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Olhar Olímpico

Após processar Rio por calote, Djokovic agora pode virar réu a pedido do MP

Demétrio Vecchioli

22/02/2018 11h14

(EFE/Marcelo Sayão)

Então número 1 do ranking mundial, Novak Djokovic veio ao Rio em novembro de 2012 para um jogo exibição contra Gustavo Kuerten. Recebeu apenas US$ 450 mil dos US$ 1,1 milhão combinados, em verba que deveria ter saído da secretaria estadual de esporte, e inclusive entrou com processo contra o governo estadual. Agora, porém, ele pode virar réu. Pelo menos é isso o que quer a promotora Gláucia Maria da Costa Santana, do Ministério Público do Rio (MPRJ), que ajuizou uma ação civil pública n 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania.

Além de Djokovic, também são acusados as então secretária e subsecretária estadual de Esporte, Márcia Beatriz Lins Izidoro e Mônica Monteiro Picanço Sequeira, o Estado do Rio de Janeiro, as empresas Deki 10 Eventos e Grupo Adma e seus sócios: o jogador de futebol Dejan Petkovic, Denise Pinto Leporaci (da Deki) e Marcelo Ferreira Alves (do Adma), atual presidente da Riotur.

O MPRJ busca a devolução de R$2,744 milhões em danos ao erário e quer que a Justiça autorize a apreensão de bens dos acusados (entre eles, Djokovic) até que essa soma seja atingida. O órgão argumenta que a contratação de Djokovic, para três aparições (jogo com Guga, amistoso dos 'Amigos do Pet' e inauguração de uma quadra pública na Rocinha), deveria ter sido feita diretamente entre a Secretaria de Estado de Esporte, Lazer e Juventude (Seelje). Mas a pasta utilizou duas empresas intermediárias para tanto, ainda que tenha feito o pagamento diretamente a Djokovic.

Na denúncia, Djokovic é apontado como beneficiário de ato de improbidade administrativa e, por isso, no entender do MPRJ, ele deve ser condenado, junto com a Deki e a Adma, ao ressarcimento ao erário e a pagamento de multa. O mesmo vale para Petkovic, que sempre se apresentou como o responsável por trazer o compatriota ao Rio. O MPRJ o aponta como "particular favorecido pelo ato de improbidade praticado por agentes políticos".

Entenda a denúncia 

Na ação civil pública, o MPRJ argumenta que a Lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da administração pública é clara ao apontar que a contratação de profissional de qualquer setor artístico (e Djokovic fez apresentações) deve acontecer "diretamente ou através de empresário exclusivo". E que a empresa de Pet só foi escolhida por Djoko para agenciá-lo nesse contrato.

Pelo que demonstra o MPRJ, o contrato entre a Seelj e a Deki 10 (empresa de Petkovic) previa, em sua cláusula 10, que o pagamento deveria ocorrer à empresa. Apesar disso, o depósito de US$ 450 mil aconteceu direto na conta de Djokovic, que reclama judicialmente nunca ter recebido os outros US$ 650 mil.

No entender do MPRJ, a contratação deveria ter sido feita por meio de licitação, já que qualquer empresa poderia trazer Djokovic ao Brasil. O MPRJ ainda lembra que o Tribunal de Contas da União também pensa assim. "Para a Corte de Contas, somente os contratos de exclusividade registrados em cartório tem aptidão para legitimar a contratação pelo poder público, sendo imprestável a mera autorização de exclusividade para um evento específico", escreve o MPRJ, citando um acórdão de 2008.

"Não restam dúvidas de que tais fatos desafiam a lógica do regime de contratação por parte da administração pública, e que tamanha desídia e automatismo na condução do procedimento contribuíram para os consideráveis prejuízos causados ao patrimônio público com o pacto ilícito que ora se impugna", protesta o MPRJ. "É de se indagar por qual razão o valor, ainda que parcial, foi pago diretamente ao contratado e não à empresa que 'detinha a exclusividade?' Não poderia, então, o Estado ter contratado o tenista diretamente, sem intermediação? E qual foi o papel das empresas, então, na intermediação?", continua.

O próprio MP conclui: a empresa de Pet saiu ganhando quando conseguiu, na sequência, sem licitação, o contrato para administrar o projeto social na Rocinha, a Escolinha de Tênis – Djokovic no Rio, em quadra inaugurada por Djoko. "Enfim, o que se quer é contratar, nestes autos, a sociedade empresária (a Deki 10) para administrar a clínica de tênis por um ano por via de inexigibilidade, calcando-se na figura do atleta sérvio, mas sem a demonstração suficiente dos requisitos para a caracterização da hipótese", reclamou a procuradora do Estado. Pelo contrato, a empresa de Pet ganhou R$ 1,4 milhões.

Além disso, para justificar o cachê de US$ 1,1 milhão ao tenista, a empresa de Pet não apresentou qualquer estudo de mercado, como determina a lei, segundo o MPRJ. Juntou, apenas, duas reportagens de jornais estrangeiros citando cachês de Nadal e Federer, de US$ 1,5 milhão e US$ 2 milhões, em outros eventos. "As matérias não têm qualquer comprovação", alega o MPRJ.

Governo não tinha dinheiro

Além disso, na ação civil pública, o MPRJ afirma as contratações foram realizadas com inobservância de vários pareceres desfavoráveis dos sistemas de controle interno do próprio governo estadual. E lista documentos internos que alertaram sobre isso. "Em não havendo recursos financeiros disponíveis suficientes, bem como previsão orçamentária para a realização de tal despesa, fica esta autarquia (Seelje) impossibilitada de atendimento ao presente pleito, no que tange a contratação direta", avisou a assessoria de controle interno. Em síntese: a Seelje não tinha dinheiro. Quando isso ficou demonstrado, Djokovic ficou sem receber.

Por si só, a contratação cotada em dólares também é proibida pela Lei 8.666/93, como lembra a denúncia. "Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional", aparece escrito na lei.

O MPRJ ainda ressalta que as empresas organizadoras do jogo entre Djokovic e Guga tiveram ganhos expressivos com o duelo. Os ingressos para o jogo no Maracanãzinho custaram de R$ 100 a R$ 250 e havia diversos patrocinadores nas placas de publicidade.

"Como exatamente foi promovida a modalidade esportiva no Estado do Rio de Janeiro por meio do dispêndio de mais US$ 1,1 milhão em evento privado no qual se arrecadou valor ainda maior? Qual foi ou será o real e  proporcional benefício à população carioca? Comparativamente, quanto a Deki e o Grupo Adma e e seus sócios se beneficiaram direta e indiretamente do evento custeado pelo erário público?", questiona o MPRJ. "Inexistiu interesse público a justificar a interveniência do Poder Público e, consequentemente, a realização de qualquer
contrato administrativo para os respectivos fins. Vale relembrar que a população não teve acesso livre à partida de tênis, a menos que ocorresse a compra de ingressos, cujos preços foram fixados em valor significativo, de modo a selecionar os participantes em virtude das possibilidades econômicas que ostentam", critica.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.