Rixa entre Zé Roberto e Bernardinho não tem mocinho nem vilão
Demétrio Vecchioli
27/09/2019 04h00
Indiretas nas redes sociais, troca de acusações em público, fãs clubes difamando o rival. Nada disso está presente na rixa entre José Roberto Guimarães e Bernardinho, que debutou este ano e foi reavivada durante entrevista do antigo treinador da seleção masculina exibida na quarta (25) pelo Conversa com Bial, da Globo. Talvez a falta de elementos que nos permitam colocar sobre a face dos nossos dois ídolos as máscaras de vilão e de mocinho seja o que torne essa desavença tão incompreensível aos olhos do torcedor.
Capitu traiu ou não traiu Bentinho? A discussão que permeia a leitura do clássico Dom Casmuro voltou a ser assunto das redes sociais nas últimas semanas. Especialistas já apresentaram suas teses, mas nunca haverá uma resposta perfeita. Primeiro porque Capitu e Bentinho são personagens de ficção. Segundo porque o autor da história, Machado de Assis, não está mais entre nós para dar sua versão dos fatos.
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Na relação entre Bernardinho e Zé Roberto o que está em jogo também é uma discussão sobre deslealdade. Depois dos Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas, Zé Roberto, já treinador da seleção feminina, reclamou da influência de "maridos-técnicos". Era uma acusação indireta (e inconfundível) contra Bernardinho, campeão olímpico no masculino, que teria passando orientações à esposa Fernanda Venturi, levantadora titular da equipe que sofreu uma das mais dolorosas derrotas do nosso esporte, para a Rússia, na semifinal.
Sendo verdade a tese de que Fernanda entregava DVD's da equipe para Bernardinho avaliar, a traição seria deste. Mas Bernardinho não apenas nunca assumiu que fazia isso como entendeu a acusação como um ataque à sua honra, uma traição de Zé Roberto. Nenhum dos dois nunca se desculpou.
Isso aconteceu há 15 anos e, diferente do romance de Machado de Assis, os personagens estão aí para, se quiserem, exporem tim-tim por tim-tim o que aconteceu naquela ocasião. Ocorre que nenhum dos dois tem interesse nisso, e não há por que ser diferente. A rixa não faz diferença alguma para o esporte, para o Brasil ou a ninguém, exceto aos dois treinadores envolvidos, que nunca permitiram que a desavença de alguma forma prejudicasse suas imagens ou os antagonistas. Bernardinho nunca colocou Zé Roberto como vilão, e vice-versa. Sem vilões não existem mocinhos.
Mesmo as declarações mais duras um sobre o outro não têm teor pejorativo, apenas visões diferentes sobre um mesmo fato passado. Vide a fala de Bernardinho no Bial: "Quem sou eu? Só posso elogiar e reconhecer. Mas houve um fato pessoal, uma acusação pública, e para mim as coisas têm limites. Discussões e desacordos podem acontecer. Mas, quando você coloca em dúvida o caráter de outra pessoa, isso para mim é o limite. Houve uma acusação em um certo momento, injusta".
Em uma das poucas vezes em que falou abertamente sobre isso, em entrevista ao Globo em 2010, Zé Roberto seguiu o mesmo tom. "Contingências de trabalho, de coisas que aconteceram no passado. Não temos ligação alguma, nem de amizade, nem profissional. E já há alguns anos. É passado, nem é bom ficar relembrando. Eu o respeito, é o técnico que mais venceu com a seleção brasileira. Mas agora é assim: ele de um lado e eu do outro."
Diferente de Paula e Hortência, que tiveram uma rivalidade provocada pela mídia, se tocaram disso e hoje se dão cada vez melhor (apesar das personalidades muito diferentes), Bernardinho e Zé Roberto seguiram para lados opostos por decisões deles mesmos. Durante os últimos 15 anos, chegaram a falar publicamente de reaproximação, que claramente não aconteceu. Talvez fossem melhores amigos, teriam trocado conhecimentos valiosos para o futuro do vôlei brasileiro. Mas não cabe à imprensa, ao público ou à CBV escolher com quem alguém deve se dar bem – ou mal.
Provavelmente há mais coisa envolvida na má-relação entre dois profissionais que respiram vôlei há décadas e que naturalmente cruzaram um o caminho do outro em incontáveis ocasiões, algumas públicas (apertos de mão em quadra, diante das câmeras), muitas que passam longe da imprensa. Ao escolherem manter os detalhes assim, preservados do público, preservam também suas próprias imagens.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.