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Olhar Olímpico

Rotina de calotes e desinteresse de governos explicam fim do Brasil Open

Demétrio Vecchioli

19/11/2019 04h00

(Marcello Zambrana/ DGW Comunicação)

Enquanto todas as atenções estavam voltadas para o GP Brasil de Fórmula 1 e à movimentação midiática do governador João Doria para manter a corrida em São Paulo, os organizadores do antigo Brasil Open, de tênis, anunciavam o fim do torneio. Uma nota à imprensa, enviada sem explicação às 22h30 de um sábado, informava que o Brasil Open "muda de data" e de "formato" no ano que vem, para acontecer depois que a temporada profissional já tiver acabado.

Na verdade, o Brasil Open acabou e um outro evento será organizado pelas mesmas empresas, em outras data e provavelmente outro local, mas a retórica da "continuidade" precisa pegar para convencer o governo federal a aprovar a manutenção do projeto já aprovado na Lei de Incentivo ao Esporte, que era para bancar o Brasil Open.

Um fato vivido no comecinho do ano ajuda a explicar por que a Octagon Sports (que é diferente da Octagon Brasil) tirou o torneio ATP 250 das mãos da Koch Tavares e o levou para Santiago, no Chile. Sem crédito na praça, a Koch procurou um empresário do ramo de logística, antigo conhecido, e pediu a ele que reservasse hotéis para o torneio. O próprio empresário pagou os 50% de sinal para reservar o Hotel Mellià, na avenida Paulista, durante o período do carnaval, quando seria jogado o Brasil Open.

Durante um mês esse empresário, Milton Turolla, tentou receber o valor adiantado e o restante necessário para de fato alugar os quartos onde os atletas ficariam. No dia 19 de fevereiro, véspera de estourar o prazo para pagar a segunda parcela e os jogadores começarem a chegar, o diretor do torneio Roberto Marcher, enviou e-mail para Linda Clark, uma das vice-presidentes da ATP, para avisar uma mudança de planos.

"O comitê do torneio decidiu, por razões logísticas, mudar o hotel para o Radisson Paulista. A mudança foi feita por causa do carnaval de rua", escreveu. Linda não gostou: "Essa é obviamente uma notícia chocante e extremante desapontadora, especialmente porque os atletas estão prestes a chegar a São Paulo. Os hotéis têm que ser aprovados pela ATP. O torneio sabia das potenciais necessidades de mudanças provocadas pelo carnaval e deveria estar preparado para isso", reclamou, também por e-mail. O empresário nunca recebeu os R$ 211 mil gastos para bloquear mais de 500 diárias e pelo custo da equipe contratada.

Como o Olhar Olímpico contou no começo do ano, outras diversas empresas que por muitos anos prestaram serviços ao Brasil Open ficaram sem receber e avisaram que nunca mais aceitariam qualquer acordo. A Koch, que um dia foi a maior promotora de eventos do país e criou o beach soccer, vive crise financeira e tem diversas penhoras em suas contas, até na bilheteria do Brasil Open.

Esse cenário, pelo que apurou o blog, vinha gerando amplo descontentamento na ATP, em patrocinadores (que se afastaram no torneio deste ano) e na Octagon, dona da data. Além disso, jogava contra a Koch Tavares a confusa relação com uma ONG que, oficialmente, se apresentava para o governo federal como organizadora do torneio e, por isso, conseguia aprovar projetos na Lei de Incentivo ao Esporte.

Apesar de todos esses problemas, é inegável que o Brasil Open era importante para a cidade de São Paulo, seja pelo seu impacto econômico em edições passadas ou pelo potencial. No Rio de Janeiro, o Rio Open, um ATP 500, movimenta cerca de R$ 100 milhões na economia local. Em 2018, os organizadores do Brasil Open anunciaram a venda de 42.548 ingressos, muito mais do que o público aguardado para jogo da seleção brasileira de rúgbi que terá R$ 1 milhão de patrocínio da prefeitura. O Brasil Open não só não tinha apoio das esferas municipal e estadual como viu o preço do aluguel do Ibirapuera ser corrigido para cima com Doria

Com São Paulo cada vez mais distante do calendário esportivo internacional, o Brasil Open era uma raríssima oportunidade de ter na capital paulista atletas de algum nível. Se no passado o estado de São Paulo teve etapas de circuitos mundiais de tênis de mesa, atletismo, triatlo, ginástica artística, badminton e vôlei de praia, por exemplo, recentemente só restava o tênis. Agora, nem isso. Mesmo jogos das seleções de vôlei e de basquete têm ocorrido em outros estados, que parecem mais interessados.

O blog procurou a assessoria de imprensa do governador João Doria para pedir um comentário sobre o fim do Brasil Open. O tucano, que fez questão de se colocar como responsável por atrair para São Paulo um Mundial de Skate, para comentar uma notícia ruim para o estado recorreu à Secretaria de Esporte, que foi pega de surpresa com a informação. Nenhum posicionamento oficial foi enviado.

Perde São Paulo, perde o tênis e perde o Ibirapuera. O defasado ginásio que o governo estadual pretende privatizar no primeiro semestre do ano que vem serve atualmente muito mais para shows e festivais do que para eventos esportivos. Com o fim do Brasil Open, sobram uma ou outra edição do UFC e, de vez em quando, dependendo da sorte, uma final de Superliga e um jogo das estrelas do NBB. É muito pouco para uma cidade do tamanho e da importância de São Paulo.

Outro lado

Depois de publicada a reportagem, a Secretaria de Esporte emitiu a seguinte nota.

É descabido responsabilizar a gestão estadual pela decisão dos organizadores de mudar o torneio ATP 250 de cidade. A comparação com o GP Brasil de Fórmula 1 é equivocada, uma vez que os organizadores da prova jamais concretizaram qualquer mudança, portanto, abrindo espaço para negociações que, vale salientar, não contam com um centavo de dinheiro público estadual.
A reportagem ainda erra ao afirmar que a pasta foi pega de surpresa, uma vez que já há contatos com a organização do novo Brasil Open para que o evento seja realizado no Complexo Desportivo do Ibirapuera em 2020. A surpresa da pasta foi a reportagem querer responsabilizar o Governo do Estado por uma decisão exclusiva de mercado, o que foi dito ao jornalista, porém, não levado em consideração.
Cabe destacar que a Secretaria responde pelo Governo do Estado no que diz respeito a Esportes e, assim, aproveita para esclarecer que a concessão do Complexo Desportivo do Ibirapuera busca exatamente oferecer um espaço moderno e adequado para receber eventos esportivos das mais diversas modalidades com toda a estrutura e tecnologia necessárias, além também de se disponibilizar a sediar qualquer tipo de evento que possa trazer emprego e renda para a região.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.