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Olhar Olímpico

Rúgbi prometeu ser grande no país, mas não chega aos 21 estados mais pobres

Demétrio Vecchioli

06/04/2018 04h00

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"Rúgbi, isso ainda vai ser grande no Brasil". Há oito anos, no âmbito da criação da Confederação Brasileira de Rúgbi (CBRu), a Topper levava ao ar uma série de comerciais que acumulariam prêmios internacionais e ficariam na lembrança do fã de esporte. Passado todo esse tempo, os jogos da seleção ganharam visibilidade, os torneios nacionais cresceram e a CBRu se tornou uma das campeãs em patrocínios. Mas o rúgbi continua longe de ser grande no Brasil. Na verdade, não deu nenhum passo para estender sua fronteiras. Dos 27 estados do país, apenas em seis existem federações estaduais reconhecidas, exatamente como era em 2010. Nos 21 estados com menor PIB na nação, a CBRu simplesmente não chega.

E não chega por opção própria. Quando a Associação Brasileira de Rúgbi se transformou em CBRu, para poder ingressar no movimento olímpico (em 2016 o rúgbi estreou nos Jogos), as seis federações fundadoras da nova confederação estipularam regras rígidas para aceitar novas filiadas. Passados oito anos, ainda só São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina fazem parte da CBRu. O que significa que nenhum jogador de clubes do Espírito Santo e das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste pode, por exemplo, chegar à seleção – afinal, eles não são confederados.

"Cada federação tem que cumprir uma série de requisitos, como ter certidões negativas, planejamento estratégico e financeiro e por aí vai. Depois, te que preencher requisitos esportivos, como quantidade mínima de clubes masculinos e femininos e torneios acontecendo ao longo do ano. Hoje, por incrível que pareça, só tem essas seis que cumprem esses requisitos", diz Agustin Danza, CEO da confederação.

Mas o que a CBRu faz para ajudar que mais federações cumpram os requisitos mínimos? "Como uma das obrigações é ter um número mínimo de árbitros e treinadores capacitados, a gente destina parte do orçamento do desenvolvimento da modalidade para fazer capacitação nos estados que não tem federação filiada. Além disso, criamos um torneio nacional regionalizado, para incentivar que no futuro, por exemplo, times do Nordeste criem uma federação e tenham a possibilidade de disputar esse torneio jogando uma fase inicial entre eles. Mas eu reconheço que a federação não colocar uma arma na cabeça de um clube e dizer: cria um time", continua Danza, ressaltando que o estatuto admite a possibilidade de federações regionais, como a do Cerrado, que engloba Distrito Federal, Goiás e Tocantins.

Hoje, se um clube quiser de qualquer outro estado que não os seis mais ricos do país quiser chegar ao nível de disputar uma competição nacional, ele precisa encontrar ou incentivar a criação de outros clubes no estado e formar uma federação que cumpra uma série de requisitos administrativos e esportivos, entre eles realizar estaduais com quatro equipes masculinas e quatro femininas, no mínimo. E ainda conseguir, junto ao poder estadual, uma declaração de entidade de utilidade pública. Depois que toda a documentação necessária for juntada, ela é apresentada à CBRu, que tem seis meses para fazer uma auditoria e checar se as informações são verdadeiras. Em uma última etapa, o Conselho Administrativo precisa aprovar a federação e só aí ela é aceita.

Um processo que não leva menos do que três anos. Tanto é que, desde a criação dessas regras, em 2010, só a Federação de Rúgbi da Bahia conseguiu (em tese) cumpri-las. Criada em 2009, ela desde agosto de 2015 publica mensalmente balancetes mensais, mesmo que de valores quase irrisórios – toda a receita em 2016 foi de R$ 12 mil, o que mal cobriria o custo de um serviço profissional para fazer esses balancetes.

