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Olhar Olímpico

Justiça do Rio isenta Djokovic de culpa em suposto esquema por exibição

Demétrio Vecchioli

01/03/2018 19h33

(EFE/Marcelo Sayão)

A Justiça do Rio de Janeiro rejeitou o pedido feito pelo Ministério Público para que o tenista sérvio Novak Djokovic fosse um dos réus em processo que pede a devolução de R$ 2,7 milhões que o MP entende terem sido repassados irregularmente pelo governo do Estado do Rio. Desse montante, apenas US$ 450 mil (hoje, R$ 1,5 milhão), de US$ 1,1 milhão combinados, chegaram aos bolsos de Djokovic, que inclusive está processando o governo estadual.

Lembre: Após processar Rio por calote, Djokovic agora pode virar réu a pedido do MP

Em seu despacho, o juiz titular da 9ª Vara de Fazenda Pública da Capital, Marcello Alvarenga Leite, apontou que não há indícios de que Djokovic soubesse que sua contratação para um tour pelo Rio de Janeiro estivesse acontecendo sob um modelo que, para o MP, é irregular. Além disso, alega o magistrado, Djokovic cumpriu com suas obrigações contratuais – veio ao Brasil, fez um jogo-exibição contra Guga, participou do amistoso dos "amigos do Pet" e compareceu à inauguração de uma quadra na Rocinha.

"A inclusão de beneficiário indireto na ação de improbidade tem de precisar de clareza que este conhecia a irregularidade e o elemento subjetivo, uma vez que é indispensável o dolo ou a delimitação da culpa grave, no caso, dano ao erário. Não há demonstração que o réu Novak Djokovic tenha dado causa à contratação com à administração pública, a conhecia, bem como que tenha sido beneficiado com a dispensa de licitação. Diversamente, é público e notório que o atleta cumpriu com suas obrigações e que recebeu apenas parte do valor contratado", escreveu o juiz em sua decisão.

"Assim, não havendo individualização de conduta e de indícios ou elementos probatórios que o réu Novak Djokovic teria induzido ou concorrido para suposto ato de improbidade administrativa, não há como proporcionar a justa causa da ação por ato de improbidade administrativa em relação à sua pessoa", completou julgando extinta a denúncia sem nem analisar o mérito.

Na semana passada, o Olhar Olímpico mostrou que a promotora Gláucia Maria da Costa Santana, do Ministério Público do Rio (MPRJ), acusou, além de Djokovic, também as então secretária e subsecretária estadual de Esporte, Márcia Beatriz Lins Izidoro e Mônica Monteiro Picanço Sequeira, o Estado do Rio de Janeiro, as empresas Deki 10 Eventos e Grupo Adma e seus sócios: o jogador de futebol Dejan Petkovic, Denise Pinto Leporaci (da Deki) e Marcelo Ferreira Alves (do Adma), atual presidente da Riotur.

O MPRJ busca a devolução de R$2,744 milhões em danos ao erário e quer que a Justiça autorize a apreensão de bens dos acusados até que essa soma seja atingida. O órgão argumenta que a contratação de Djokovic, para o tour deveria ter sido feita diretamente entre a Secretaria de Estado de Esporte, Lazer e Juventude (Seelje). Mas a pasta utilizou duas empresas intermediárias para tanto, ainda que tenha feito o pagamento diretamente a Djokovic.

Na denúncia, Djokovic é apontado como beneficiário de ato de improbidade administrativa e, por isso, no entender do MPRJ, ele deveria ser condenado, junto com a Deki e a Adma, ao ressarcimento ao erário e a pagamento de multa. O mesmo vale para Petkovic, que sempre se apresentou como o responsável por trazer o compatriota ao Rio. O MPRJ o aponta como "particular favorecido pelo ato de improbidade praticado por agentes políticos".

O caso chegou à 9ª Vara de Fazenda Pública, onde o juiz Marcello Alvarenga Leite isentou Djokovic, mas deu prosseguimento à denúncia, pedindo a intimação dos demais réus, para que apresentem suas defesas prévias.

Guga sem culpa

Rival de Djokovic no duelo realizado no Maracanãzinho, Gustavo Kuerten não fez parte do contrato entre as Adma e Deki 10 e o governo do estado. Quando as promotoras se comprometerem em trazer Djokovic para o Rio, para que ele jogasse contra Guga, elas não incluíram o cachê do ex-jogador brasileiro nas responsabilidades da secretaria. Por isso, ele não foi citado na denúncia.

De acordo com a assessoria de imprensa de Guga, ele firmou contrato apenas com a Adma Comunicação, do atual presidente da Riotour, Marcelo Ferreira Alves. A reportagem procurou a Seelje para que confirmasse a informação, mas a secretaria disse que não iria se pronunciar sobrenada relativo ao que foi denunciado pelo MPRJ.

