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Olhar Olímpico

Atletismo é exemplo de como dinheiro do esporte de SP foi para o ralo

Demétrio Vecchioli

21/12/2017 04h00

Toninho Fernandes e Mauro Chekin, ex e atual presidentes da FPA

Você precisa de cinco notebooks e três impressoras. Você vai até uma loja e os compra por, no máximo, R$ 20 mil, ou os aluga por R$ 117 mil, ficando com eles por 17 dias, apenas? A resposta parece óbvia, mas a Federação Paulista de Atletismo (FPA), então comandada pela campeã pan-americana Elisângela Adriano, escolheu a segunda opção. Esse é só um dos muitos exemplos de como o dinheiro que deveria financiar o esporte do Estado de São Paulo foi parar no ralo. Entre 2007 e 2015, só a FPA e apenas por convênios, recebeu R$ 76,6 milhões da Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude (SELJ). O Instituto Memorial do Salto Triplo, um braço da federação, outros R$ 12 milhões. Ambos ainda tiveram aprovados outros diversos projetos via Lei Estadual de Incentivo ao Esporte – não há informações transparentes para especificar quanto.

A escassez de resultados internacionais é uma demonstração de como o dinheiro foi aplicado. Mas há uma outra forma, ainda mais eficaz de se mensurar a aplicação de tanta verba: olhando como elas foram utilizadas. O Olhar Olímpico acessou apenas dois dos 84 convênios firmados entre FPA e SELJ e encontrou dados que saltam aos olhos.

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Importante explicar, de cara, como funcionam esses convênios. A entidade apresenta um projeto para a secretaria, detalhando quanto precisa e como vai aplicar o dinheiro. A partir de critérios absolutamente políticos, a pasta escolhe os projetos, firma contrato e libera a verba. A utilização deve ser conforme o proposto no plano de trabalho, sem a necessidade de licitação para subcontratações. O modelo adotado é o de três orçamentos. A federação deve contratar pelo preço do mais barato.

Em mais de 30 contratos visitados pela reportagem do Olhar Olímpico na sede da SELJ, no centro de São Paulo, no mês passado, em nenhuma ocasião a SELJ apontou que um item do plano de trabalho era desproporcional, que as empresas que concorriam entre si tinham os mesmos donos, ou que as especificações eram genéricas demais. Ou seja: tudo que as federações pediram, passou.

Custa tudo isso?

Mesmo para um leigo, que jamais organizou uma competição esportiva, os números relativos à FPA soam absurdos. E para qualquer um soaria. Em 2013, a federação recebeu R$ 3,8 milhões para realizar 15 seletivas e escolher os representantes de São Paulo nos Jogos Escolares. No plano de trabalho, citou a necessidade de ter cinco notebooks e três impressoras. Pelo material, pediu três orçamentos. Contratou o mais barato: R$ 117 mil. Um dos recusados, de R$ 130 mil, pode ser visto aqui.

Esse ainda foi o menor dos gastos com a seletiva. Ainda que a competição seja para crianças e dure um total de 17 dias, apenas, a FPA contratou uma assessoria de imprensa ao custo de R$ 240 mil. Como comparação, em 2015 a Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) pagava R$ 180 mil para que uma empresa fizesse sua assessoria de imprensa pelo ano inteiro, incluindo a cobertura de de dois Campeonatos Mundiais e diversas competições preparatórias para a Olimpíada. Uma planilha de custos pode ser vista aqui.

Empresa de fachada, como mostrou o Olhar Olímpico na segunda-feira, a Rumo Certo recebeu R$ 525 mil para fazer a "organização do evento". Nas notas fiscais, ela não explica como utilizou o dinheiro. Já a Anjy, que tem os mesmos sócios, levou R$ 318 mil para fazer "serviços administrativos para digitação de textos, tabulação de informações, recebimento de e-mail, notas fiscais, pedidos de material esportivo (…)". Por 17 dias de serviços, as duas empresas faturaram quase R$ 850 mil.

