Rio Open custa R$ 14,5 milhões aos cofres públicos
Enquanto as confederações de administração do esporte no Brasil veem o cerco fechar contra elas, com cada vez mais exigências de transparência e boa governança, cobradas inclusive pelos patrocinadores privados, as organizações sociais parecem ter o caminho aberto. Responsável pela organização do Rio Open de Tênis, principal torneio do calendário internacional a ser realizado no Brasil em 2018, o Instituto Carioca de Tênis recebeu autorização para captar R$ 6,5 milhões por meio da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE). No total, o evento deste ano custará aos cofres públicos até R$ 14,5 milhões, uma vez que o governo do estado do Rio ainda autorizou uma isenção fiscal de R$ 8 milhões à Claro, patrocinadora máster. Quem quiser assistir à final terá que gastar a partir de R$ 500 por um ingresso de arquibancada, ainda que o organizador não tenha fins lucrativos. Como comparação, o Brasil Open, que acontece na semana que vem em São Paulo, custará menos de R$ 4 milhões, exclusivamente pela LIE – a diferença de premiação é irrelevante nesse sentido, porque os recursos da lei federal não permitem pagar premiação.
Sobre o Instituto Carioca de Tênis, que movimenta mais recursos que a grande maioria das confederações olímpicas, recaem duas perguntas básicas: quem é responsável por ele e como pode ser contactado por telefone. Informações que não constam no site ou nas redes sociais do Instituto. Ali, a ONG é apresentada como: "uma entidade civil, sem fins lucrativos, tendo como finalidade o desenvolvimento do ensino e da prática esportiva, a promoção da assistência social, além de desenvolver a adoção de práticas de integração social e da cidadania por meio do esporte".
Para se ter uma comparação, a Confederação Brasileira de Tênis (CBT) tem previsão de custar para os cofres públicos, em todo o ano de 2018, R$ 4,7 milhões, sendo R$ 2,7 milhões de captação de Lei Piva e mais R$ 2 milhões de patrocínio dos Correios. No Rio Open, nenhum brasileiro passou à segunda rodada de simples.
O que Instituto Carioca de Tênis faz: organiza a chave principal do Rio Open, etapa ATP 500 do circuito mundial de tênis, etapa mais importante entre as sediadas na América do Sul. E quem, diante do Ministério do Esporte, se apresentou como responsável por organizar o qualifying foi outra ONG, denominada "Associação Latina de Desenvolvimento Esportivo, Cultural e Ambiental" (Aldeea).
Ainda que em 2017 o torneio tenha diminuído de tamanho, deixando de ter chave feminina, o preço aos cofres federais só cresce. A comissão de avaliação da Lei de Incentivo ao Esporte autorizou, para 2018, a captação de R$ 6,5 milhões, dos quais R$ 5,2 milhões aparecem como captados no site do Ministério do Esporte (que não necessariamente está atualizado). Em 2017, foram autorizados R$ 6 milhões. Em 2016, R$ 1,5 milhão, apenas.
Naquele ano, o Instituto Carioca de Tênis não esteve sozinho. A Aldeea obteve autorização para captar R$ 1 milhão só para fazer a fase de qualifying do Rio Open. A mesma entidade pediu R$ 2 milhões, o dobro, pelo quali da edição de 2017, mas recebeu a negativa do Ministério do Esporte. Questionada, a assessoria do torneio diz que ela deixou de fazer parte da organização ainda em 2016, porque as partes não chegaram a um acordo na edição seguinte. Mas não explica se isso está relacionado ao fato de a ONG não ter conseguido receber dinheiro público em 2017. Segundo a assessoria, o qualifying e o Rio Open são torneios diferentes, ainda que aconteçam na mesma estrutura.
A relação entre as duas entidades não é difícil de entender. A Aldeea é a responsável, pelo terceiro ano seguido, por aprovar e captar recursos, sempre pela Lei de Incentivo, para a "Equipe Ricardo Acioly de Tênis" (R$ 1,6 milhão por ano). Ricardo Acioly, no caso, é o diretor-técnico do Instituto Carioca de Tênis e sua figura mais conhecida.
