Governo quer dois anos de debates antes de votar clube-empresa
Demétrio Vecchioli
20/09/2019 12h00
O presidente da Câmara Rodrigo Maia (ao centro) assiste ao treino do São Paulo acompanhado de Marco Aurélio Cunha, coordenador da seleção feminina de futebol (à esq.), e do presidente Carlos Augusto de Barros e Silva – Ronny Santos/Folhapress
Enquanto alguns dos principais clubes do país e a CBF se reúnem com Rodrigo Maia (DEM) e seu aliado Pedro Paulo (MDB) para discutir o projeto de lei do clube empresa, o ministério responsável por pensar o esporte no país está formalmente alijado das conversas. Em encontro fora da agenda oficial com o pessoal que articula as mudanças, o Ministério da Cidadania deixou claro que não tem nenhuma pressa no assunto e quer primeiro discuti-lo a fundo, durante dois anos.
O recado foi passado em um encontro na semana passada. Convidado, o ministro Osmar Terra (MDB) não foi, enviando em seu lugar o Secretário Especial do Esporte, general Décio Brasil. O militar reformado disse aos clubes que a pasta quer criar diversos grupos de discussão, que se reuniriam ao longo de todo o ano de 2020, pelo menos. Dentro desses planos, a discussão do projeto chegaria ao Legislativo em 2021.
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Em nota ao Olhar Olímpico, a secretaria disse que "trabalha para instituir câmaras temáticas que vão analisar e propor aperfeiçoamento de diversos pontos da atual legislação de futebol, com a criação do Estatuto do Futebol". A proposta coincide com a posição do Ministério da Economia.
"As câmaras contarão com a participação de especialistas e de representantes de clubes e abordarão temas que vão desde questões trabalhistas e fiscais até o equacionamento de dívidas e o aperfeiçoamento da gestão, buscando um marco regulatório perene para o futebol", explicou o governo, em nota. Oficialmente a Secretaria diz que "não foi convidada para participar das discussões sobre o PL 5082/2016″ – de autoria dos deputados Otavio Leite (PSDB-RJ) e Domingos Sávio (PSDB-MG), esse projeto seria alterado para ser votado no plenário da Câmara ainda em outubro com a proposta dos clubes.
Na semana passada, o tema estava na pauta da reunião do Conselho Nacional do Esporte (CNE), mas pessoas que participaram do encontro, no Rio, disseram que o debate não se estendeu lá. Dentro da Secretaria Especial do Esporte existe uma secretaria voltada ao futebol, liderada por um ex-funcionário da CBF, coronel Ronaldo Lima. Também tem posição de destaque na pasta o ex-diretor-executivo do Clube dos Treze Dagoberto Fernando dos Santos.
Mudanças no Esporte
Alterar o regime jurídico dos clubes não altera apenas o futuro do futebol. Uma das alterações sugeridas é na Lei de Incentivo ao Esporte, que, diferente da Rouanet, da Cultura, não aceita que empresas privadas sejam proponentes. Só entidades sem fins lucrativos podem captar recursos.
Para que os clubes que virarem empresas não perderem direito de utilizar o mecanismo, os articuladores do projeto propõem alterar a Lei de Incentivo, para abrir essa possibilidade aos clubes-empresas. Mas nem o Ministério da Cidadania nem a Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados, que defende uma modernização na LIE há anos, foram consultados.
Sobre a Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), a pasta defende institucionalmente uma proposta do ex-deputado João Derly (Rede-RS) que inclui o esporte de formação entre as manifestações apoiadas pela lei e que amplia o percentual de investimento de pessoas físicas e jurídicas descontado do Imposto de Renda. A Comissão do Esporte, que aprovou o projeto em 2016, também o defende. Mas são três anos aguardando a votação em plenário.
Fábio Mitidieri (PSD-SE) diz que os projetos não são concorrentes e que cada pauta tem sua urgência dentro da Câmara dos Deputados. Mas quer que a comissão também discuta as propostas com os clubes, com a CBF e com outros atores do esporte.
"Queremos uma audiência pública com CBF, clubes, governo, ministério da Economia, todo mundo junto, para a gente poder ouvir os prós e os contras. Ninguém é contra, mas a comissão quer participar do debate. Entendo a urgência, mas acho que a comissão não pode ficar de fora", disse Mitidieri, que também na semana passada foi chamado pela primeira vez para o debate.
Ninguém discutiu ainda, por exemplo, se um clube que se transformar em empresa vai poder continuar tendo acesso à verba do Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), destinada à formação de atletas e fundamental no esporte "amador" brasileiro. Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Paysandu e Sport estão entre os atuais beneficiados.
"Esse questionamento é o mesmo que vamos fazer nas audiências públicas, onde a gente vai trazer a preocupação com o esporte amador, para não inviabilizar as outras modalidades. O que a gente precisa é entrar no debate", avalia Mitidieri. A primeira das audiências públicas deve ocorrer daqui a duas semanas.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.