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Olhar Olímpico

Como Brasil Open mudou 4 vezes de dono sem sair das mãos da Koch Tavares

Demétrio Vecchioli

02/03/2018 04h00

Ibirapuera recebe público razoável nesta quinta-feira
(Marcello Zambrana/ DGW Comunicação)

Esqueça a versão difundida desde sempre de que a Koch Tavares é a responsável pela organização do Brasil Open de Tênis, que está acontecendo em São Paulo. Na verdade, o torneio já pertenceu a quatro donos diferentes desde que chegou à capital paulista, em 2012, sendo o atual a desconhecida Associação Brasileira para a Criação e Desenvolvimento de Modalidades Esportivas Praticadas em Areia (ASBRA), que recentemente tirou as últimas três palavras de seu nome.

E todos escolheram contratar a Koch Tavares para" fazer a captação de patrocínios e apenas ajudar a colocar o torneio de pé". Ao menos essa é a versão oficial, apresentada para o governo federal, para que o torneio seja organizado com verbas da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE). É que, pela lei, apenas entidades sem fins lucrativos podem apresentar projetos, o que impede que empresas como a Koch Tavares – que criou o Brasil Open em 2001 – se assumam como as organizadoras. Na semana passada, o Olhar Olímpico mostrou que acontece o mesmo no Rio Open, ligado ao Instituto Carioca de Tênis.

Neste ano, quem faz o Brasil Open, com mais de R$ 3,3 milhões captados, é a ASBRA, ainda que, de acordo com a assessoria de imprensa, não houvesse ninguém da entidade no Ibirapuera para atender a reportagem em nome da ASBRA até esta quinta-feira. O diretor torneio, Roberto Marcher, que já foi diretor-técnico da Koch, alega que "todos os profissionais de conhecimento técnico" são contratados pela ASBRA.

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"A ASBRA é a responsável pela organização, gestão e concepção do evento. Ela busca parcerias para executar o evento. A Koch Tavares participa? Sim, participa. Eu estou atuando na produção do evento em conjunto com a ASBRA nas minhas expertises, de produzir, de ir ao mercado buscar parceiros, utilizar o meu networking", explica José Augusto Gonçalves, diretor comercial e porta-voz da Koch.

De mão em mão

O modelo sempre foi o mesmo. Em 2012, no primeiro ano que o torneio foi realizado em São Paulo, coube oficialmente à Confederação Brasileira de Tênis (CBT) a chancela sobre ele – ou seja, foi ela quem o organizou. Em 2014, sem grandes explicações, esse certificado, dado pela Associação de Tenistas Profissionais (ATP), passou à Federação Paulista de Tênis (FPT), que ficou com ele por dois anos, até 2015. No ano seguinte, a ATP deixou de reconhecer a FPT como organizadora do torneio, que passou a ser propriedade do Instituto Cidadania Através do Esporte (Cades). A ONG tem com diretor-executivo Ricardo Amaro, que em 2014 foi pivô de um polêmica, relatada pela ESPN, ao aprovar, como membro do conselho fiscal, as contas da FPT. Durante todo esse tempo, tecnicamente, a Koch sempre foi contratada para fazer a "promoção", ainda que diversas vezes se admitisse como "organizadora".

O Cades só foi o dono do Brasil Open por um ano. Na temporada passada, a organização do torneio passou às mãos da ASBRA, sobre a qual se sabe muito pouco. No seu telefone de contato atende a Sincrocine, uma produtora de cinema – aliás, o número está registrado também em nome da empresa. Seu endereço, em Botafogo, no Rio, também é mesmo da Sincrocine. No local, na semana passada, a reportagem não encontrou ninguém da ASBRA.

Ainda assim, a ASBRA ganhou, da Vivo, Estácio e da consultoria Ernst & Young, o selo do "Pacto pelo Esporte", um movimento que promete "contribuir para a construção de um ambiente íntegro entre empresas e entidades esportivas, por meio da governança, integridade e transparência do setor". Após o início da apuração da reportagem, com as empresas contactadas, o selo foi retirado do site do Brasil Open.

