Barros se compara a artista para explicar maconha e vira "nerd" até 2020
Principal nome do skate masculino no Brasil, Pedro Barros virou o símbolo dos percalços encontrados pela modalidade para se tornar um esporte olímpico. Em janeiro, os fiscais da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), pela primeira vez na história, apareceram de surpresa em uma competição de skate no Rio. Pedro foi testado e seu exame mostrou a presença de um derivado da maconha, substância proibida no Brasil e presente no código antidoping, mas que faz parte da cultura da modalidade.
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Sem citar a palavra "maconha" enquanto aguarda julgamento no tribunal antidoping, Pedro falou abertamente sobre a polêmica durante o Prêmio Brasil Olímpico, terça-feira à noite, no Rio. Premiado como melhor de sua modalidade em 2018, ele comparou o skatista a um artista, que, segundo ele, utiliza substâncias ilícitas. Mas disse que abre mão desse estilo de vida, por um ano e meio, para virar um "nerd", em suas palavras. Ou seja: para cumprir todas as burocracias que o movimento olímpico exige dele.
"Pra mim o skate é mais ou menos como a arte, é uma forma de arte. Falar que músico, artista, desenhistas, pintores, não usaram algo ilícito, isso não existe. Foram formas de abrir a mente, abrir a barreira para fazer algo completamente novo e diferente. No skate vai sempre existir isso, vai sempre existir esse lado", reconheceu o skatista, depois de receber o troféu.
Foi a primeira vez que Pedro participou de um evento do tipo. Não seguiu o exemplo do presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSk), Bob Burnquist, que foi à edição anterior do prêmio de skate, calça jeans e tênis. Pelo contrário: vestiu-se como manda o figurino, desconfortavelmente dentro de um terno alinhado. "A gente costuma estar de roupa suja, sapato rasgado e às vezes até sujo de sangue. É um cenário completamente diferente", admitiu.
Vestir um terno e sentir-se um estranho fora do ninho é uma das tantas "burocracias" que Pedro Barros topa cumprir para poder participar da estreia do skate como esporte olímpico, em Tóquio-2020. Mas não pode prometer nada a partir daí. "Vou ser muito sincero: se essa caminhada fosse de quatro anos, se eu tivesse que ser atleta olímpico por quatro anos, eu talvez não estaria participando. Não é seguir o código que é o mais difícil. É você saber toda as regras que existem para participar dessa competição, uma grande burocracia que você nunca imaginaria fazer no esporte."
Pedo Barros achou uma palavra para descrever o atleta olímpico: "nerd". "Desculpa usar essa expressão, mas o nerd na escola é o cara que estuda pra caralho, vai lá e ganha a nota que ele tem que receber naquela prova. E isso vai se estender para o nosso esporte. O melhor ginasta é aquele que treina, foca, dedica 100% para aquilo. No skate, o nerd é uma pessoa que vai estudar o skate, fazer o melhor para ganhar aquela prova."
Pela primeira vez na vida, diz, ele vai ser nerd. "Eu vou estudar, vou ser nerd esse um ano. Não sei se vou aguentar ser por seis anos, até a próxima Olimpíada (Paris-2024), mas um ano eu aguento". Nesse processo, segundo ele, o antidoping é "só mais uma coisinha para dificultar um pouquinho a mais", porque as exigências já são muitas. "É você botar terno, treinar todo dia, cuidar do teu peso, da sua alimentação, de tudo que tá na sua vida e em volta dela. Isso é difícil."
Pedro topa abrir mão do estilo de vida para continuar como atleta de alto rendimento, o que inclui, por exemplo, estar à disposição para testes antidoping surpresas sabendo as consequências. Mas outros tantos, no entender dele, devem se afastar das competições. "Vai ter skatista que vai decidir ser atleta olímpico e tem atleta que vai escolher continuar a ser skatista, fazendo foto para revista de skate, vídeo de skate, e vai se manter vivo no core [núcleo] da comunidade do skate."
Julgamento
Apesar de o exame ter sido colhido no início do ano, até agora Pedro não foi julgado pelo Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJDA), que fica em Brasília. Advogados que atuam na área acreditam que dificilmente ele escapará de uma punição que, se chegar a dois anos, tiraria o atual campeão mundial de skate park da Olimpíada.
Ele diz não ter medo. "Sou skatista há 23 anos e há 23 anos vivo numa realidade completamente diferente dessa daqui. Se eu não puder estar nessa realidade porque eu sou da outra realidade, azar. É o skate que eu sou, entendeu? Eu sou skatista, não vou deixar de ser skatista. Sou uma pessoa que vai batalhar para fazer o certo e eu faço o certo. Eu não fiz o errado. O errado foram em outros aspectos no que aconteceu nesse começo do ano de 2018. Eu sei que estou tranquilo."
Uma suspensão por doping seria algo inédito no skate, ao menos nesse nível, mas não deverá causar consequências tão grandes quanto uma suspensão para atletas de outras modalidades. Afinal, diferente do que faz o esporte olímpico, o skate não tem a competição como premissa. "Por mais que existe uma competitividade, é muito mais consigo mesmo. Você evolui para si mesmo. A amizade, a relação entre os skatistas é tão forte que você não consegue competir com outro competidor."
Essa é uma discussão muito presente atualmente, por exemplo, no parkour, dividido entre aqueles que aceitam competir uns contra os outros, e os que rejeitam criar federações, regras e competições. O skate já superou esse desafio há algum tempo, sem entretanto colocar a competição como prioridade. E essa talvez seja a lição que o skate tem para deixar no movimento olímpico.
"Não é porque se eu ganhar uma medalha e vou ter mais vantagens que o cara que não ganhou que eu vou fazer coisas que são desnecessárias para chegar nessa posição. Muitas coisas na vida as pessoas fazem para ganhar, seja dinheiro, guerra ou competição. O skate é muito humano".
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