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Olhar Olímpico

Como Brasília deve R$ 100 milhões por Jogos que começam hoje na Itália

Demétrio Vecchioli

03/07/2019 04h00

Luciano Cabral, presidente da CBDU, Aldo Rebelo, então ministro do Esporte, e Agnelo Queiroz, então governador do Distrito Federal, comemoraram a escolha de Brasília para sediar a Universíade de 2019 (divulgação/FISU)

Esta quarta-feira (3) deveria ser um dia histórico para o esporte brasileiro. Dez mil atletas deveriam se dirigir ao Estádio Mané Garrincha para abertura do quarto mega-evento seguido sediado no Brasil. Seis anos após ser atribuída a Brasília, a Universíade de 2019 começa hoje em Nápoles, na Itália, sem ainda ter cortado totalmente seus laços com o Brasil. O evento, agora longe do Brasil, deixou uma dívida de 23 milhões de euros (praticamente R$ 100 milhões) para o governo do Distrito Federal.

Governo local e Confederação Brasileira de Desporto Universitário (CBDU) não souberam informar se, em eventual cobrança, o valor deveria ser corrigido.

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A Universíade é o segundo maior evento poliesportivo do mundo, menor apenas que os Jogos Olímpicos de Verão. Cerca de 10 mil atletas deveriam participar do torneio realizado a cada dois anos. Nápoles está recebendo apenas cerca de 6 mil. A versão 2019 da competição é enxuta porque precisou ser organizada em cima da hora. Culpa do Brasil.

A candidatura apresentada em 2013 pelo governador Agnelo Queiroz (PCdoB) contava com o apoio do então Ministério do Esporte, reduto do PCdoB nos governos Lula e no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O PCdoB é soberano na UNE, a união dos estudantes, e tem forte presença entre os universitários.

"Como anfitriões da Universíade, e nos seis anos que levarão ao evento, o Brasil e Brasília estarão perfeitamente posicionados para promover os esportes universitários com alto nível de visibilidade", comemorou Aldo depois que Baku (Azerbaijão) e Budapeste (Hungria) retiraram suas candidaturas e, sem rivais, Brasília ganhou o direito de sediar a competição.

Quer dizer: ganhou o direito de comprar a competição. Porque a Federação Internacional de Esporte Universitário (FISU, na sigla em inglês) vende os direitos sobre os Jogos, em um modelo diferente do Comitê Olímpico Internacional (COI), que é parceiro na organização das Olimpíadas. Pelo contrato, o governo do Distrito Federal deveria pagar uma taxa de 23 milhões de euros.

Acontece que esse valor nunca foi pago, assim como nunca foi apresentado um orçamento detalhado de quanto custaria realizar a Universíade em Brasília. Reformado naquele ano de 2013, o Mané Garrincha serviria como estádio das cerimônias de abertura e encerramento, o ginásio Nilson Nelson passaria por uma reforma e a maioria das modalidades seria disputada dentro no Centro Olímpico da Universidade de Brasília (UNB), que já tinha recebido melhorias por conta da Olimpíada.

A ideia era que o governo federal ajudasse a pagar a construção e reforma de instalações e que a iniciativa privada pudesse arcar com a maior fatia do bolo: a construção de uma Vila Universitária com mais de 2 mil apartamentos, repetindo modelo da Rio-2016.

Desistência

Mas nada disso aconteceria se o governo do Distrito Federal, em dificuldades financeiras, não pagasse a taxa de 23 milhões de euros. Como contou o Blog do Cruz na época, Agnelo chegou a negociar o parcelamento da dívida, oferecendo pagar 8 milhões no fim do seu governo, em 2014, e 15 milhões em 2015. O dinheiro chegou a ser disponibilizado, mas nunca foi repassado à FISU.

O pepino caiu no colo de Rodrigo Rollemberg (PSB). Já eleito, mas antes mesmo de assumir o cargo, ele anunciou no fim de 2014 que, assim que sentasse na cadeira de governador, desistiria oficialmente da competição.

Nos primeiros dias como ministro do Esporte, George Hilton tentou solucionar o problema para começar sua história no Ministério com um grande feito. Ele chegou a oferecer a competição a cidades como Belo Horizonte e Goiânia, que exigiram garantias da presidente Dilma de que o governo federal pagaria a maior parte da conta. A presidente, porém, nunca deu essas garantias.