Conhecendo a ASBRA

Após diversos desencontros, a reportagem visitou uma sede fixa da ASBRA, em um complexo de quadras no Morumbi, na zona Sul de São Paulo. Uma busca pelo endereço em aplicativos como o Instagram e o Foursquare aponta ali o "CT Koch Tavares". José Augusto Gonçalves, diretor comercial da Koch, porém, garantiu à reportagem que não há nada e nunca houve nada da Koch naquele endereço, onde aconteceram quatro edições do Torneio AB Academia/CT Koch Tavares.

Em 2014, Flávio Saretta contou outra história ao UOL. "Eu estou treinando na quadra da Koch Tavares, na academia, ali no Morumbi", revelou ao blog Saque e Voleio. Dois anos antes, o Tênis News foi um dos diversos veículos a publicar um release da própria Koch, sobre um evento no "Centro de Treinamento Koch Tavares", no mesmo endereço onde hoje existe uma salinha da ASBRA. No espaço, de menos de 10 metros quadrados, ficam uma mesa, três cadeiras, um armário pequeno e uma placa da ASBRA na parede. Não há privacidade – o local é uma espécie de antesala, sem porta, que dá acesso a outras salas.

No site da ASBRA, não consta qualquer informação sobre sua diretoria. A reportagem apurou (e só depois a assessoria de imprensa confirmou) que o presidente da ONG é o publicitário Marcelo Cesar Peixoto Diniz, que, na apresentação de um livro que escreveu, revelou ser ex-funcionário da Koch, o que a empresa nega. Presidente da entidade que organiza o Brasil Open, até esta sexta-feira ele ainda não havia vindo a São Paulo para acompanhar o torneio e a aplicação de R$ 3,3 milhões em recursos públicos incentivados.

Além do Brasil Open, a ASBRA realizou, desde 2014, pelo que informa em seu site, quatro Mundialitos de futebol de areia e dois torneios de tênis do nível Challenger, no Rio e em Curitiba. Em todos os casos, a Koch Tavares foi apresentada como promotora. A empresa, aliás, se gaba de ser a "criadora" do futebol de areia – a ASBRA, vale lembrar, nasceu para "criar e desenvolver modalidades praticadas na areia" e só mudou de nome quando abraçou o Brasil Open, jogado no saibro.

O que faz a Koch Tavares no Brasil Open?

Capta patrocínios e ajuda na organização. Ao menos essa é a versão oficial, afinal. Ao Ministério do Esporte, nos últimos dois anos, a ASBRA se declarou a organizadora do torneio, apresentando um plano de trabalho para gastar os quase R$ 4 milhões que pediu na Lei de Incentivo ao Esporte. Ou seja: quem contrata árbitro, instala wi-fi, coloca saibro, monta a estrutura provisória da quadra 2, etc, é sempre a ASBRA. "Tudo que está relacionado ao plano de trabalho é contratado pela associação. Não tem contratação da Koch Tavares", garante o porta-voz da empresa. Todo o dinheiro da bilheteria, diz a Koch, também vai para a ONG, que paga US$ 445 mil em premiações (quase R$ 1,5 milhão). Esse dinheiro não pode sair do arrecadado pela Lei de Incentivo, apenas das outras fontes de recursos.

Na quarta, quando a reportagem esteve no Ibirapuera, não havia ninguém da ONG para atender ao UOL. Quem explicou sobre todo o projeto enviado pela ASBRA ao governo, com bom nível de detalhamento, foi um diretor da Koch. De acordo com ele, o papel da promotora é aproveitar seu bom relacionamento de marketing para captar recursos. Pela LIE, a empresa que faz a intermediação entre a ONG e o patrocinador/doador pode ficar com até 10% do valor. Ainda segundo Augusto, a Koch também tem uma comissão sempre que negocia ações de marketing e permutas, que vão além do dinheiro captado pela LIE.

A versão, mais uma vez, contrasta com a realidade. A Koch Tavares nunca escondeu que é ela, por exemplo, quem distribui convites para atletas – ainda que o torneio seja da ASBRA. "Mais uma vez só tenho a agradecer à organização do Brasil Open, em especial ao Luis Felipe Tavares, diretor do torneio", comentou, em 2015, Guilherme Clezar, agradecendo um convite. Luis Felipe Tavares é do presidente da Koch e a declaração consta no site da empresa.

