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Punição à Rússia é correta e preserva credibilidade do controle de doping

Demétrio Vecchioli

09/12/2019 10h35

Rússia ganhou o ouro por equipes no nado sincronizado pela quinta vez seguida. (Clive Rose/Getty Images)

Atletas que se utilizam de substâncias e métodos proibidos existem por toda a parte, em todos os esportes. A Agência Mundial Antidoping (Wada) e uma infinidade de regras e procedimentos existem para tentar identificá-los, retirá-los das competições, e assegurar para a comunidade de que as competições ocorrem dentro da mística do "jogo limpo". Nem sempre dá certo e uma parte dos trapaceadores não é identificada, nem punida. Ou mesmo o contrário, com punições exacerbadas. São as exceções à regra.

O caso da Rússia, que nesta segunda-feira (9) sofreu a mais dura punição da história do combate ao doping, sendo proibida pela Wada de participar de grandes competições pelos próximos quatro anos, a lógica se inverte. O sistema perdeu as condições de avaliar que a regra é o controle antidoping, e que as trapaças são exceção. Quando se fala em controle russo, a regra é o descontrole.

Ainda que não seja perfeito – nada é – o sistema que combate o doping vive de sua credibilidade. Tomemos por exemplo o Campeonato Brasileiro de Futebol. Ao fim de todas as partidas, a CBF sorteia jogadores dos dois times para serem testados. É possível, matematicamente, que um atleta tenha atuado em diversos jogos e não tenha sido testado nenhuma vez. Por isso, não há garantia de que todos os jogadores do Brasileirão estavam limpos. Mas a CBF atuou, dentro de suas possibilidades, para evitar o contrário, que houvesse jogadores sujos. E isso dá aos concorrentes a sensação de que estão num ambiente de "jogo limpo".

O número de exames realizados por uma federação internacional, uma agência nacional antidoping ou uma confederação nacional varia muito por uma série de fatores, que vão de vontade política a disponibilidade financeira. A CBF, por exemplo, é uma das recordistas mundiais em coletas. Em comparação, o NBB (para ficar só no Brasil) quase não realiza exames. A Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) ocupa essa lacuna e, de vez em quando, aparece de surpresa em jogos do torneio. São esforços para oferecer o tal ambiente de "jogo limpo".

Esse sistema tem muitas lacunas. Pegando mais um exemplo brasileiro: a equipe de ciclismo Funvic/Pindamonhangaba, única profissional do país, perdeu a licença para disputar eventos internacionais depois que diversos ciclistas do time foram pegos no doping. No levantamento de peso, outra modalidade atolada até o pescoço em escândalos de doping, países vão perdendo direitos à medida que os números de casos sobem de patamares. Recordistas, Cazaquistão, Azerbaijão, Rússia e Belarus só poderão ter um atleta homem e uma mulher em Tóquio-2020 porque tiveram, cada um, mais de 20 casos de doping no ciclo.

Voltando, enfim, ao caso da Rússia, o que aconteceu no entender da Wada foi que, ao longo dos últimos quatro anos, desde que estourou o escândalo de doping, os russos em nenhum momento ofereceram esforço sincero para implementar controles. Pelo contrário, a Rusada (agência nacional antidoping da Rússia) teria adulterado os dados relativos aos exames de 145 atletas, segundo relatório de um comitê independente de conformidade.

Faz pouca diferença quem exatamente são esses atletas, porque poderia ser qualquer um, poderiam ser todos. A Rusada, e a Rússia de forma em geral, deixou de assegurar que a regra seja o controle de doping e a fraude a exceção. Na Rússia, ao longo dos últimos anos, a regra é a fraude. A exceção é o controle.

Por isso a punição é a à Rússia, país, não aos russos, atletas. Estes poderão competir nos Jogos Olímpicos de Tóquio da mesma forma e, pelo que subentende do documento publicado nesta segunda-feira pela Wada, também de eventos coletivos como um Mundial de Vôlei, como equipe "neutra". Para isso, esses atletas russos precisarão se submeter a controle externo à Rusada, voltando a serem vistos como controlados pela regra do jogo limpo – a Rússia deve apelar da decisão à Corte Arbitral do Esporte (CAS).

Em tese (a ver na prática), esportistas que compete com regularidade no exterior, submetidos a controles das federações internacionais, não deverão ter problemas de estar na Olimpíada. A Rússia já havia sido proibida de participar dos Jogos Olímpicos de Inverno do ano passado e, mesmo assim, 168 atletas estiveram em Pyeongchang, ganhando 18 medalhas para a equipe "Atletas Olímpicos da Rússia". Uma delas, de bronze, no curling, foi retirada por doping.

 

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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