As informações sobre a ONG só foram conseguidas pela reportagem junto à assessoria de imprensa do Rio Open. "A diretoria é composta pelo diretor presidente Marcelo Barbosa, pela diretora financeira Andreia de Mello e pelo diretor-técnico Ricardo Aciolly", explicou a assessoria. Na verdade, o presidente é Marcelo Barboza (e não Barbosa) Alves de Oliveira e Andreia de Mello é sua esposa. A ONG tem uma gestão familiar pelo menos desde 2014, data de sua última assembléia.
De acordo com a assessoria de imprensa do instituto, além de organizar o Rio Open, o mesmo "trabalha para o desenvolvimento de atletas da base e na descoberta de novos talentos". Nas 11 páginas de notícias no site do instituto só foram postadas notícias relacionadas ao Rio Open. Em nenhuma delas consta o nome de qualquer um dos dirigentes da ONG que organiza o torneio. A página de Facebook do Instituto, criada em 2011, tem 120 seguidores.
A outra metade do Rio Open
Não é segredo para ninguém que quem de fato organiza o Rio Open é a IMM. "Ao longo desse tempo (últimos cinco anos), 170 mil pessoas passaram pelas estruturas montadas pela organização, da agência IMM", escreveu, por exemplo, a Máquina do Esporte, site parceiro do UOL e especializado em negócios do esporte. Em dezembro, na inauguração de um núcleo de tênis no Parque Olímpico da Barra, o Ministério do Esporte convidou o CEO do Rio Open, Alan Adler, e "a diretora de Esportes da IMM e responsável pela organização do Rio Open, Marcia Casz". Casz, aliás, é a porta-voz dos organizadores do torneio.
Ainda assim, perante o Ministério do Esporte, é o Instituto Carioca de Tênis que é apresentado como o organizador do Rio Open – e a Aldeea, até 2017, do quali. E nem poderia ser diferente. É que apenas entidades sem fins lucrativos podem apresentar projetos na Lei de Incentivo ao Esporte. Em outubro, o Olhar Olímpico contou a história da ONG que captou dinheiro para organizar o Raia Rápida, evento de natação, e que fica no mesmo endereço da empresa organizadora.
No caso do Rio Open, ainda que a IMM seja sempre citada pela mídia como organizadora do evento, nos materiais de divulgação o Instituto Carioca de Tênis sempre aparece. "Desde 2017 o Rio Open conta com um novo formato, passando a ser um ATP 500 independente. A decisão fez parte de uma avaliação estratégica da IMM, empresa organizadora do torneio, juntamente com o Instituto Carioca de Tênis, realizador do maior evento de tênis na América do Sul", escreve o Rio Open ao contar sua história. No material do qualifying de 2016, só a IMM foi citada, nunca a Aldeea.
De acordo com a assessoria de imprensa do evento, o Instituto Carioca de Tênis e a IMM atuam de formas complementares. "O Instituto é que tem toda a capacidade e know how técnico e esportivo, enquanto a IMM atua na promoção e captação", diz o Rio Open. Ainda assim, quem cuida da parte esportiva e técnica é a IMM.
Diferente do Ministério do Esporte, a Secretaria Estadual de Esporte, Lazer e Juventude (Seelje) do Rio não exige que apenas entidades sem fins lucrativos sejam beneficiados por sua Lei de Incentivo. Assim, é sempre a IMM quem apresenta projetos, não o Instituto.
Este ano, o governo carioca aprovou uma isenção fiscal de R$ 8 milhões, totalmente aproveitada pela Claro, que é a patrocinadora master do torneio. Pela lei, a empresa de telefonia ainda é obrigada a complementar o patrocínio com mais 20% (R$ 1,6 milhões) do que o mercado chama de "dinheiro bom" – que não é incentivado. Ou seja: no total, o Rio Open arrecadou, este ano, somente com patrocinadores, ao menos R$ 14,8 milhões.
A verba incentivada não pode ser revertida em lucro, exceto 10% dos recursos captados por intermédio da Lei Federal, que podem ficar com a empresa que faz a captação – no caso, a IMM. Já a Lei Estadual de Incentivo ao Esporte tem um atrativo: ela permite que os valores sejam destinados a premiação (R$ 6 milhões para o Rio Open) e cachê. A renda com bilheteria, bares e produtos licenciados fica com os organizadores.
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