Uma burocracia que a enorme maioria das confederações olímpicas passam longe de cumprir. Mesmo assim, só em dezembro do ano passado a entidade conseguiu terminar de juntar toda a papelada necessária para dar entrada no pedido de filiação à CBRu. Se tudo der certo, a estreia de um time da Bahia no Campeonato Brasileiro acontecerá no segundo semestre de 2019, dez anos depois de a federação ser fundada e quatro anos depois de ela começar a publicar balanços mensais.

Poder para poucos

A CBRu alega que precisa ter uma régua para definir quem pode e quem não pode ter acesso aos recursos que ela alega serem escassos, ainda que só este ano tenha começado a descentralizar verbas – cada federação poderá receber até R$ 150 mil para projetos de incentivo à prática do rúgbi na idade juvenil. Mas, quem aponta a altura onde fica essa régua são apenas seis federações, que se beneficiam dela para não terem que compartilhar os recursos "escassos" com outros estados.

"Uma máxima de governança diz que é melhor investir em terreno fértil do que terreno não-fértil. Eu preciso de um mínimo de condições de governança e o mínimo de rúgbi estruturado, ou vou estar jogando meu dinheiro no lixo", argumenta Danza. Quem diz qual terreno é fértil e qual não é, porém, é o dono do terreno fértil, que já recebe adubo para mantê-lo assim. "Eu tenho que escolher, como confederação, qual é a decisão que vai mais beneficiar mais o rúgbi", continua.

A postura, que o próprio CEO da CBRu diz que pode ser flexibilizada, cria uma concentração de poder e de recursos em, literalmente, meia dúzia de federações, em detrimento a entidades que existem espalhadas pelo país e que não têm acesso a torneios e investimentos. Uma vez que não há clubes no Norte e Nordeste, por exemplo, os clubes do Sul/Sudeste não precisam fazer viagens longas nas fases de mata-mata dos torneios nacionais, o que reduz o custo da CBRu com os torneios. Sobra mais dinheiro para que o campeonato tenha mais times, sempre do Sul/Sudeste. Da mesma forma, sem novos votantes, o estatuto não é alterado para flexibilizar as regras de aceitação de novas federações. E quem elege o presidente continuam sendo os seis fundadores.

"A gente trabalha para que o rúgbi esteja no Brasil como um todo. Até porque ali que fica a nossa riqueza estratégica, que nos diferencia da grande maioria dos outros países: a riqueza de biotipos, de cultura de esportes. Reestruturamos o campeonato nacional exatamente para que daqui um tempo eu tenha um grupo só com times do Centro-Oeste, outro do Nordeste. Para ser economicamente viável", aponta Danza.

Mas daqui a quanto tempo? A CBRu não sabe dizer, só sabe que não é pouco. "Com certeza, mais do que dois anos". Em síntese, se um clube quiser montar um projeto em um centro afastado do Sul/Sudeste (como o Basquete Cearense e o Vitória no NBB, o Sampaio Corrêa na LBF e o Shouse, do Pará, na Liga Futsal), ele vai precisar também que outros clubes da região tenham a mesma ideia, montem uma federação, realizem torneios, etc. Se fizer tudo certo, quem começar o projeto hoje, com o dinheiro que for, pode jogar o Campeonato Brasileiro de 2021. E olhe lá.

"Eu não posso fazer o papel da federação. Ela precisa pode criar condições para ter um torneio competitivo. Ela precisa conseguindo transporte, ir atrás de prefeituras, para aí sim o clube falar: 'Bom, agora vou nas escolas para procurar os times e formar um time. Se você não cria um mínimo de estrutura de competição e capacitação, é impossível você incentivar", afirma Danza.

O CEO da CBRu reconhece que as regras rígidas para aceitação de novas federações ajuda a confederação a ser considerava um exemplo de gestão. "Gerir algo menor é mais fácil que gerir algo maior", reconhece, ressaltando que, desde 2010, a receita da confederação cresceu substancialmente, o número de jogos da seleção de rúgbi XV por ano mais do que triplicou e que, hoje, o campeonato nacional de rúgbi XV tem 32 times, divididos em duas divisões.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.