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Olhar Olímpico

Bolsa Atleta não tem orçamento para continuar existindo em 2019

Demétrio Vecchioli

02/01/2019 04h00

Bolsonaro comemora título do Palmeiras (reprodução/Instagram)

Com o orçamento disponível para o Bolsa Atleta em 2019, de R$ 70 milhões, o governo Jair Bolsonaro (PSL) terá três opções. A primeira, improvável, é acabar com o Bolsa Pódio, prejudicando radicalmente a elite do esporte olímpico e impactando diretamente nas medalhas que tanto orgulham as Forças Armadas. A segunda é acabar com o Bolsa Atleta. A terceira é colocar o fim do Bolsa Atleta na conta do governo Michel Temer (MDB). Há ainda uma quarta opção, engordar o orçamento do programa, o que iria contra o discurso anti-assistencialista apresentado em campanha.

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A conta é relativamente simples. O Ministério do Esporte anunciou na última sexta-feira (28) uma lista de 3.095 contemplados com a Bolsa Atleta e se comprometeu a pagar três parcelas, deixando para o governo Bolsonaro quitar as demais nove. Pagá-las vai custar R$ 39,8 milhões. Já o Bolsa Pódio, que paga de R$ 8 mil a R$ 15 mil para a elite do esporte no país, consumiu R$ 34 milhões no seu último edital, que precisa ser renovado em agosto. 

Os dois compromissos somam quase R$ 74 milhões, mas o orçamento do programa "concessão de bolsa para atletas" em 2019 tem apenas R$ 70 milhões. Por essa conta, não sobra dinheiro para abrir um edital de Bolsa Atleta em 2019. Historicamente, beneficiar os cerca de 6 mil atletas que teriam direito à bolsa custa entre R$ 70 milhões e R$ 80 milhões. Ao cortar a lista pela metade, limando quem ganhava menos, o governo Temer baixou o custo do edital para R$ 53 milhões.

Foi a própria gestão Temer quem deixou o novo presidente da República em uma sinuca de bico, adiando um problema que deveria ter estourado em meados de 2017. Naquela ocasião, como mostrou o Olhar Olímpico, o orçamento do Bolsa Atleta (programa que inclui também o Bolsa Pódio) foi reduzido de R$ 137 milhões para R$ 125 milhões, já no meio do ano fiscal, depois de ter R$ 143 milhões no ano anterior.

Já para 2018 o orçamento foi expressivamente menor: R$ 82 milhões. O governo, que chegou a montar uma comissão para discutir mudanças nos critérios de concessão da bolsa, não levou a proposta adiante. Preferiu adiar o problema ao máximo, deixando para anunciar os contemplados já no apagar das luzes do ano, na última sexta-feira (28).

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Com apenas R$ 13 milhões à disposição, o que cobriria apenas 20% do custo de beneficiar cerca de 6 mil atletas (R$ 77 milhões), o Ministério do Esporte cortou a lista pela metade. E, aos invés das 12 parcelas mensais, se comprometeu em fazer apenas três depósitos aos atletas, aqueles que o orçamento 2018 consegue cobrir. Em e-mail aos atletas, informou que "em momento oportuno" um acordo será assinado para o pagamento das outras nove parcelas. Caberá à gestão de Jair Bolsonaro, ao agora Ministério da Cidadania, decidir quando será esse momento. E se ele irá existir.

O que fazer?

Caso o governo Bolsonaro opte por honrar um compromisso não-formal do governo Temer e pagar as nove parcelas restantes da bolsa de 2018, não terá recursos para abrir edital em 2019 – referente aos resultados esportivos de 2018. Se preferir não pagar essas nove parcelas, quebra financeiramente milhares de atletas, que dependem da bolsa para continuarem treinando, mas ao menos pode colocar o ônus na conta de Temer. Afinal, cabia ao agora ex-presidente pagar em 2018 as bolsas de 2018, como desde 2005 fazia o governo federal.

Há também a terceira opção, que é simplesmente não abrir edital para a Bolsa Pódio. O mais recente, concluído em setembro, beneficiou 267 atletas, reservando R$ 34,4 milhões do orçamento 2018 para pagar 12 parcelas a cada um deles. Caso não seja aberto novo edital, esses atletas deixariam de receber o benefício.

Uma iniciativa assim, porém, afetaria o altíssimo rendimento, menina dos olhos dos militares, que inclusive conseguiram nomear um representante deles para ser secretário de Esporte: o general Marco Aurélio Vieira.

Diferente do que apregoam setores das Forças Armadas, é a Bolsa Pódio, e não o Programa Atletas de Alto Rendimento, que tem impulsionado o Brasil às suas principais conquistas internacionais. Por exemplo o revezamento 4x200m livre, que recentemente bateu recorde mundial em piscina curta. Terceiros sargentos, Luiz Altamir e Fernando Scheffer recebem menos de R$ 4 mil de soldo e R$ 8 mil na Bolsa Pódio – em novo edital, teriam direito a R$ 15 mil.

Um eventual corte no Bolsa Pódio vai afetar diretamente a preparação dos melhores atletas brasileiros, aqueles que, exatamente por isso, são também contratados das Forças Armadas, que se compromete com uma parcela relativamente baixa do orçamento desses esportistas. Em 2018, beneficiou 630 atletas, sendo 119 de carreira e 511 temporários, em um investimento de R$ 19,9 milhões – já levando em conta custos trabalhistas, que o Bolsa Atleta não tem.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.