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Olhar Olímpico

Por medalha olímpica, Fernando Saraiva deixa "pedaços do corpo" no caminho

Demétrio Vecchioli

11/01/2019 04h00

(DAMIR SAGOLJ/REUTERS)

Os mais de 150 quilos de Fernando Reis Saraiva incluem apenas 40% do tendão de um joelho e 50% do outro. Das articulações de um cotovelo também só restou metade. Não é novidade para ninguém que o esporte de alto-rendimento não é exatamente saudável. Mas ele é ainda mais nocivo ao corpo em uma modalidade como o levantamento de peso, e pior ainda na categoria mais pesada, na qual o brasileiro foi quarto colocado do Mundial no ano passado.

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"Minha modalidade não é brincadeira. Para levantar o peso, ou você deixa um pedaço do corpo no meio do caminho ou você morre. Não tem outra opção. A gente não tá brincando de bola. Para as pedras que foram aparecendo no meio do caminho eu fui deixando pedaços do meu corpo. Cinquenta por cento do cotovelo, 100% rompimento do peito, 50% do joelho direito, agora 60% do esquerdo", lista ele, que deve passar por mais uma cirurgia, desta vez para reconstruir a cartilagem do joelho esquerdo.

Não é uma lesão nova, mas que o atrapalhou na temporada passada inteira. Avaliou que não dava mais para continuar assim e que precisava fazer uma radiografia do corpo todo, descobrir o que estava bom, o que precisava arrumar. "Se deixar para perto da Olimpíada pode estourar tudo e se estourar tudo, f…", resume, sem papas na língua.

No meio do caminho, entre julho e agosto, tem os Jogos Pan-Americanos, mas com Fernando Saraiva não tem falsa modéstia. Ele sabe que, muito melhor que os rivais, será medalhista de ouro mesmo se estiver com 80% da forma. E também tem certeza que, do jeito que as coisas vão, ele não precisará se preocupar com a vaga olímpica. Há reserva ao melhor do continente no ranking mundial em cada categoria e ninguém está apto a ameaçá-lo, por enquanto.

Briga de gente grande

Não é de hoje que Fernando está entre os melhores do mundo, mas ainda falta superar um último degrau. O brasileiro foi quinto na Rio-2016, sexto no Mundial 2017 e quarto no do ano passado. A diferença para o pódio é pequena, mas faz toda a diferença para consagrar a carreira do melhor halterofilista que o Brasil já teve.

"A medalha vai brindar de conseguir subir no pódio. A medalha em si não significa muita coisa; todas as medalhas que eu tenho estão guardadas em casa e nem sei onde. É mais realmente para valer a pena essa jornada. A gente passa por vários bom bocados. Essa medalha, porra, com certeza vai sair e vai sair no momento certo", aposta.

Com o perdão do trocadilho, o gigante brasileiro não pensa pequeno. E o Mundial passado foi uma prova disso. Na hora de escolher o peso da última tentativa do arremesso, "foi para cima", como diz. Mandou colocarem 245 quilos na barra, ainda que nos treinos para a competição, lesionado, não tivesse passado de 240. Era tudo ou nada. Deu nada e ele terminou no quarto lugar, pensando que, se tivesse acertado a parte final do movimento, seria bronze.

Seria demagogia não admitir que esse resultado, por enquanto final, não possa ser mudado no futuro. O levantamento de peso está no centro das discussões sobre doping no esporte e vem retirando resultados de alguns dos melhores do mundo, fruto de reanálise de amostras. O iraniano Saeid Mohammadpour terminou em quinto na categoria 94kg em Londres-2012 e já está com o ouro em casa. O nono colocado herdou o bronze.

Top 10 de todas as competições mundiais desde 2012, Fernando sabe que, um dia, uma medalha pode cair no colo dele. Mas diz que não vai dar importância para ela. "Para mim não ia mudar em nada. Pegar medalha é no dia da competição. É brigar de igual para igual, numa condição de homem. Pegar a medalha depois de 10 anos? O que significa isso? Absolutamente nada".

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.