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Dois anos depois, em 2015, a FPA viu a verba das seletivas dos Jogos Escolares cair para R$ 3,1 milhões. Não é pouco. No ano que vem, só oito confederações vão receber mais do que isso da Lei Agnelo/Piva, principal fonte de receita para o esporte olímpico brasileiro. Pelo menos 15 não têm patrocínio e sobreviverão todo o ano de 2018 com receitas inferiores a R$ 3 milhões.

Mas a FPA não tinha do que reclamar, pelo menos não até 2016, quando a torneira da SELJ fechou. Em 2015, para os Jogos Escolares, pagou R$ 259 mil pela assessoria de imprensa, R$ 123 mil pela organização, R$ 315 mil pelos "serviços administrativos" R$ 419 mil pela "infraestrutura". No ano anterior, 5.721 haviam participado das seletivas, segundo a própria FPA, mas a entidade achou por bem comprar logo 16 mil camisetas, por R$ 390 mil – R$ 25 cada uma.

Cerca de 65 árbitros trabalharam em cada uma das etapas. Mesmo assim, foram contratadas 4.640 diárias de hotel, o que dá mais de 350 por evento. Os atletas não ficavam hospedados, uma vez que são da região nas quais competem.

Custo de arbitragem

Em 2015, a Associação Paulista de Árbitros de Atletismo (APAA) questionou, no Facebook, o alto custo envolvido na realização dos Jogos Escolares nos três anos anteriores. Internamente, os árbitros pressionaram o presidente Mauro Chekin por estarem recebendo de empresas terceirizadas e não diretamente da FPA. Queriam saber quanto e como a federação estava gastando.

Não foram informados de que, naquele ano, a FPA pagou R$ 646 mil à DMX Eventos Esportivos pela arbitragem da competição. Também concorreram pelo serviço a Parreiras Eventos, denunciada por Jadel Gregório em e-mail enviado ao governador (você pode ler aqui a história aqui) e a Esporte Mais Promoções e Eventos, empresa que pertence à coordenadora de ginástica da prefeitura de São Caetano do Sul, Maria Salete Meneguelli, antiga subordinada de Chekin, presidente da Federação.

Por cada uma das etapas regionais, a DMX recebeu R$ 38 mil. Uma repescagem de dois dias custou R$ 85 mil e a etapa final, de três dias, R$ 105 mil. Uma competição de atletismo reúne 65 árbitros, o que significa que a DMX recebeu R$ 650 por diária de árbitro. À época, a tabela de referência da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) informava que o árbitro de maior nível internacional recebia R$ 140 por diária – os menos graduados, R$ 70.

Em nota, a APAA alegou que, em 2013, os árbitros consultados receberam alguns pagamentos por intermédio da Anjy, nunca da DMX. Há anos a entidade vem cobrando da FPA o aumento na diárias dos árbitros, escutando da federação que não há margem para reajustes – os valores estão congelados há sete anos.

A DMX também já apareceu na reportagem que o Olhar Olímpico publicou na segunda-feira. Ela fica em um casebre na Zona Norte, que está para alugar – difícil será alguém pagar mais de R$ 300 mensais pela moradia, da foto abaixo. Um vizinho disse que nunca houve uma empresa instalada lá. Nos telefones apresentados nos orçamentos, ninguém atende.

Sede da DMX Eventos Esportivos

Relações

Esses são, vale lembrar, apenas dois convênios da FPA com a SELJ, de um universo de 84 em um período de nove anos. Período esse, exceto em 2015, que a secretaria foi comandada pelo PTB. Entre 2013 e 2014, pelo ex (e agora de novo atual) prefeito de São Caetano do Sul José Auricchio Jr. No seu mandato anterior, entre 2009 e 2012, ele teve como secretário de esportes no ABC Mauro Chekin, que até então era vice-presidente da FPA.

