Fernando Meirelles: 'Pense numa vergonha planetária. É a minha'
Dois bilhões e meio de pessoas estavam diante da televisão, assistindo à Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, quando o Brasil passou um recado: a crise do clima é o maior desafio que a humanidade já teve. E diante de pessoas de todas as classes sociais de todos os rincões do planeta, os anfitriões se colocaram como a vanguarda na preservação das florestas. Com a Amazônia cada vez mais preservada, propunham um passo adiante: plantar ainda mais árvores.
Passados três anos e alguns dias, essa imagem do Brasil como protagonista da defesa do meio-ambiente está mais do que arranhada. E, junto dela, a imagem do cineasta Fernando Meirelles, que foi quem propôs, junto com Daniela Thomas e o Andrucha Waddington, todo aquele espetáculo histórico. Com direito a uma promessa: a Rio-2016 plantaria uma muda de árvore em nome de cada um dos mais de 11 mil atletas presentes ao evento.
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Só que a promessa nunca foi cumprida. "Pense numa vergonha planetária. É a minha", desabafa Meirelles. "Prometemos ao mundo que faríamos uma floresta plantada pelos atletas. Os atletas foram lá e plantaram as sementes na frente das câmeras, as sementes geminaram e as mudas cresceram. Hoje estão muito bem cuidadas graças ao esforço e investimento pessoal do Marcelo Carvalho, dono da empresa Biovert que organizou aquilo em 2016", avalia o cineasta.
A criação da "Floresta dos Atletas", no Parque Radical de Deodoro, não fazia parte da matriz de responsabilidades da Rio-2016. Em outras palavras, nenhum ente, governamental ou privado, assinou qualquer documento se comprometendo a pagar pela benfeitoria, prometida ao vivo para o mundo todo. Para o poder público, seja federal, estadual ou municipal, existe o problema de que qualquer compra precisa ser feita via licitação, onde vai ganhar o menor preço, que não exatamente será da empresa que desde 2016 cuida das mudas à espera de uma solução. O Comitê Rio-2016 está quebrado e o Comitê Olímpico Internacional (COI) tirou o corpo fora.
"A boa notícia é que agora há o espaço para plantar as mudas, está faltando apenas uma empresa que decida bancar o plantio e o cuidado por dois anos. Pensamos até em leiloar o jequitibá do Usain Bolt para ver se levantávamos uma graninha para o plantio, mas seria um desfalque na coleção. É barato para burro, tenho certeza que deverá aparecer alguém. O período de chuvas está chegando. Esta é a hora", defende Meirelles.
A não criação da Floresta dos Atletas, porém, é só um reflexo da falta de cuidado com a política ambiental brasileira. Só neste ano, estima-se que o desmatamento na Amazônia aumentou em 67,2% se comparado ao mesmo período do ano passado.
"Nossa imagem está merecidamente péssima. Uma pena, pois a partir de 2004 conseguimos derrubar a área de desmatamento de 27 mil km² por ano para 5 mil km² ao ano, o que mostra que com vontade é possível. Fomos os reis da cocada por quase uma década e então veio o segundo governo Dilma e a partir daí a coisa piorou. Este ano explodiu", avalia Meirelles.
Ele aponta o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), e o ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles (Novo), como responsáveis pela recente escalada de desmatamento. "Há diferentes responsáveis ao longo dos 500 anos da nossa história, mas esta crise atual tem um responsável explícito: O Jair. Com seu discurso engraçadinho-permissivo ele autoriza madeireiros ilegais, mineiros ilegais e grileiros ilegais a ousarem. Ricardo Salles, por ser perverso, faz cara de paisagem e faz do non sense do chefe um programa de governo. Está desmontando consistentemente cada instituição de proteção a floresta."
Meirelles vai além e cobra os produtores rurais. "A bancada ruralista também tem culpa nisso, são mandatários. Por falar nisso está na hora dos ruralistas sérios se descolarem dos insensatos de Brasília e mostrar que as pautas que os Nabhans defendem estão longe de ser o consenso do setor [referência ao secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia]. Sou agricultor, preciso de chuva, falo de cadeira. Aliás, para quem questionava que as chuvas da Amazônia viessem parar em São Paulo, a fumaça que escureceu a cidade na semana passada foi o tiro de misericórdia no argumento. A fumaça provou que o ar e a umidade de lá é a que respiramos aqui."
Foi toda essa preocupação ambiental que Meirelles quis mostrar durante a cerimônia de três anos atrás. E, para ele, a atual crise mostra que sua visão não estava errada. "Na hora de elencar o que o Brasil tem de mais extraordinário em relação ao resto do mundo a biodiversidade foi a resposta óbvia. Mas não queríamos fazer uma cerimônia que olhasse apenas para o próprio umbigo como costumam ser estas cerimônias. Queríamos aproveitar a audiência de 3 bilhões de espectadores e mandar uma mensagem de interesse para todo o planeta. A crise do clima é o maior desafio que a humanidade já teve diante de si e plantar árvores ainda é a tecnologia mais barata e acessível para trazer o carbono da atmosfera de volta e mitigar o efeito estufa. Apenas juntamos as duas coisas. Infelizmente vejo hoje que estávamos certo, nossas florestas fazem a diferença. Não por acaso o mundo todo está se mobilizando para defender a Amazônia."
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