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Olhar Olímpico

Olimpíada não pode ser culpada até por incêndio em Museu

Demétrio Vecchioli

03/09/2018 12h08

Pouco mais de R$ 500 mil ao ano. Pode parecer muito para o bolso do brasileiro médio, que trabalharia anos para somar essa quantia, mas é um valor quase irrelevante para o orçamento não só para o governo federal, mas também o departamento de marketing de grandes empresas – é mais barato do que um anúncio de 30 segundos no Jornal Nacional.

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Mesmo assim, o valor não foi integralmente repassado pelo governo federal à UFRJ e a consequência disso é que o Museu Nacional hoje é um grande escombro. E, nas redes sociais, muita gente está colocando a culpa nos Jogos Olímpicos, também realizados no Rio de Janeiro, e na Copa do Mundo. "Museu Nacional em chamas… mas dinheiro para Copa e Olimpíada não faltou", escreveu um dos tantos internautas que resolveram relacionar as duas coisas.

É fato que o Maracanã custou R$ 1,2 bilhões para ser reformado para as duas competições. Também é pública a informação de que só as obras da Matriz de Responsabilidade da Rio-2016 custaram R$ 7,2 bilhões ao país. Apenas o denunciado superfaturamento do Maracanã foi estimado pelo TCU em R$ 211 milhões.

São valores expressivos e que permitiriam não só ao poder público, também ao setor privado, fazer a diferença em outras tantas áreas. O valor investido no Maracanã poderia construir sabe-se lá quantas casas populares, dezenas de escolas, diversos hospitais. E essa não é uma informação nova. Pelo contrário: foi protagonista de amplos e barulhentos protestos em 2013 e 2014.

Desde então, diversos dos grandes responsáveis por essa opção foram colocados atrás das grades. Não porque decidiram organizar uma Copa, construir e reformar estádios, levantar uma grande estrutura para receber uma Olimpíada. Mas também porque aproveitaram os dois eventos para financiar esquemas de corrupção, em conjunto com o setor privado.

Copa e Olimpíada foram subterfúgio para desviar recursos, financiar campanhas. Não fossem elas, seria outra coisa. O Olhar Olímpico já deu inúmeros exemplos. Mostrou, por exemplo, como um dia de amistosos de tênis para adolescentes custou R$ 1 milhão aos cofres públicos, graças a um patrocínio do Itaú financiado pela Lei de Incentivo ao . Daria para bancar o Museu por dois anos. Esse ano, um torneio irrelevante de vôlei de praia numa cidade serrana do Rio saiu por R$ 400 mil. Isso para ficar só no esporte olímpico, tema desse blog.

São decisões tomadas por governantes (e patrocinadores, sempre bom lembrar), esses sim os grandes responsáveis pelo que acontece não só no Museu Nacional. Só para ficar no exemplo da UFRJ, a quem o Museu é subordinado. O Olhar Olímpico já mostrou que o campo de hóquei sobre a grama construído lá para a Olimpíada sequer tem banheiro.  No mês passado, o Portal do Rugby trouxe a denúncia de que agora é o campo de rúgbi que virou mato.

Claro que as importâncias de um Museu Nacional e de um campo de rúgbi são imparáveis, mas o fato de ambos dependerem do mesmo recurso federal e estarem abandonados mostra que o problema não é (e nunca foi) o investimento em esporte. É a postura dos governantes.

Recentemente, um governador disse que "governar é fazer escolhas". Quem estava no governo escolheu fazer a Olimpíada. Escolheu construir o Museu do Amanhã, escolheu reformar o Maracanã, escolheu manter benefícios de congressistas, escolheu fazer uma etapa de vôlei de praia na Serra, escolheu tapar buraco de rua, escolheu fazer uma intervenção militar, escolheu financiar escolas de samba, escolheu pagar bolsas de estudo, escolheu pagar Bolsa Família… São sempre escolhas. Assim como cabe a nós, eleitores, aproveitar a oportunidade para olhar as escolhas de cada político antes de votar.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.