dispara.

Fundada há 95 anos e instalada em uma sede que vale ao menos R$ 6 milhões na Avenida Paulista, a FPB tem o mesmo grupo no poder há 55 anos. Oswaldo Caviglia foi presidente de 1968 a 1980, passou o cargo para seu então vice Paulo Cheidde (1980-2000). Este passou o cargo para o vice Toni Chakmati (2000-2015), que morreu e foi sucedido pelo vice, Enyo, reeleito em 2016. 

Juntos, eles deixaram uma dívida que é contada a partir de R$ 15 milhões (só as em execução). O balanço financeiro, porém, não é publicado no site da entidade, apenas entregue aos dirigentes que participam das assembleias anuais. É uma forma de esconder o tamanho do buraco, que expõe a crise pela qual passa o basquete paulista, e de não contar aos credores a estratégia para seguir vivendo.

Enyo diz que parte dos clubes sabia do mecanismo de utilizar a conta de sua empresa para movimentar recursos da federação, mas que, se isso fosse tornado público, os credores simplesmente pediriam o bloqueio da nova conta. Sempre de acordo com ele, foi inclusive firmado um contrato entre FPB e sua empresa SPM, para tornar todo o processo legal. À polícia, ele também confirmou a estratégia.

"Como meu nome já estava envolvido nisso, eu abri a empresa no meu nome mesmo, para não prejudicar uma terceira pessoa. Era entre nós, entre clube  federação. Todos os filiados recebem o demonstrativo mês a mês e tava lá: se ele devia mil e me pagava 500, aparecia que esses 500 foram quitados e que, por outro lado, a dívida com o credor foi abatida em 500 porque eu usei o dinheiro que ele me pagou. Tenho todas as contas aprovadas por unanimidade", diz.

Ainda que o presidente defenda que nada foi feito por debaixo dos panos, isso não era de conhecimento dos principais clubes do estado, que disseram à polícia terem sido pegos de surpresa. E talvez nunca teria sido descoberto se os tais boletos cancelados não tivessem surgido por acaso em uma estação de metrô.

Enyo era candidato à reeleição, ao menos até sexta-feira, e agora já diz estar repensando a ideia. As próximas eleições estão marcadas para fevereiro do ano que vem e a investigação tende a enfraquecer o atual presidente e abre espaço para candidaturas de oposição. O dirigente paulista vinha sendo um dos líderes da oposição à Confederação Brasileira de Basquete (CBB).

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.