Lei de Incentivo pode barrar corridas de rua: 'Não é de interesse público'
Demétrio Vecchioli
21/08/2019 04h00
Circuito Eco está entre as provas afetadas (divulgação)
Responsável por movimentar cerca de R$ 1 bilhão por ano no Brasil, o mercado de corridas de rua corre o risco de sofrer um duro golpe. A comissão técnica da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) caminha para um entendimento de que as corridas não são de interesse público e por isso, não devem ser incentivadas pelo programa, principal motor do esporte no Brasil.
Somente nos últimos dois anos, R$ 25,9 milhões foram executados por projetos da LIE voltados às corridas de rua. Funciona assim: uma entidade proponente apresenta à comissão um apanhado de documentos e um projeto, com um valor total. A comissão dá ou não aval para a captação e, uma vez captados pelo menos 20%, o proponente refaz o projeto dentro dos valores captados e o submete novamente à comissão, que, em posse de um relatório da área técnica da Secretaria de Esporte, aí sim avalia o escopo do projeto – o que será comprado, em que quantidade, a que preço, etc.
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Em reunião realizada no último dia 7 de agosto, o relator Daniel Borges Hayne propôs a rejeição de dois projetos que já haviam captado, juntos, cerca de R$ 3 milhões – o dinheiro, já doado pelos patrocinadores, iria para o Ministério da Cidadania. "É preciso verificar a conveniência da administração pública de aportar tão grande volume de recursos para corrida de rua. É dever da administração pública gerir seus recursos norteada pelos princípios da eficiência e da economicidade. Com relação à Lei de Incentivo ao Esporte, os recursos devem ser prioritariamente ao atendimento de comunidades em situação de vulnerabilidade social", argumentou o advogado da AGU para um dos projetos.
Depois, ele repetiu a tese para explicar por que estava contrariando o parecer técnico para propor a rejeição do projeto: "Acredito também que este processo não é de interesse público". Antes que os demais membros da comissão acompanhassem o voto do relator, o comissionário Humberto Panzetti, único com histórico de atuação na LIE, pediu vistas destes e de outros três projetos de corridas de rua relatados por Hayne.
"Eu sou contra cortar corrida. O IBGE mostrou que, em 2016, sete milhões de brasileiros participaram de corridas de forma oficial. Dá para imaginar na cadeia produtiva o que mexe na economia do país sete milhões de pessoas correndo? A gente não pode ser irresponsável de parar com algo que interfere numa esfera maior", explicou Panzetti, indicado do Conselho Nacional do Esporte, recebendo o apoio da ex-jogadora de vôlei Ricarda. "Enquanto tivermos sobra de receita não podemos ir contra a lei. Se chegarmos ao teto da lei, aí tem que ter critério, tem que definir prioridade", continuou.
Hoje a Lei de Incentivo ao Esporte é dividida em três grandes grupos: esporte educacional, esporte de participação e esporte de rendimento. Pela legislação, atletas e programas de todas as modalidades têm o mesmo direito ao incentivo. Também por Lei, a União aceita um teto de renúncia fiscal (deixar de arrecadar em impostos) de R$ 400 milhões ao ano, mas, por falta de patrocinadores, a LIE nunca chegou perto desse valor – em 2017 foram arrecadados R$ 241 milhões.
Criada em 2006, a LIE não dá prioridade a projetos sociais em detrimento ao esporte de rendimento ou de participação – caso das corridas de rua. A lei apenas ressalta que: "poderão receber os recursos oriundos dos incentivos previstos nesta lei os projetos desportivos destinados a promover a inclusão social por meio do esporte, preferencialmente em comunidades de vulnerabilidade social".
Ao apresentar seu voto contra um dos projetos, Hayne calculou que, com previstos 6,2 mil participantes divididos em quatro etapas, o Circuito Eco teria um custo de R$ 157 por participante. O Corrida do Bem, que está sem seu terceiro ano, custaria cerca de R$ 190 por atleta. Como comparativo, o Ministério da Cidadania liberou recentemente R$ 1,5 milhão para a realização de três competições entre escolas militares, que preveem a participação de 1,4 mil pessoas, entre atletas e organizadores. Neste caso, o custo aos cofres públicos é de mais de R$ 1 mil por atleta.
Em nota, a Secretaria Especial do Esporte disse que "as corridas de rua continuam sendo objeto da Lei de Incentivo ao Esporte" e lembrou que dois projetos foram aprovados na reunião do último dia 7. Nova reunião está marcada para esta semana, mas os projetos de corrida de rua não serão analisados. Fora do país por motivos pessoais, Panzetti pediu vistas de todos para poder discuti-los com maior embasamento.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.