COB sofre nova derrota judicial por dívida e se complica por Lei Piva
Demétrio Vecchioli
26/04/2019 14h30
Paulo Wanderley, presidente do COB (Wander Roberto/ Inovafoto/ COB)
O Comitê Olímpico do Brasil (COB) sofreu dura derrota judicial no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). O tribunal de segunda instância negou o último recurso do comitê para deixar de ser responsável pela dívida da Confederação Brasileira de Vela e Motor (CBVM) com a Receita Federal.
Na prática, isso significa que o COB não foi excluído do polo passivo da dívida nesse processo, como queria. Mantido como devedor da Receita, ele não conseguirá tão cedo obter a Certidão Negativa de Débito (CND) exigida pela Lei Pelé. Sem a CND, em tese, não poderia receber recursos da Lei Agnelo/Piva, que injeta R$ 250 milhões ao ano no esporte olímpico. Por enquanto os repasses estão mantidos.
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A dívida da vela é referente a tributos supostamente não pagos pelo Bingo Augusta, chancelado pela CBVM, no fim da década de 1990. A entidade deixou de ser filiada ao COB no começo de 2013, sumiu do mapa, mas deixou esse fantasma. Em busca de quem pague a dívida de quase R$ 200 milhões (em valores atuais), a Receita incluiu o COB e a Confederação Brasileira de Vela (CBVela) no polo passivo.
Como cada auto de infração gera uma execução fiscal diferente, são vários processos nos quais a Receita cobra o COB. Porém, basta ser mantido no polo passivo de uma dessas execuções para o comitê não ter direito à CND, emitida exatamente pela Receita. O COB já foi derrotado em segundo grau em um processo e tem grandes chances de ser derrotado em outros dois.
Na semana passada, a Terceira Turma Especializada do TRF2 julgou e negou os embargos de declaração do processo número 0010588-78.2017.4.02.0000, um dos mais avançados judicialmente. Depois de ter perdido no julgamento do mérito, o COB tentou modificar a decisão com os embargos e sofreu nova derrota judicial.
Como a turma já apontou seu entendimento, há grande possibilidade de que o processo de número 0009793-38.2018.4.02.0000, que julga uma execução de R$ 53 milhões e que tramita na mesma turma, tenha a mesma decisão. O processo está previsto na pauta da próxima terça-feira (30).
Há ainda um terceiro processo em estágio avançado, de uma dívida de R$ 580 mil. É o de número 0007232-41.2018.4.02.0000, que está na segunda turma especializada. Nele, o COB conseguiu uma decisão favorável no primeiro grau, depois derrubada pelo desembargador Luiz Antonio Soares. No segundo grau, o próprio Soares, relator, já publicou seu voto: para deixar o COB no polo passivo. O processo encontra-se parado por pedido de vistas da desembargadora Letícia Mello, filha do ministro do STF Marco Aurélio.
"A transferência de responsabilidade tributária pela dissolução irregular ou pela prática de ato presumidor de sua ocorrência deve recair sobre aqueles que ostentavam a qualidade de gestores no momento da prática de referido ato (dissolução irregular), independentemente da data da ocorrência do fato gerador do tributo ou da data de vencimento desta exação", anotou Soares em seu voto.
Publicamente, o COB vem batendo na tecla de que não teve responsabilidade sobre a dívida, contraída bem antes de sua intervenção. A Receita, porém, acusa que a CBVM sofreu uma dissolução irregular quando o COB encerrou sua intervenção, no final de 2012, logo depois da criação de outra confederação, a CBVela, logo filiada ao comitê.
Em nota, o COB disse que "segue envidando esforços para ser retirado do polo passivo das dívidas tributárias da CBVM" e não adiantou as medidas judiciais que pretende tomar.
Sem certificado
Considerado devedor pela Receita, o COB perdeu sua Certidão Negativa de Débito (CND) em janeiro. Apesar de ser atribuição do Ministério do Esporte (hoje Secretaria Especial do Esporte) verificar permanentemente a regularidade fiscal das entidades do Sistema Nacional do Desporto, o comitê não chegou a ter cancelado seu certificado de cumprimento das exigências dos artigos 18 e 18-A da Lei Pelé.
A secretaria esperou vencer o certificado anual, o que ocorreu no dia 5 de abril. Dias antes, o COB entrou com um pedido de renovação, mesmo sem CND. Nesta semana saiu a decisão da secretaria, negando a certificação, que foi criada para dizer quem pode e quem não pode receber recursos públicos no esporte.
Os repasses da Lei Agnelo/Piva chegaram a ser suspensos no dia útil seguinte à expiração do certificado do COB, 8 de abril, mas foram retomados no dia seguinte. Até agora, os repasses continuam sendo feitos pela Caixa Econômica Federal, que inicialmente se mostrou contra a postura, em reuniões internas, mas acatou pedido do então secretário de Esporte, general Marco Aurélio.
O COB defende que o dinheiro das loterias não passam pelos cofres do governo e, por isso, não são "recursos públicos". A Lei Pelé exige a certificação para o recebimento de "recursos públicos". Então, no entender do COB, mesmo sem a CND, o comitê não poderia deixar de receber o dinheiro da Lei Piva. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem farta jurisprudência refutando essa interpretação.
Neste momento, a área jurídica do Ministério da Cidadania, onde agora está a Secretaria Especial de Esporte, discute não essa questão, mas se a pasta tem responsabilidade de avisar a Caixa que a o COB não tem a certificação. Isso só está previsto no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado por COB e Ministério do Esporte no final de 2017 e que já expirou.
A se confirmar o entendimento de que a Secretaria Especial de Esporte não precisa avisar a Caixa, a pasta pode lavar as mãos. Porque aí caberia exclusivamente à Caixa decidir se deve suspender os repasses ou não. O banco vem defendendo que essa decisão deve ser informada pela secretaria.
Em nota, o comitê disse que "tem a convicção de que o esporte brasileiro não sofrerá interrupção dos repasses da Lei Agnelo/Piva"
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
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Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.