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Olhar Olímpico

O que pensa o cartola do rúgbi que lidera movimento político com Huck

Demétrio Vecchioli

18/11/2019 10h23

Eduardo Mufarej (reprodução)

O presidente da Confederação Brasileira de Rúgbi (CBRu) Eduardo Mufarej é, hoje, o cartola esportivo mais influente politicamente no país. Idealizador do RenovaBR, ajudou a eleger uma bancada de 10 deputados federais e um senador. A auto-descrita "maior escola de democracia do Brasil", porém, não inclui nenhuma pauta esportiva nas mais de 220 horas do curso de capacitação que formou algumas das novas lideranças políticas do país, como os deputados federais Tabata Amaral (PDT) e Vinicius Poit (Novo) e que tem 1.400 alunos na sua nova turma.

"Nosso programa é montando na demanda dos participantes. Eles têm mais preocupação com política educacional e outros temas", explica Mufarej, em entrevista exclusiva ao Olhar Olímpico. Sócio da Tarpon Investimentos, ex-CEO e atual presidente do Conselho de Administração da Somos Educação e conselheiro do polêmico Ranking dos Políticos, ele fundou o fundou o RenovaBR com o intuito de formar novas lideranças políticas. É do Renova que parte a possível candidatura presidencial do apresentador Luciano Huck, que faz parte do conselho consultivo.

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O grupo elegeu 17 alunos nas eleições de 2018, entre senadores, deputados estaduais e federais, incluindo Tábata Amaral. Na segunda, o UOL publicou entrevista em que o presidente municipal do PSDB em São Paulo, Fernando Alfredo, defendeu que uma mulher fosse candidata a vice na chapa de Bruno Covas, citando Tábata. No mesmo dia, a prefeitura de São Paulo, comandada por Covas, assinava repasse de R$ 1 milhão à confederação presidida por Mufarej.

"O Renova tem 1.400 alunos. Eu não posso ter a responsabilidade pelo que cada um faz, eles são independentes. Olhando de fora pode parecer ter alguma coisa, mas o Renova é uma instituição de formação, não é um movimento político. A única contrapartida que a gente exige é o cumprimento integral do mandato", defendeu Mufarej, em entrevista por telefone ao Olhar Olímpico, rechaçando qualquer conexão entre os dois fatos.

Como presidente da CBRu, Mufarej atua diretamente próximo a diversos políticos que seu movimento financiou e impulsionou. Só o alto escalão da prefeitura de São Paulo, que agora financia o amistoso do rúgbi, tem diversos ex-alunos do Renova, como José Roberto Rodrigues de Oliveira, que se define, em sua página no Facebook, como "coronel da PM e aluno do RenovaBR". Na Câmara, o deputado federal Luiz Lima (PSL/RJ) tem organizado audiências públicas para questionar o trabalho das confederações, entre elas a CBRu. Ele também passou pelo Renova.

"Eu nunca vou pedir emenda ao Luiz Lima, eu nunca vou pedir nada ao Luiz Lima. Essa relação com líderes formados pelo Renova sempre vai aumentar, porque estamos formando 1.400 pessoas. Como que eu vou manter 1.400 pontos de contato? A grande inovação é não pedir nada em troca", diz Mufarej.

Dos 17 deputados e senadores formados pelo RenovaBR, nove são filiados ao Novo, partido de bandeira liberal e que prega um estado menor. Mufarej sabe bem a importância do poder público para o esporte. Ainda que sua confederação seja a que mais tem patrocinadores privados, ela tem forte dependência dos cofres públicos, responsáveis por pelo menos R$ 8,3 milhões dos R$ 18,7 milhões arrecadados ano passado – o primeiro valor não considera o patrocínio da estatal Correios.

Agora, o maior jogo já disputado pela seleção, o amistoso contra o Barbarians, uma seleção mundial, só será possível porque a prefeitura de São Paulo repassou R$ 1 milhão à confederação. "Tem uma questão válida que é como você vive num ambiente em que as empresas são cada vez menos propensas a realizar patrocínio. A questão de financiamento do esporte é algo que precisa ser aprofundado, porque você tem uma realidade super difícil", avalia.

A maior fonte de receita da CBRu é a Lei de Incentivo ao Esporte, que encontra-se estagnada, longe de alcançar o teto da renúncia fiscal, porque as empresas só podem doar 1% do seu Imposto de Renda – contra 4% da Lei Rouanet, por exemplo. A confederação poderia receber R$ 6 milhões a mais por ano, das mesmas empresas, se o Congresso acelerasse a votação de um projeto de lei que visa ampliar a alíquota de 1% para 2%.

Mufarej, porém, acredita que essa responsabilidade não é dos deputados que formou, mas do Poder Executivo. "Eu acho que esses projetos deveriam ser pautados em grande parte pelo Executivo, dado que isso é uma política pública. A parte da Lei de Incentivo ao Esporte ela pode ser resolvida dessa forma, mas você precisa criar os incentivos. Hoje de uma certa forma a gente vê a participação do Executivo como algo muito tímido." 

Depois de dois mandatos, Mufarej não vai (e nem pode) se candidatar a mais uma reeleição na CBRu, no ano que vem. Ele deve entregar ao seu sucessor uma entidade que, apesar do aumento exponencial na arrecadação, continua restrita ao eixo Sul-Sudeste. É que, diferente de todas as outras confederações olímpicas brasileiras, a de rúgbi nunca aceitou a filiação de federações do Nordeste, do Norte ou do Centro-Oeste. Só podem disputar competições oficiais times e jogadores dos seis estados fundadores, exatamente aqueles mais ao Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

"Essa é uma decisão super difícil, mas quem tem pouco recurso tem que realizar suas escolhas. O rúgbi é um esporte pequeno e a gente tenta atuar de forma mais abrangente nos lugares em que está mais presente e mesmo assim o cobertor é curto. O Brasil é caro de se locomover. Tudo isso representa um ônus. A gente não conseguiu identificar outras federações que estejam estruturadas. É uma escolha difícil. Na crise você tem que fazer escolha para alimentar seus filhos", argumenta Mufarej.

Pergunto se o "filho" Nordeste, nesse cenário, não morre de fome. "A gente teve experiências com equipe de Alecrim (RN). A equipe se inscreveu, mas abandonou o torneio. Se a gente não investir onde está estruturado a gente vai ficar pelo caminho. Essa é uma decisão do conselho de administração da CBRu, de como a gente prioriza a gestão de recursos. Eu entendo que pode existir quem fique desatendido, mas a gente nunca colocou promessa de atendimento. Eu prefiro que a gente se comprometa, que a gente cumpra os compromissos."

Dentro da política esportiva, Mufarej tem participação pouco visível, uma vez que ele costuma delegar ao CEO da CBRu a função de representar confederação em reuniões e atuar como porta-voz. Sua passagem mais marcante causou polêmica. Mufarej participou da assembleia do COB que discutiu a participação de atletas no colégio eleitoral do comitê, mas saiu no meio de uma assembleia histórica porque tinha outro compromisso pessoal. Seu voto, deixado expressamente, não foi aceito e a o grupo que defendia maior participação dos atletas acabou derrotado por isso. Outra assembleia precisou ser marcada, depois de forte pressão da opinião pública.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.