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Olhar Olímpico

Área de autódromo do Rio tem imbróglio entre Exército, Esporte e Prefeitura

Demétrio Vecchioli

22/05/2019 12h33

Ao anunciar que o Consórcio Rio Motorsports havia sido o vencedor do edital para a concessão de um autódromo em Deodoro, a prefeitura do Rio disse que a pista seria construída em "área doada pelo Exército". Ocorre que, na prática, essa doação nunca ocorreu. Até porque a situação do terreno de quase 2 milhões de metros quadrados é bem mais complicada. Em 2012, ele foi comprado pelo Ministério do Esporte, que pagou R$ 104 milhões (corrigidos), em sete parcelas, a última delas no fim do ano passado, em verba contabilizada como gasto relativo à Olimpíada de 2016. Mas o Exército nunca realizou a reversão da área.

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Em meados de junho de 2012, o Ministério do Esporte publicou uma portaria para autorizar a descentralização de R$ 65,9 milhões (R$ 99 milhões corrigidos) de seu orçamento para o Comando do Exército, por meio de um Acordo de Cooperação Técnico Financeiro. Nele, as duas partes acordaram "a reversão da fração" do terreno da Floresta de Camboatá, também chamado por seu antigo nome: Fazenda Sapopemba. Isso significa que a área deveria passar a ser de posse do Ministério do Esporte. Os pagamentos aconteceram em sete parcelas que, corrigidas, somam R$ 104 milhões.

A reversão do terreno, porém, nunca ocorreu. Em nota, a Secretaria Especial do Esporte (antigo ministério) disse ao Olhar Olímpico que "a definição de diretrizes operacionais e legais para a reversão do terreno sob responsabilidade ainda do Exército para o Ministério da Cidadania, conforme acordado no termo de cooperação, ou para a Prefeitura do Rio do Janeiro, conforme pleito realizado em setembro do ano passado, ainda está em discussão."

O Ministério da Economia, onde fica a Secretaria de Patrimônio da União, não respondeu os questionamentos do blog acerca do terreno. A prefeitura do Rio confirma que não recebeu a doação, mas que o presidente Jair Bolsonaro (PSL), ao assinar um Termo de Compromisso com o prefeito Marcelo Crivella (PRB) e o governo Wilson Witzel (PSC), há duas semanas, comprometeu-se a doar a área. 

O conteúdo exato do Termo de Compromisso não é de conhecimento público, mas, segundo a prefeitura, existe nele um trecho específico em que o governo federal autoriza a prefeitura a realizar os procedimentos de licitação da área, mesmo ela ainda pertencendo à União. O governo Crivella não estipula um prazo para que esse imbróglio seja resolvido.

Na minuta do contrato a ser assinado por prefeitura e concessionário, a prefeitura se responsabiliza a "atuar junto à União para que ocorra a transferência definitiva e desembaraçada de titularidade dos imóveis objeto da área do projeto e dos imóveis da contraprestação imobiliária da União para o Município".

Troca de passes

Pela Matriz de Responsabilidades da Olimpíada, cabia ao governo federal (leia-se Ministério do Esporte) arcar com a construção do Parque Olímpico da Barra. Mas uma Parceira Público Privada (PPP) proposta pelo então prefeito Eduardo Paes (MDB, hoje no DEM), passou para o setor privado a responsabilidade de pagar pelas obras pelo Centro de Mídia e pela área comum do parque, investindo R$ 1,150 bilhão.

Ao mesmo tempo, o governo federal tinha negociado com a prefeitura do Rio uma espécie de troca de terrenos. O Ministério do Esporte construiria o Parque Olímpico da Barra onde estava o Autódromo de Jacarepaguá e em troca a União cederia a Floresta do Camboatá, para ali ser construído um novo autódromo. O Exército, que ocupava o terreno e não tinha nada com isso, receberia R$ 65 milhões para sair de lá e se ajeitar em outro lugar.

Quando o antigo autódromo fechou, em outubro de 2012, o governo federal assumiu a responsabilidade por pagar a construção de um novo autódromo. O dinheiro seria repassado ao governo do Estado, que seria responsável pela obra. À prefeitura caberia a manutenção do local.

Como se sabe, não foi isso que aconteceu.

Campo minado

Ainda em junho de 2012, um militar morreu e dez ficaram feridos com a explosão de um artefato militar no terreno onde deverá ser construído o autódromo. Dias depois, o jornal O Globo recuperou a história. Em 1958, um incêndio atingiu parte da estrutura do local, então Central de Munição do Exército, e uma explosão espalhou material bélico por grande parte do terreno. Além disso, a área havia sido usada como campo de treinamento para manuseio de granadas.

O Ministério Público exigiu que fosse feita a descontaminação do solo. No, no final de 2014, Ministério do Esporte e Exército assinaram um Termo de Execução Descentralizada, para que o ME repassasse ao Comando do Exército mais R$ 12,5 milhões (R$ 16,4 milhões corrigidos) para a "descontaminação mecanizada e manual da área de instrução do Camboatá". Esse montante não faz parte do orçamento federal para a Olimpíada.

De acordo com o site Grande Prêmio, nesse processo foram encontrados 110 mil estilhaços diversos, 25 mil cartuchos e/ou projeteis de armamento leve, 706 granadas de mão inertes, 11 mil granadas ou partes de granadas de diversos calibres e armas e 18 mil fragmentos variados de metal. 

O processo só foi concluído em meados de 2015, de acordo com o Exército, mas foi contestado pelo Ministério Público, que levantou dúvidas sobre o impacto ambiental do trabalho. Só no ano passado a prefeitura abriu um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), começando a discutir a construção do autódromo. Recebeu um projeto, do Consórcio Rio Motorsports, que acabou também sendo o vencedor do edital de concessão encerrado na segunda (20).

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.