Em SP, ré por improbidade cuida de contratos e passa a comandar pregões
Acusada pelo Ministério Público e ré em processo de crime de improbidade administrativa, por supostamente ter fraudado licitações de transporte enquanto era presidente da Comissão Municipal de Licitações de Mogi Guaçu (SP), Karina Florido a cada dia ganha novos poderes na Secretaria Estadual de Esporte (SELJ), em São Paulo. Depois de cancelar a realização dos Jogos Escolares porque o pregão de transportes foi suspenso, ela mesma assumiu como nova pregoeira da secretaria.
Desde que Karina chegou à secretaria, em maio, o Olhar Olímpico recebe mensagens de funcionários e ex-funcionários da secretaria reclamando da "fome" da funcionária por poder. Nomeada assessora técnica em 23 de maio, ela passou a receber uma gratificação de 50% uma semana depois. Em 17 de julho, foi promovida pelo governador Márcio França (PSB) a coordenadora de Esporte da secretaria.
A mudança de cargo veio depois de Olhar Olímpico revelar que o então coordenador, Gabriel Santacreu, havia recebido R$ 104 mil em sua conta corrente para alugar o Ginásio do Ibirapuera. À época, a SELJ informou que afastaria Santacreu, mas ele foi mantido na secretaria, trocando de cargo com Karina. Também naquele momento, a SELJ informou que o novo responsável pelos contratos do Ibirapuera seria Higor Lopes. Quando ele viajou à Alemanha sem autorização, a SELJ disse que na verdade ele nunca havia tomado posse, ainda que tivesse e-mail corporativo e uma secretária que respondia a ele.
Enquanto isso, Karina continuou mandando e desmandando na secretaria e, principalmente, no Ibirapuera, segundo relato de funcionários. Na quarta-feira da semana passada, a SELJ realizou pregão para contratação de transporte para mais de 10 mil crianças e adolescentes que começariam a disputar os Jogos Escolares na quinta-feira pela manhã. Uma das empresas participantes do pregão apontou irregularidades, o pregão foi suspenso, e os Jogos cancelados. Como coordenadora, Karina é a responsável pelo evento.
Naquele dia, a SELJ enviou ao blog a seguinte nota: "A mudança ocorre em virtude de termos identificado falhas e fraudes no processo licitatório na contratação do transporte dos atletas. O Secretário Cacá Camargo (PROS) prontamente assinou a exoneração de Michael Campos Cunha, funcionário nomeado na gestão passada, e que está envolvido nas irregularidades, e acionou a Procuradoria Geral do Estado".
Michael era o pregoeiro responsável pelo pregão e, diferente do informado pela SELJ, não foi exonerado até a publicação desta reportagem. Mas, de fato, foi afastado das funções. E quem assumiu em seu lugar foi Karina, que, segundo a SELJ, desde 2011 é registrada na BEC (Bolsa Eletrônica de Compras). Agora, como coordenadora, é ela quem faz a gestão de diversos contratos da secretaria. Nesta quarta, comandou o pregão para a compra de colchões.
Para Dário Geraldo da Silva, vice-presidente da Associação Nacional dos Pregoeiros, isso gera conflito de interesses. "Ela não pode ser ordenadora de despesa e pregoeira. Quando uma mesma faz várias etapas de um processo licitatório, isso é segregação de função", diz ele, que afirma nunca soube de outro caso de uma mesma pessoa atuando nas duas funções em uma secretaria estadual. "Isso às vezes acontece em uma cidadezinha pequena, por falta de gente. Mas há um entendimento dos tribunais de que não pode. Precisa haver autonomia."
Ainda de acordo com a associação, não há impedimento legal para que coordenadores ou diretores atuem como pregoeiros, mas que isso vai contra os princípios da administração pública, tratados como regra. A pedido do blog, a entidade apontou diversos Acórdãos do TCU nesse sentido. Um deles, (2.507/2007-TCU-Plenário) exige que "as pessoas incumbidas das solicitações para aquisições de materiais e serviços não sejam as mesmas responsáveis pela aprovação e contratação das despesas".
No Poder Executivo Federal, o Manual do Sistema de Controle Interno as estruturas devem "prever a separação entre as funções de autorização/aprovação de operações, execução, controle e contabilização, de tal forma que nenhuma pessoa detenha competências e atribuições em desacordo com este princípio."
Em nota, a SELJ defendeu a funcionária, alegando que ela não tem condenação transitada em julgado (o processo em que Karina é ré ainda está na primeira instância e não foi julgado pela 2ª vara de Mogi Guaçu do Tribunal de Justiça de São Paulo). Ainda segundo a secretaria, a publicação da exoneração do antigo pregoeiro ainda não foi publicada no Diário Oficial e que, "para que a pasta não perdesse seus prazos", Karina assumiu como pregoeira "para não gerar maiores prejuízos ao Estado". "Karina não terá essa função no futuro, já que uma nova indicação para o posto de pregoeiro foi assinada pelo Secretário e aguarda publicação no Diário Oficial", completou o governo.
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