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Olhar Olímpico

Chegou a hora de a elite abrir mão da Bolsa Atleta

Demétrio Vecchioli

29/12/2018 04h00

(divulgação/FIVB)

Se não unanimidade, é consenso no esporte há algum tempo que o Bolsa Atleta precisa ser revisto. Um estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) categorizou 65% dos atletas beneficiados anualmente entre 2012 e 2015 como "sem progressão". É majoritário o pensamento de que esse grupo não deveria ser beneficiado pela bolsa. Assim como o conceito de que os atletas profissionais, ou que têm patrocinadores pessoais, deveriam deixar o programa.

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Em um momento de crise financeira, com o cobertor capaz de cobrir não mais do que o tórax para aquecer o pulmão, o Ministério do Esporte cortou o Bolsa Atleta na carne. Reduziu pela metade a lista de beneficiados e deixou de fora cerca de 3 mil atletas que, por lei, teriam direito ao benefício – desde que houvesse previsão orçamentária, o que não há.

Mas o fez sem seguir qualquer das recomendações que vêm sendo dadas pela academia e por confederações. Não tirou de quem não progride, nem tirou de quem não precisa. Tendo como base a legislação vigente, escrita em momento de bonança, tirou de quem mais precisa: de quem está começando. Tirou da base da pirâmide, de quem recebe R$ 375 por mês e usa esse pouco dinheiro para tentar se tornar um atleta. Manteve a bolsa para quem já está em nível "internacional" – muitos deles, já beneficiados também pelo soldo das Forças Armadas e por salários em clubes.

Pelo que prevê ano a ano o edital aberto pelo Ministério do Esporte, têm direito à Bolsa Atleta quem disputou Olimpíada/Paraolimpíada e quem foi Top3 em campeonatos mundiais, pan-americanos, sul-americanos ou nacionais, adultos, de base ou estudantis, com o valor da bolsa variando. Esses editais também preveem que, em caso de limitação financeira, os atletas olímpicos/paraolímpicos têm prioridade, depois os campeões mundiais e por aí vai.

Com o navio afundando, o governo decide quem tem prioridade no bote salva-vidas. E a prioridade é de quem já não vai afundar. A lista é grande e inclui tenistas profissionais como Teliana Pereira e Thomaz Bellucci e atletas de alta remuneração em suas modalidades como Tandara, Wallace, William, Eder, Evandro, Lucão, Lipe e Maurício Borges (vôlei), Benite, Rafael Hettsheimer (basquete), Duda (handebol) e Marta e Cristiane (futebol).

Há anos questiona-se o direito de atletas deste porte de receberem a bolsa. Afinal, eles têm tantos méritos esportivos quanto atletas que também são olímpicos e que provavelmente precisariam deixar o esporte se perderem o benefício, como é o caso de esgrimistas, remadores, canoistas ou halterofilistas. Além disso, havia sempre o velho mantra: "eu não estou tirando de ninguém".

De fato, não estava. Agora está. Agora o cobertor ficou curtíssimo e está desguarnecendo atletas que dependem da bolsa para sobreviver no esporte. Não só os atletas campeões nacionais de todas as categorias de base, coletivas ou individuais, mas também alguns dos melhores nomes de algumas modalidades coletivas, como handebol e polo aquático.

No handebol, quem é da seleção tem bolsa olímpica (R$ 3.100) ou internacional (R$ 1.850) e, via de regra, joga na Europa. Quem recebia a Bolsa Nacional (R$ 925) não receberá mais. No Brasil, os clubes pagam salários baixos, quando pagam. A bolsa era grande parte do sustento dos melhores jogadores do país. O movimento é óbvio: sem viver do handebol, os atletas terão que procurar outra profissão. Se o Brasil não forma jogadores, a bola de neve todo mundo sabe onde vai dar: no buraco.

Se o governo não faz a parte dele para evitar esse cenário, os atletas podem fazer. Todos têm até o próximo dia 26 de janeiro para assinar o termo de compromisso com o governo federal. Quem não assinar não recebe o benefício, que vira sobras para o Ministério do Esporte e pode ser investido em uma ampliação da lista de beneficiados.

O cobertor que aquece ainda mais quem já tem salário bom, patrocinador pessoal ou emprego nas Forças Armadas pode garantir a sobrevivência esportiva de quem não tem nada. Será louvável se tantos atletas que não precisam da bolsa tomarem a iniciativa de abrir mão dela. Ou formar um fundo para ajudar atletas que estão começando no esporte. Se o governo joga contra, os atletas podem jogar a favor do esporte.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.