Falta de estrutura pode fazer fenômeno da natação trocar Brasil por Holanda
Demétrio Vecchioli
26/12/2019 04h00
Stephan Steverink (Satiro Sodré/SSPress)
Quando Stephan Steverink olhou para o cronômetro e viu que havia completado os 200m medley em 2min04s97 no Campeonato Brasileiro Juvenil, comemorou ter melhorado não apenas seu recorde brasileiro de categoria, mas também ter feito a melhor marca da história de um holandês nesta prova. Nascido e criado no Brasil, o garoto paulistano é a grande joia da natação brasileira e, pelo menos até 2022, defenderá o verde-amarelo. Depois disso, porém, há o sério risco de a Holanda ganhar de bandeja um potencial multimedalhista olímpico por oferecer algo que hoje ele não tem em São Paulo: uma piscina de 50 metros para treinar.
Stephan é filho de uma médica pernambucana e de um empresário holandês, ambos radicados em São Paulo. Na natação desde os 3 anos, se acostumou a colecionar títulos e recordes brasileiros nas categorias de base. Há dois anos, passou a escrever seu nome também também na tradicional natação holandesa, por uma saudável pressão do pai, que o incentiva a competir também em seu país natal.
"Na primeira vez foi bem difícil, eu não sabia falar holandês. Eu percebia que os outros nadadores ficavam me olhando, meio que perguntando 'o que ele está fazendo aqui?'. Logo na primeira prova eu bati um recorde do Pieter van den Hoogenband e eles ficaram meio que sem entender", lembra o nadador, que hoje sabe dizer em holandês "bom dia", "obrigado", e uma série de palavrões.
Van den Hoogenband, dono de três medalhas de ouro olímpicas, ainda era, até 2017, o recordista holandês sub-13 nos 200m livre em piscina curta. Quando Stephan começou a competir na Holanda, porém, esse e muitos outros recordes nacionais de categoria foram destroçados. No sub-15, o paulistano é recordista holandês em piscina longa em três provas (200m peito, 200m e 400m medley). Nos 800m livre, seu tempo no Campeonato Brasileiro Juvenil disputado no início do mês é 21 segundos melhor que o recorde de Van den Hoogenband, que já dura 26 anos.
Não à toa, o brasileiro é, em suas palavras, "mimado" pelos dirigentes holandeses. "Sempre que eu tô lá eles me perguntam se tá tudo certo por aqui, se eu tenho tudo que eu preciso, o que eles podem fazer por mim."
Por ter documentos holandeses, Stephan pode se inscrever normalmente para competir nos torneios nacionais da Holanda e o faz duas vezes por ano, nos campeonatos de base. Mas, internacionalmente, ele só pode defender um país, que por enquanto é o Brasil. Vai continuar sendo assim até pelo menos os 18 anos, até que ele complete o ensino médio, apesar da vontade diferente do pai.
"Lá na Holanda existe um instituto de esportes que obriga sua escola a te colocar em uma rotina que te ajude na natação. Eles valorizam um pouco mais o atleta. Mas sempre quis terminar o ensino médio aqui, prefiro. O que talvez aconteça é eu fazer a universidade na Holanda, porque é tudo muito perto e acaba que é melhor", explica.
Estrutura
Se a questão educacional está por enquanto resolvida, até porque o garoto estuda em um dos melhores colégios de São Paulo, a falta de infraestrutura é uma preocupação presente o tempo todo. A maior promessa da natação brasileira não tem uma piscina de 50 metros para treinar na maior cidade do país.
Quando entrou na equipe de Eric Sona, seu atual treinado, Stephan treinava diariamente no Centro Olímpico, núcleo de alto-rendimento da prefeitura de São Paulo, no Ibirapuera. Na época, eles faziam parte da ONG Novos Cielos, comandada pela família de Cesar Cielo. Quando o projeto acabou na capital paulista, Sona passou a dar treinos no Clube Esperia, na zona Norte, e depois seguiu para a Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), na zona Sul.
Convites para defender grandes clubes como o Pinheiros não param de chegar, mas Stephan não abre mão de continuar sendo treinado por Sona, que o transformou no grande nadador que já é. "Muita gente que muda de clube pelo dinheiro não melhora. É isso que eu tenho muito medo de acontecer: eu mudar de técnico, não me adaptar ao técnico e piorar".
Sem defender uma grande equipe, Stephan não consegue autorização para utilizar as duas piscinas de ótima qualidade que costumam receber atletas de ponta em São Paulo: do Centro Paraolímpico (administrado pelo Comitê Paraolímpico) e do Centro Olímpico. Outras opções públicas seriam o Pacaembu, que costuma ter raias lotadas (inviáveis para treinamentos de alto-rendimento), e o Ibirapuera (oficialmente fechada).
Sonho olímpico
As chances de Stephan chegar à seleção brasileira já nos Jogos Olímpicos de Tóquio são praticamente inexistentes, mas o garoto vai participar da seletiva brasileira em abril do ano que vem, quando já terá 16 anos. A ideia é pegar experiência e melhorar suas marcas que são consideradas fantásticas para sua idade. Não será surpresa, inclusive, se subir ao pódio do Troféu Brasil.
Nos 1.500m, por exemplo, seu tempo de 15min26s77 no Brasileiro de Verão, disputado em dezembro, representou uma melhora de 34 segundos na sua então melhor marca. Para a Olimpíada, o índice é 15min00s99. Nos 800m, ele precisa melhorar de 8min07s para 7min54s31.
Sua prova preferida, porém, é aquela tida como a mais dolorida da natação, os 400m medley. Seu ídolo, nenhuma surpresa, é Michael Phelps. "Todo mundo se inspira nele, mas eu também me inspiro muito no Brandonn Pierry, na prova que ele faz, e no Thiago Pereira, pelo jeito que entrou para ganhar do Phelps na Olimpíada", cita.
A contabilidade de recordes mundiais de categorias abaixo do júnior é ruim, mas algumas comparações permitem colocar em perspectiva a qualidade de Stephan, que fez 4min21s35 no Brasileiro de dezembro, a dois meses de completar 16 anos. Nos Estados Unidos, em 2017, também com 15, Carson Foster fez 4min21s10. No ano seguinte, aos 16, melhorou para 4min14s92, batendo um histórico recorde nacional de Michael Phelps.
Se seguir pelo mesmo caminho, o brasileiro pode fechar 2020 nadando abaixo do índice olímpico para Tóquio, que é 4min15s84. Por enquanto, o tempo de Stephan nos 400m medley aos 15 anos já é melhor que o recorde brasileiro sub-16 de Lucas Salatta (4min21s60 em 2003) e fica a só quatro segundos dos 4min17s48 de Brandonn, recorde nacional sub-17. Já o recorde brasileiro adulto foi estabelecido por Thiago ao ganhar a prata olímpica em 2012: 4min08s86.
Na base do "um passo de cada vez", Stephan quer ser convocado o máximo de vezes possíveis para defender a seleção brasileira daqui até 2024, e diz que seu sonho, por enquanto, é estar um uma final olímpica. "É uma ambição, um objetivo de vida, o que eu mais quero, pegar uma final olímpica. É um sonho realista. Eu penso sim, que posso ganhar uma medalha, mas agora para esse momento, principal meta é pegar índice para Olimpíada de Paris".
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.