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Com convulsões mal-explicadas, 'Raçudinha' chega ao topo do ranking do judô

Demétrio Vecchioli

27/03/2018 04h00

Maria Portela, campeã do Masters de 2017 (Divulgação/IJF)

Ao saber que o Brasil tem uma nova líder do ranking mundial, o torcedor provavelmente pensaria em Sarah Menezes, Erika Miranda, Rafaela Silva, Ketlyn Quadros, Mayra Aguiar ou Maria Suelen Altheman, todas elas medalhistas mundiais e/ou olímpicas. Mas não em Maria Portela, que em mais de uma década de seleção nunca chegou lá. Pois é exatamente a "Raçudinha", como é chamada, que nesta semana aparece como a melhor do mundo em sua categoria, até 70kg. Foi só depois que ela passou a se cobrar menos para ser como as colegas que ele chegou a duas medalhas de ouro seguidas, no Masters de St. Petersburgo e no Grand Slam de Ekaterinburg, ambos na Rússia.

Isso porque Portela quase não foi para para o torneio do fim de semana retrasado. Havia quem defendesse, com razão, que era arriscado levar a judoca até a Rússia. Há um mês, ela teve convulsões em duas oportunidades. Uma, no domingo de Carnaval, em casa, ficando três dias internada (curiosidade: Portela torce para a Portela). Outra, na quinta-feira seguinte, voltando da faculdade de Educação Física.

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"Eu estava convocada para disputar o Grand Slam da Alemanha, em Dusseldorf, e tive duas convulsões do nada. Não sei o que aconteceu. Fiz vários exames, mas não apareceu nada. Pode ter sido stress, ou crise hipoglicêmica. Até hoje não teve um diagnóstico preciso, mas todos os exames deram normais", contou Portela, ao Olhar Olímpico.

Foram três dias internadas, inicialmente com suspeita de meningite. Ao deixar o hospital, acreditava-se que ela teve uma crise de hipoglicemia, ainda que os exames não tenham indicado nada. Agora, o mais provável é que ela tenha tido as convulsões por crise de stress. "Os médicos estavam receosos, mas não tinha por que não ir para a competição. A confederação estava receosa, também mas eu disse que estava bem e fui. Tanto estava bem que ganhei a competição", conta.


A diferente 

Portela faz parte de uma geração do judô feminino do Brasil que está em seu terceiro ciclo olímpico com a mesma base. Mas a representante da categoria até 70kg nunca brilhou como as companheiras. Em seis Campeonatos Mundiais, nunca chegou a uma disputa de medalha. Em duas Olimpíadas, não alcançou as quartas de final. Mesmo em eventos menores do Circuito Mundial, finais nunca foram comuns.

Resultados que frustravam mais a judoca do que qualquer outra pessoa. Ver as colegas de seleção (e de equipe na Sogipa) ganhando, e ela não, mexia sempre com o psicológico. "Eu sempre me cobrei, desde que entrei na seleção. Se tu for pensar na seleção feminina, a maioria tem títulos mundiais, medalhas olímpicas, o nível é altíssimo. Eu me equiparava às outras e não a mim mesmo. Eu não me permitia relaxar", desabafa.

A derrota na segunda rodada da Rio-2016 foi um baque e Portela chegou a pensar em largar o judô. Mas resolveu continuar e, enfim, se permitiu relaxar. Passou a contar com o suporte de Nell Salgado, coach que já trabalhava com Rafaela Silva. E começou a aceitar que, mais relevante do que nunca ter chegado ao pódio em seis Mundiais, por exemplo, era ter se mantido em alto nível a tanto tempo a ponto de disputar seis Mundiais.

"Não preciso de um titulo mundial, de qualquer título na verdade, para mostrar que sou uma grande atleta. Já estou na história do judô brasileiro, não preciso me pressionar para ter esse título ou aquele. Eu não posso cobrar de ter uma meta. Isso me fez relaxar, me valorizar. Não me colocar abaixo das minhas colegas de seleção porque ainda não sou medalhista", diz.

Repare na palavra "ainda". Aos 30 anos e, agora, na liderança do ranking mundial, Portela vem em excelente fase. Apontando uma constante evolução de seu judô, ela traçou uma meta para a temporada: enfim ganhar uma medalha em Mundial, em Baku, em setembro.  "Meu objetivo é a medalha no mundial.Venho chegado bem próximo. No ano passado foi uma excelente competição, perdi só da campeã (a japonesa Arai, vice-líder do ranking). Estou trabalhando para conquistar."

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.