Também no site da Koch ela se gaba do torneio de 2014: "A 14ª edição surpreendeu os torcedores, jogadores e a ATP, que elogiaram a Koch Tavares pela qualidade na organização do evento". Aquele torneio, pelo que informa o Brasil Open de hoje, foi organizado pela federação paulista, não pela Koch.

Em teoria, sendo da ASBRA o direito de organizar o Brasil Open, nada impediria a entidade de escolher outra empresa que não a Koch Tavares para fazer essa captação, uma vez que o torneio esse ano se mostrou interessante para mais de 20 patrocinadores e apoiadores.

Segundo ele, a única garantia da Koch de que ela voltará no ano que vem para promover o torneio que é atrelado a ela desde 2001 é o bom serviço prestado. E nada mais. "Hoje a entidade não pode chegar comigo e fazer uma garantia de que vou estar em 2019 com ela, porque o que ela tem é 2018. O projeto que ela tem aprovado no ministério é 2018", diz Augusto, deixando claro que a chancela do torneio está diretamente ligada à capacidade de a entidade captar recursos públicos.

"Ela (a ASBRA) escolhe quem ela contrata. No Aberto do Brasil, eu me credenciei pela minha experiência, pela minha capacidade de entrega, de ajudar a colocar um projeto de pé. Isso é uma parceria", continua Augusto.

Lei de Incentivo ao Esporte

O mecanismo de busca da Lei Federal de Incentivo ao Esporte não disponibiliza informações sobre os projetos anteriores a 2015. Para a edição de 2016, o Instituto Cidadania Através do Esporte recebeu autorização para captar R$ 1,8 milhões. No ano passado, já com pela ASBRA, o Brasil Open pôde captar R$ 2,3 milhões. Nas duas ocasiões, o torneio aconteceu no Esporte Clube Pinheiros, onde foram montadas arquibancadas provisórias.

Agora no Ginásio do Ibirapuera, o custo do torneio subiu. Para 2018, o Ministério do Esporte autorizou a captação de R$ 3,9 milhões, mais do que o dobro de dois anos atrás. No mecanismo de transparência do governo, desatualizado, aparecem como tendo sido captados R$ 3,3 milhões, dos quais R$ 1,7 milhões da Vivo, patrocinadora máster.

Também são patrocinadores a BB Seguros/Mapfre Seguros (R$ 800 mil pela LIE), Stella Artois, Peugeot, Emirates, EMS (R$ 222 mil), Correios, Estácio (R$ 120 mil) e EY (120 mil). Os demais são apoiadores ou fornecedores.

Outro lado

A reportagem tentou contactar a ASBRA de diversas formas. Na visita à sala da ONG no Morumbi, foi recepcionada por um funcionário de nome Anderson e pela assessoria de imprensa. Nenhum dos dois falou oficialmente em nome da ASBRA, que se comprometeu na semana passada a disponibilizar um porta-voz. Até a noite desta quinta-feira, isso não aconteceu. Na quinta, o blog enviou a Marcelo, por e-mail, perguntas que não foram respondidas.

Entre elas, como a ASBRA foi escolhida como organizadora do ATP 250 de São Paulo, como a Koch foi escolhida para ser a promotora e quem participou da assembleia que elegeu Marcelo como presidente. Além disso, a ONG não respondeu qual sua fonte de renda para pagar a premiação de R$ 1,5 milhão, além de cachês para os tenistas.

Sobre o selo do Pacto pelo Esporte, a Vivo explicou apenas que "patrocina projetos esportivos que estejam aprovados pela Lei de Incentivo ao Esporte" e não respondeu com quem da ASBRA tratou sobre o patrocínio ao Brasil Open, além de não ter informado como se certificou da integridade da ONG. A Estácio também não respondeu essas perguntas, passando a responsabilidade de fiscalização ao governo. "A Estácio segue as melhores práticas alinhadas aos ministérios que aprovam projetos beneficiados por renúncia fiscal", escreveu, informando que não divulgaria quanto pagou em patrocínio.

A Ernst & Young pediu uma semana para responder à reportagem, mas não retornou os e-mails. A consultoria não respondeu como se certificou da integridade da ONG. A empresa também patrocinou o Rio Open, que tem situação bastante parecida.

 

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.