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Lei de Incentivo: Governo nomeia conselheiros sem atuação no esporte

Demétrio Vecchioli

26/02/2019 11h17

O governo federal nomeou dois advogados sem histórico de atuação no esporte e um ex-presidente de clube de futebol para ocuparem as três cadeiras da União na comissão que avalia projetos da Lei de Incentivo ao Esporte. A postura vem gerando críticas de entidades que atuam no setor, que argumentam que o desconhecimento dos meandres da lei e de "quem é quem" no esporte tende a proporcionar reflexo negativo na LIE.

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O Olhar Olímpico questionou a Secretaria Especial de Esporte sobre o currículo dos três nomeados. Em resposta, a secretaria só citou o de Flávio Luis Gomes da Silva Gastaud, presidente do Esporte Clube Pelotas em seis oportunidades, entre 1987 e 2016. "Também foi vice-presidente dessa instituição em diversas gestões, além de conselheiro do clube desde 1984. Gastaud é ainda representante dos times de futebol da zona sul do Rio Grande do Sul junto à Federação Gaúcha de Futebol (FGF), entidade da qual é sócio benemérito", reforçou o governo. Nem o Pelotas nem a FGF utilizam a Lei de Incentivo ao Esporte. Vale lembrar que o ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB), que fez as nomeações, é gaúcho.

Já sobre os outros dois nomeados, o governo diz apenas que eles, como Gastaud, são advogados e "têm currículos compatíveis com as competências exigidas para o exercício das funções no colegiado". Mas a secretaria não cita qual é esse currículo. Na resposta ao blog, sequer os citou nominalmente.

Os dois advogados são Alexandre Leda Calvo e Guilherme César de Oliveira Ribeiro. O primeiro atuava como assessor na Secretaria de Planejamento do Amazonas até recentemente, enquanto que o segundo é sócio de um escritório de advocacia especializado em direito da família, do consumidor, penal/criminal e do trabalho. A reportagem não identificou relação dos dois com o esporte.

As escolhas vêm gerando apreensão porque a comissão é formada por apenas seis conselheiros – sendo ou outros três três indicados pelo Conselho Nacional do Esporte (CNE) -, que dividem a relatoria dos projetos. Cabe ao relator não apenas observar questões formais, como atendimento a prazos, mas também se aprofundar em meandres, como reconhecer entidades de fachada, valores fora da realidade do esporte brasileiro e outros tipos de fraudes.

"Se para quem é do esporte já é difícil olhar um projeto e encontrar tentativas de burlar, imagine para quem não sabe quem é quem, não sabe o histórico daquele proponente, não sabe quanto custa comprar uma bola…", critica um dirigente de entidade, que não quer ser identificado.]At

Até então as vagas da União na comissão eram ocupadas por José Roberto Gnecco, professor da UNESP e mestre em gestão pública, com ampla atuação no setor esportivo, e por dois servidores do antigo Ministério do Esporte: Paulo Vieira, diretor da LIE durante seis anos, e Leonardo Castro, que tinha quatro anos de atuação como funcionário concursado na análise de projetos da LIE.

Estreia

As nomeações saíram na quinta-feira e a estreia dos novos conselheiros foi já nesta segunda-feira (25), de forma relativamente abrupta – ela não consta no calendário disponível no site da secretaria, por exemplo. "Todos devem ter ciência de por que não estamos, de certo ponto, não cumprindo o calendário. É importante que se entenda que vivemos uma transição de governo até hoje", comentou, na abertura da reunião, o general Marco Aurélio Vieira, secretário especial de Esporte.

A primeira reunião do ano deveria ter ocorrido em janeiro, mas foi cancelada. A segunda estava prevista para 18 de fevereiro, mas foi adiada, como contou o Olhar Olímpico. Com isso, uma série de projetos que já estavam com dinheiro na conta corrente e só aguardavam a aprovação da comissão para serem postos em prática ficaram estagnados.

O principal deles é o Brasil Open, cujo proponente é uma entidade considerada "barriga de aluguel" por ex-conselheiros e pessoas da área técnica. A ASBRA pediu autorização para captar mais de R$ 6 milhões, valor maior do que a soma do que pediu em 2017 e 2018, e arrecadou R$ 1,9 milhão, principalmente com a Vivo, principal patrocinadora.

Eram 14h50 de segunda-feira quando a comissão enfim aprovou a autorização para a entidade utilizar os recursos. O torneio havia começado no sábado (23), em São Paulo. De acordo com o governo, o dinheiro poderá ser utilizado após a assinatura do termo de compromisso, conforme determina a legislação em vigor.

Hino nacional

A presença de novos conselheiros não foi a única novidade da primeira reunião da Lei de Incentivo ao Esporte do governo Jair Bolsonaro (PSL). Chamou atenção de pessoas presentes ao evento a execução do Hino Nacional antes do início do encontro, uma reunião técnica. Isso nunca havia ocorrido, de acordo com pessoas que atuam no setor há anos.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.