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Olhar Olímpico

Enquanto amplia cortes, governo coloca meta de modernizar Bolsa Atleta

Demétrio Vecchioli

23/01/2019 16h18

Martine Grael e Kahena Kunze (Jesus Renedo/World Sailing)

Em entrevista coletiva nesta quarta-feira (23), o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), apresentou as metas do governo federal para os 100 primeiros dias da gestão Jair Bolsonaro. E incluiu apenas um tema relacionado ao esporte: a meta de "modernizar o programa (Bolsa Atleta) para estímulo de jovens atletas". O Ministério da Cidadania, porém, não explicou os planos que vão de encontro a cortes anunciados a atletas por e-mail na terça-feira (23).

Esses esportistas foram informados que, apesar de terem seus nomes publicados entre os contemplados na polêmica lista de 28 de dezembro,, não receberão a bolsa. O novo governo diz que a medida afeta 31 esportistas, que serão substituídos por outros atletas. Mas a postura pode gerar um efeito cascata, atingindo principalmente velejadores como as campeãs olímpicas Martine Grael e Kahena Kunze.

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Historicamente, cerca de 6 mil atletas eram beneficiados pelo Bolsa Atleta todos os anos. Com orçamento reduzido, no fim de 2018 o Ministério do Esporte teve que adequar o programa ao dinheiro disponível. Por edital, existe um ranking de quem tem prioridade de receber a Bolsa Atleta e em 2018 a linha de corte passou após o 3.095º da lista, segundo colocado de uma competição nacional de faixa etária intermediária. Entre os adultos, foram incluídos entre os beneficiários os primeiros, segundos e terceiros colocados em torneios nacionais de modalidades individuais, mas não as coletivas.

Mas há uma crítica antiga e recorrente ao Bolsa Atleta sobre a concessão de benefícios por resultados como provas por equipes no tênis de mesa, no badminton e no tiro esportivo, o que servia de subterfúgio para garantir a bolsa a atletas que se beneficiavam do talento dos colegas.

Argumentando que não havia orçamento suficiente, o governo decidiu não atender "atletas vinculados a provas coletivas de modalidades individuais como, por exemplo, as provas de revezamento, dupla e equipe". Um pente fino feito já em 2019, depois da publicação da lista, notou que alguns casos escaparam, exatamente esses 31 atletas comunicados na segunda-feira de que não receberão o benefício.

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A medida, porém, atingiu também quem não tinha nada a ver com isso. É que o antigo Ministério do Esporte – hoje Secretaria Especial de Esporte – historicamente considera, por exemplo, que a vela é um esporte individual. Metade das classes olímpicas (Nacra17, 470 Masculina e Feminina, 49er e 49erFX) é disputada em duplas e, levando a regra ao pé da letra, trata-se de uma prova em duplas de uma modalidade individual.

Por isso, entre os atletas que perderam o direito ao Bolsa Atleta estão velejadores como os irmãos João Hackerott e
Maria Hackerott, segundos colocados na classe Nacra17 na Copa Brasil de Vela de 2017. A partir de agora, eles não terão direito à Bolsa Atleta, mas os segundos colocados da mesma competição, em classes disputadas por só uma pessoa, sim.

O impacto da decisão do Ministério da Cidadania pode ser mais amplo. Isso porque a Bolsa Pódio, que paga de R$ 8 mil a R$ 15 mil a atletas que têm chance de pódio na próxima Olimpíada, contempla apenas atletas de modalidades individuais e apenas de provas individuais – deixando de fora, por exemplo, atletas de provas de revezamento. Os velejadores, assim como os jogadores de vôlei de praia, sempre foram considerados pelo governo como aptos a receberem a Bolsa Pódio.

Agora, se o governo entende que dois atletas que velejam juntos em um barco estão disputando uma prova coletiva, então esses atletas não têm direito à Bolsa Pódio. A lista de prejudicados é ampla e incluiria alguns dos principais velejadores brasileiros, como Martine Grael, Kahena Kunze, Fernanda Oliveira e Ana Barbachan.

O Bolsa Pódio também é um programa anual. A última lista de contemplados foi publicada em setembro do ano passado, de forma que o edital precisa ser renovado até setembro próximo. O Olhar Olímpico já mostrou que, se mantiver o nível de investimento na Bolsa Pódio, R$ 34 milhões, não vai sobrar dinheiro, pelo orçamento destinado às bolsas, para abrir um edital da Bolsa Atleta este ano.

Em nota, a Secretaria Especial de Esporte negou que haja divergência de entendimento da secretaria sobre as provas em duplas. "Diferente das demais categorias, a Pódio observa a posição individual do atleta no ranking mundial. Tal posição é construída a partir da participação do atleta em várias competições, mensuradas individualmente. Para as categorias Nacional e Internacional, é considerado resultado esportivo obtido pelo atleta numa única competição, realizada no ano anterior", explicou a secretaria. Na vela, só Martine, por exemplo, tem posição no ranking mundial – Kahena aparece como sendo sua parceira atual, ainda que de forma contínua.

Ainda segundo a secretaria, a identificação de atletas beneficiados com base em provas coletivas aconteceu "ainda em dezembro". Vale ressaltar que a lista foi publicada no Diário Oficial no dia 28 de dezembro, último dia útil do ano.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.