Entenda a denúncia 

Na ação civil pública, o MPRJ argumenta que a Lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da administração pública é clara ao apontar que a contratação de profissional de qualquer setor artístico (e Djokovic fez apresentações) deve acontecer "diretamente ou através de empresário exclusivo". E que a empresa de Pet só foi escolhida por Djoko para agenciá-lo nesse contrato.

Pelo que demonstra o MPRJ, o contrato entre a Seelj e a Deki 10 (empresa de Petkovic) previa, em sua cláusula 10, que o pagamento deveria ocorrer à empresa. Apesar disso, o depósito de US$ 450 mil aconteceu direto na conta de Djokovic, que reclama judicialmente nunca ter recebido os outros US$ 650 mil.

No entender do MPRJ, a contratação deveria ter sido feita por meio de licitação, já que qualquer empresa poderia trazer Djokovic ao Brasil. O MPRJ ainda lembra que o Tribunal de Contas da União também pensa assim. "Para a Corte de Contas, somente os contratos de exclusividade registrados em cartório tem aptidão para legitimar a contratação pelo poder público, sendo imprestável a mera autorização de exclusividade para um evento específico", escreve o MPRJ, citando um acórdão de 2008.

"Não restam dúvidas de que tais fatos desafiam a lógica do regime de contratação por parte da administração pública, e que tamanha desídia e automatismo na condução do procedimento contribuíram para os consideráveis prejuízos causados ao patrimônio público com o pacto ilícito que ora se impugna", protesta o MPRJ. "É de se indagar por qual razão o valor, ainda que parcial, foi pago diretamente ao contratado e não à empresa que 'detinha a exclusividade?' Não poderia, então, o Estado ter contratado o tenista diretamente, sem intermediação? E qual foi o papel das empresas, então, na intermediação?", continua.

O próprio MP conclui: a empresa de Pet saiu ganhando quando conseguiu, na sequência, sem licitação, o contrato para administrar o projeto social na Rocinha, a Escolinha de Tênis – Djokovic no Rio, em quadra inaugurada por Djoko. "Enfim, o que se quer é contratar, nestes autos, a sociedade empresária (a Deki 10) para administrar a clínica de tênis por um ano por via de inexigibilidade, calcando-se na figura do atleta sérvio, mas sem a demonstração suficiente dos requisitos para a caracterização da hipótese", reclamou a procuradora do Estado. Pelo contrato, a empresa de Pet ganhou R$ 1,4 milhões.

Além disso, para justificar o cachê de US$ 1,1 milhão ao tenista, a empresa de Pet não apresentou qualquer estudo de mercado, como determina a lei, segundo o MPRJ. Juntou, apenas, duas reportagens de jornais estrangeiros citando cachês de Nadal e Federer, de US$ 1,5 milhão e US$ 2 milhões, em outros eventos. "As matérias não têm qualquer comprovação", alega o MPRJ.

Governo não tinha dinheiro

Além disso, na ação civil pública, o MPRJ afirma as contratações foram realizadas com inobservância de vários pareceres desfavoráveis dos sistemas de controle interno do próprio governo estadual. E lista documentos internos que alertaram sobre isso. "Em não havendo recursos financeiros disponíveis suficientes, bem como previsão orçamentária para a realização de tal despesa, fica esta autarquia (Seelje) impossibilitada de atendimento ao presente pleito, no que tange a contratação direta", avisou a assessoria de controle interno. Em síntese: a Seelje não tinha dinheiro. Quando isso ficou demonstrado, Djokovic ficou sem receber.

Por si só, a contratação cotada em dólares também é proibida pela Lei 8.666/93, como lembra a denúncia. "Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional", aparece escrito na lei.

O MPRJ ainda ressalta que as empresas organizadoras do jogo entre Djokovic e Guga tiveram ganhos expressivos com o duelo. Os ingressos para o jogo no Maracanãzinho custaram de R$ 100 a R$ 250 e havia diversos patrocinadores nas placas de publicidade.

"Como exatamente foi promovida a modalidade esportiva no Estado do Rio de Janeiro por meio do dispêndio de mais US$ 1,1 milhão em evento privado no qual se arrecadou valor ainda maior? Qual foi ou será o real e  proporcional benefício à população carioca? Comparativamente, quanto a Deki e o Grupo Adma e e seus sócios se beneficiaram direta e indiretamente do evento custeado pelo erário público?", questiona o MPRJ. "Inexistiu interesse público a justificar a interveniência do Poder Público e, consequentemente, a realização de qualquer
contrato administrativo para os respectivos fins. Vale relembrar que a população não teve acesso livre à partida de tênis, a menos que ocorresse a compra de ingressos, cujos preços foram fixados em valor significativo, de modo a selecionar os participantes em virtude das possibilidades econômicas que ostentam", critica.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.