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Olhar Olímpico

Como o vôlei virou o centro das discussões sobre política no esporte

Demétrio Vecchioli

08/11/2018 04h00

Em pleno Mundial de Vôlei, ainda em quadra, comemorando uma vitória, Maurício Souza faz o "1" com o dedo. Ao seu lado, Wallace usou as duas mão para representar um "7". De subjetivo o recado não tinha nada: estava ali um claro e incontestável apoio de dois jogadores da seleção ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL). Não foi aquele ato político inconsequente, que gerou críticas da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), que colocou o vôlei no mapa da política esportiva brasileira. Mas o gesto serviu de estopim para um movimento que tornou a modalidade o centro da discussão sobre o que será do esporte no país.

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Wallace e Maurício Souza estão longe de estar sozinhos nesse debate. Em ações independentes, também ganharam influência as opiniões de medalhistas olímpicas como Leila, Ana Moser e Ana Paula, de dirigentes como Marcus Vinicius Freire, e de jogadores que seguem em atividade ou que pararam recentemente, como Gustavo Endres e Willian Arjona. Independente do caminho da discussão, há sempre um ex-jogador de vôlei a ser citado – para o bem e para o mal.

Uma das estrelas da seleção brasileira, Wallace virou protagonista das divergências sobre a continuidade do Ministério do Esporte como uma pasta independente. Provocado no Instagram por uma seguidora, que cobrou dele uma posição sobre a provável incorporação do ME pelo Ministério da Educação, inicialmente perguntou se isso era verídico. Depois, questionou: "E agora, o que fazer?". A conversa virou print e logo se transformou em meme, com Wallace representando o suposto eleitor arrependido – o que ele, depois, negou, apoiando a medida.

Mas Wallace não foi o único da "turma do vôlei" a expressar apoio a Bolsonaro. Um grupo grande de atletas, mais próximo a Bernardinho (que chegou a ser cotado para concorrer ao governo do Rio), seguiu o treinador e se alinhou à linha liberal do Novo. No segundo turno, seguindo um movimento do partido, boa parte deles se não declarou voto em Bolsonaro, ao menos deixou claro que defendia uma agenda diferente do PT.

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William Arjona foi um desses. Passada a eleição, usou o Twitter para defender a extinção do Ministério do Esporte. "Alguém tem que arrumar a casa, e espero que assim seja feita, mesmo sofrendo na pele por culpa de governos corruptos", postou. Recebeu o apoio de Gustavo: "É o momento de reavaliar e dar um norte justo, principalmente para o esporte nacional, para assim entrarmos no caminho certo".

Não demorou a um grupo de internautas apontarem as consequências, para ambos, dessa reavaliação. Gustavo, por exemplo, mantém contrato pessoal contínuo com o Banco do Brasil, estatal, para ser "embaixador" do vôlei. Como gestor, já anunciou que vai apresentar projeto à Lei de Incentivo ao Esporte para manter o seu time, de Caxias do Sul, em atividade. Já William atua pelo SESI-SP, time campeão paulista no masculino e no feminino que pode acabar se o governo seguir a recomendação do futuro ministro Paulo Guedes e impedir que o Sistema S invista sua verba pública no esporte. A medida também inviabilizaria o patrocínio do Sesc-RJ ao time de Bernardinho na cidade carioca.

Ainda que seja o mais profissional dos esportes ditos "amadores" do país, o vôlei ainda depende muito do governo federal. Boa parte dos principais clubes se financia pela Lei de Incentivo ao Esporte, presente de forma maciça nos projetos que mais revelam jogadores para a seleção. O patrocínio do Banco do Brasil à CBV é o maior contrato esportivo do país e, também via LIE, garante a realização do rentável Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia. Esta modalidade, aliás, é a que mais tem beneficiados pelo Bolsa Pódio.

Gente grande

Wallace, William e Gustavo, porém, sentam na arquibancada enquanto rola o jogo da política esportiva brasileira. Entre os jogadores mais decisivos em quadra estão pelo menos quatro nomes ligados ao vôlei: Ana Moser, Leila, Ana Paula e Marcus Vinicius Freire. À beira da quadra, Bernardinho.

As duas Anas estão em lados opostos, e perderam o pudor de expor isso publicamente. No clima eleitoral, diversas vezes trocaram indiretas (e também diretas) nas redes sociais. Ana Moser, voz mais ativa da Atletas pelo Brasil e com conquistas importantes pró-esporte em Brasília, declarou voto em Ciro Gomes no primeiro turno e não escondeu a preferência por Haddad no segundo.

Quando William e Gustavo fizeram dobradinha para defender o fim do Ministério do Esporte, ela bloqueou: "Creio que a contribuição de vocês deveria ser muito mais qualificada, não só repetir os simplismos e generalizações. Destruir tudo pra reconstruir direito depois… tenha santa paciência. O que vocês conhecem das políticas, programas, estratégias e gestores… Onde vocês estavam estes anos todos??", questionou, no Twitter.

Enquanto isso, Ana Paula, que se tornou um ícone da direita graças às suas postagens no Twitter, utilizou a rede social e seu blog no Estadão para deixar claro seu alinhamento com Bolsonaro também quando o tema é o fim do Ministério do Esporte e jogar uma indireta. "O mais triste é ver como alguns atletas, alinhados com o PT e que precisam pagar pedágio ideológico, que sabem o que acontece há anos por lá, criticando a fusão de uma pasta usada para corrupção por pura birra política."

Nos bastidores, outras duas vozes têm força. Uma delas é contemporânea das duas Anas na seleção. Leila elegeu-se senadora pelo PSB, ficou neutra no segundo turno, mas está em um partido que já se declarou de oposição a Bolsonaro. Ainda que tenha fugido de polêmicas nas redes sociais, já disse ao Olhar Olímpico que vai lutar pelo Ministério do Esporte.

Ainda mais distante dos holofotes, quem brilha é Marcus Vinicius Freire. Ex-diretor de esportes do COB, ele fez campanha para o NOVO no primeiro turno junto com Bernardinho, e virou bolsonarista no segundo turno. Próximo ao general Augusto Heleno, com quem trabalhou no COB e mantém amizade pessoal, chegou a apresentar a Bolsonaro um rascunho de projeto para o esporte.

Sem perfil no Twitter, deixou sua opinião clara no Linkedin: "O Brasil não precisa necessariamente de um Ministério do Esporte, basta uma secretaria com pessoal qualificado, com conhecimento e experiência na área e sem indicações políticas. E que pode sim estar subordinada a um Ministério com foco no seu principal objetivo que deve ser o de educar. O momento é propício também para reformular todo o viciado sistema esportivo brasileiro. Pois criaram-se feudos com reeleições infinitas de pessoas de mesmos grupos que precisam acabar".

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.