Funcionário da própria SELJ, Chekin teve aberto contra ele, ano passado, um procedimento disciplinar para saber se há "conflito de interesses entre as atribuições decorrentes de seu cargo e o exercício de função na FPF", bem como "por não ter apresentado justificativa hábil a demonstrar a origem lícita para a evolução patrimonial constatada."

Chekin é "unha e carne" com Antonio Fernandes, o Toninho, de quem era vice na FPA até 2012 e que viria a ser eleito presidente da CBAt e abriria espaço para Chekin assumir a federação. Quem assina os orçamentos visitados pelo Olhar Olímpico e citados aqui, porém, é Elisângela Adriano, recordista sul-americana do arremesso de peso e vice-presidente da FPA. O Instituto Elisângela Adriano, que leva o nome dela, é um dos que servem de categoria de base da B3 (antiga BM&F Bovespa), principal clube do país.

O que eles dizem

Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo (SELJ)

Questionada, a SELJ não respondeu sobre os valores encontrados nos convênios com a FPA. A secretaria, por outro lado, enviou nota na qual explicou que, nos convênios citados, de acordo com a legislação vigente, as entidades esportivas apresentavam no plano de trabalho grade comparativa de preços contendo, no mínimo, três empresas e que os documentos eram checados pela área técnica, que formalizava os processos. A secretaria argumenta que "sempre coube às entidades a responsabilidade de melhor utilização dos recursos, com posterior verificação da SELJ e envio dos processos ao Tribunal de Contas do Estado".

A pasta lembra que uma lei federal, de 2016, mudou o formato de celebração de convênios, que agora passam por um chamamento público – as exigências para as prestações de contas, porém, seguem essencialmente as mesmas. A SELJ ainda diz que 'qualquer indício de irregularidade, ainda que posterior à celebração dos convênios, será investigado pela SELJ e encaminhado à Corregedoria Geral da Administração

Federação Paulista de Atletismo

A FPA não detalhou, após pedido da reportagem, o que fazia a assessoria de imprensa da seletiva estadual dos Jogos Escolares, apenas informou as empresas contratadas nos últimos anos. A entidade alegou que a Rumo Certo era responsável "pela contração de toda a parte de infraestrutura profissional para as competições, acompanhamento de resultados e tudo que fazia a prova acontecer", sem detalhar quais as funções dela, detalhadamente, como solicitou a reportagem.

Sobre a locação de notebooks, argumentou que lei que regia os convênios não permitia que se realizasse compra de material permanente, o que contrata, por exemplo, com convênios da Federação Aquática Paulista (FPA), que adquiria material permanente com recursos de eventos pontuais da SELJ. Ainda argumentou que, alugando o material, não corria o risco de ficar sem o material caso algum deles quebrasse – a troca de notebooks defeituosos não constava nos orçamentos, aos quais a reportagem teve acesso.

Rumo Certo

Proprietário da Rumo Certo, Severino da Silva Santos negou de forma veemente que a sua empresa seja de fachada, o que chamou de "falácia". Questionado sobre os orçamentos genéricos, considerados como indícios de fraude por órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU), afirmou que, se o repórter quisesse informações, deveria ter lido os planos de trabalho – os documentos expostos aqui, saíram de lá.

Perguntado a detalhar os serviços prestados à Federação Paulista de Atletismo, disse que "todos os serviços foram executados conforme o contratado pelas entidades e apresentado (sic) nos processos os quais tiveram suas prestações de contas aprovadas por aquele órgão".

Severino disse que "entregou e sempre entregará todos os materiais e documentos legais necessários para a correta prestação de contas com as entidades as quais nos contrataram". Nenhuma delas, incluindo a FPA, entregou esses documentos à SELJ ou disponibilizou à reportagem. Quando questionado pessoalmente, Severino disse que mandaria esses documentos por e-mail. Não enviou até a publicação desta reportagem.

DMX Eventos Esportivos

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.