Com R$ 50 mil/mês, Thiago Braz é exemplo de sobreposição de benefícios
Quinto do ranking mundial indoor de 2018, Thiago Braz recebe uma bolsa de R$ 11 mil do Ministério do Esporte. Por permitir que a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) utilize sua imagem, recebe o equivalente a R$ 28 mil por mês da entidade. Já para se manter na Itália, recebia, até dezembro, um auxílio de R$ 11 mil do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Os três benefícios têm em comum o fato de virem do mesmo lugar: os cofres públicos federais.
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A grosso modo, trata-se de um caso de "supersalário", como são conhecidos os casos de remunerações acima de R$ 33,7 mil – teto do funcionalismo – para funcionários públicos, a partir do acúmulo de funções, salários e bonificações. O fato de Thiago não ser um funcionário público não permite que se diga que tal acúmulo de benefícios por parte do campeão olímpico se configure uma irregularidade. Não é. Mas nem por isso me parece correto por parte das entidades – o atleta não tem culpa.
Sozinhos, cada um dos três benefícios se justifica – ainda que o maior deles, da CBAt, seja desproporcional. Mas, juntos, compõem uma anomalia no sistema esportivo brasileiro. O papel do recurso público é gerar condições para que o atleta inicie no esporte, chegue ao alto rendimento e tenha uma estrutura suficiente para alcançar os melhores resultados. Não é ocupar o papel do setor privado e enriquecer o atleta.
Não que Thiago, campeão olímpico e um dos grandes nomes do esporte no Brasil, não mereça ser rico e ganhar quantos milhares de reais for possível, todo mês. Mas não pode ser o dinheiro público a fazer isso, principalmente para um atleta que atrai a atenção da mídia e tem emprego no Esporte Clube Pinheiros, que com certeza lhe paga um salário expressivo. Confederação, COB, governo federal e estatais devem, claro, oferecer as melhores condições para a evolução do esporte no país, coletiva e individualmente. Mas também precisam se conversar para direcionar investimentos.
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Depois de se tornar referência no esporte brasileiro, dono do resultado mais impressionante dos donos da casa na Rio-2016, Thiago passou a ser cliente da agência dos pais de Neymar. Em maio de 2017, assinou um incomum contrato de "cessão de direitos de imagem" à CBAt, de R$ 1,2 milhão, com pagamento de três parcelas anuais de R$ 100 mil em troca de ter sua imagem associada à confederação e à Caixa – patrocinadora da entidade. Os valores são fora da realidade do esporte brasileiro. Nos mesmos termos, assumindo os mesmos deveres por dois anos, Caio Bonfim recebeu um total de R$ 45 mil, apenas.
Há, entre os dois acordos, uma diferença importante. O contrato de Caio é uma premiação pelo bronze no Mundial de 2017, um "bicho" prometido a todos os atletas antes da competição. Já o de Thiago, assinado em 2017, não pode, legalmente, ter lastro na conquista do ouro olímpico da Rio-2016, dez meses antes, uma vez que o contrato de patrocínio da Caixa vigente na Olimpíada acabou no fim de 2016. O contrato, é, logo, um acordo voluntário da CBAt e da Caixa com o saltador.
De qualquer forma, o governo federal já prevê uma premiação por resultado. É a Bolsa Pódio, que Thiago Braz recebe desde 2013. Ou seja: toda a preparação para a Olimpíada foi financiada pelo governo federal. O ouro olímpico permitiu a renovação da bolsa por mais 12 meses, com Thiago ganhando R$ 15 mil ao mês. Na renovação seguinte – que segue vigente -, passou a receber R$ 11 mil mensais.
A tudo isso se soma uma espécie de bolsa que o COB também pagou a Thiago de 2015, quando ele se mudou para a Itália, até dezembro passado, depois de voltar ao Brasil. O comitê nunca divulgou a existência do benefício, que variou de R$ 5 mil a R$ 11 mil. Outros atletas que moram fora do país também são beneficiados, como Bruno Fratus, Érica Sena e Rosangela Santos.
O COB explica que o auxílio é uma forma de compensar gastos extras que atletas de ponta têm para treinar no exterior e que por uma série de formalidades o COB não consegue pagar diretamente – como o treinador de ginástica de Thiago na Itália. E que é responsabilidade do comitê preencher lacunas, de forma a ampliar as possibilidades de conquista do esporte brasileiro. Fernando Reis, do levantamento de peso, é um exemplo. Ele não recebe bolsa do governo, por inconsistência no calendário, então o COB ocupa esse vazio. Faz sentido.
O que não faz sentido é a sobreposição de benefícios vista no caso de Thiago. E também em outros tipos de casos. Um deles, a Bolsa Atleta paga a atletas de modalidades profissionais como o tênis ou a jogadores muito bem remunerados em ligas profissionais, como de vôlei, basquete e até futebol feminino – Marta é uma das beneficiadas.
Outro é o programa de alto rendimento das Forças Armadas. Como os militares desenham os editais de contratação de atletas a partir do perfil procurado, acabam sendo contratados atletas já consagrados. A maioria deles já beneficiária de Bolsa Atleta (até R$ 3,1 mil), e grande parte dos inscritos no Bolsa Pódio (de R$ 8 mil a R$ 15 mil). Uma parte expressiva desses esportistas, pelo alto nível, ainda são empregados por clubes.
Em um momento de crise financeira no esporte brasileiro, com saída de estatais que tradicionalmente patrocinam confederações e cortes no orçamento federal, é mandatório que os diversos financiadores do esporte brasileiro com recursos públicos concentrem atenção em compartilhar melhor os recursos, de modo que essa sobreposição de benefícios seja controlada. Só assim vai haver mais dinheiro para quem mais precisa: quem está começando.
*As opiniões contidas nesta postagem não refletem, necessariamente, a opinião do UOL Esporte
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