Sem o Brasil, a FISU teve que reabrir o processo de escolha da sede da Universíade de 2019. Em março de 2016, anunciou a escolha por Nápoles, aceitando realizar uma competição mais enxuta, por falta de tempo e de dinheiro. Cerca de 3 mil pessoas vão ficar hospedadas em navios ancorados na cidade do Sul da Itália. Além disso, o número de participantes foi reduzido significativamente.

Para a FISU, o problema da organização dos Jogos foi resolvido. A Universíade vai acontecer. Mas o financeiro não. A entidade sobrevive graças a essas taxas pagas pelas cidades anualmente (nos anos pares são realizadas as competições de inverno) e o dinheiro devido por Brasília gerou problemas financeiros. Até agora, porém, não houve cobrança efetiva da dívida, tida como praticamente perdida.

Membro do Conselho Executivo da FISU e um dos vice-presidentes da entidade, o brasileiro Luciano Cabral tem trabalhado para evitar uma punição esportiva. "O que tenho feito é conversar com os colegas da FISU, outros membros do comitê, que foi uma transição de governo em Brasília e a CBDU não tem culpa. Uma punição prejudicaria os atletas brasileiros. Não seria justo os atletas e a CBDU serem punidos. Tenho argumentado com outros membros do Conselho Executivo e eles têm entendido isso", conta.

Cerimônia de Hasteamento da Bandeira Brasileira na Vila dos Atletas.
(Saulo Cruz/CBDU)

Brasil em Nápoles

Ainda que a CBDU seja abastecida com recursos da Lei Agnelo/Piva, todos os anos é o governo federal, via Ministério do Esporte, quem financia a ida da delegação brasileira aos Jogos. Em 2019, porém, a demora na montagem efetiva da Secretaria Especial do Esporte atrasou os planos da confederação. A verba é sempre liberada pela Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social, que ficou acéfala até meados de abril, quando enfim Washington Cerqueira foi nomeado.

O atraso na liberação dos R$ 3,3 milhões pedidos fez com que o Brasil perdesse o prazo para se inscrever em diversas modalidades, de acordo com a CBDU. Se em 2017 o país levou quase 300 pessoas e competiu em 14 modalidades, desta vez a delegação é bem mais enxuta, com 170 pessoas, e o Brasil só participará em sete esportes. Desses, só em três o Brasil prevê alguma chance de medalha: atletismo, judô e futebol feminino.

O atletismo é a equipe mais forte. Estão no time Alexsandro do Nascimento de Melo (o 'Bolt' brasileiro, número 9 do mundo no salto tripolo), Alison Brendom (o Piu, 11º dos 400m com barreiras), Gabriel Constantino (24º dos 110m com barreiras e 26º dos 200m), Paulo André, Rodrigo Pereira do Nascimento (campeões mundiais do 4x100m em maio) e  Vitoria Cristina Rosa (29ª dos 100m rasos). Todos estarão no Mundial de Doha, no Qatar, e também nos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru.

Apesar da proximidade com o Mundial e com o Pan, a equipe de natação também será forte, com diversos atletas com passagens por seleções adultas e com chances reais de estarem nos Jogos de Tóquio. Destaque para Felipe Ribeiro (velocista), Gabriel Fantoni (costas), Gabriel Ogawa (medley), Iago Mousalem (medley), Jhennifer Conceição (peito), Luiz Gustavo Borges (velocista, filho do medalhista olímpico Gustavo Borges), Marco Antônio Ferreira (velocista) e Pedro Cardona (peito). Na prática, é quase uma seleção B.

No judô, poucos atletas têm alguma chance de estar em Tóquio. Os destaques são Lincoln Neves (até 73kg) e Gustavo Assis (até 90kg). A equipe de ginástica conta com dois atletas, somente: Fellipe Arakawa e Luís Porto, dois candidatos a comporem o time que vai ao Mundial de Stuttgart, na Alemanha. No vôlei e no futebol, tanto masculino quanto feminino, os convocados são essencialmente atletas de times universitários. 

O Brasil ainda compete no taekwondo. As outras modalidades disputadas são basquete, esgrima, ginástica rítmica, polo aquático, rugby sevens, saltos ornamentais, tênis, tênis de mesa, tiro com arco, tiro esportivo e vela.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.