Irã manda polícia a casa de judoca para forçá-lo a perder no Mundial
Demétrio Vecchioli
02/09/2019 17h22
Saeid Mollaei (IJF/Divulgação)
Um dos melhores judocas do mundo, Saeid Mollaei pode ser obrigado a disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio pela equipe de refugiados do Comitê Olímpico Internacional (COI). Mesmo com policias na casa de seus pais, ele se recusou a seguir as orientações do governo do Irã e perder de propósito no Mundial de Judô, realizado também em Tóquio. A pressão era para que ele não enfrentasse o israelense Sagi Muki em uma possível final da categoria até 81 quilos. Os dois países têm histórico de confrontos políticos, mas em julho o Irã havia se comprometido a seguir a carta olímpica e não proibir atletas de competirem contra israelenses.
"Preciso de ajuda. Mesmo se as autoridades do meu país disserem que posso voltar sem problemas, estou com medo. Estou com medo do que pode acontecer com minha família e comigo", disse Mollaei em um comunicado publicado pela Federação Internacional de Judô (IJF).
O caso foi revelado pela própria entidade internacional, em texto dramático publicado em seu site. Segundo a IJF, Mollaei recebeu diversas ordens para perder de propósito, tanto do comitê olímpico quanto do governo do Irã. O relato conta em detalhes, inclusive com imagens, como se deu a pressão sobre o judoca para que ele desistisse do torneio. O iraniano não fez a final do Mundial contra Muki porque, amedrontado, perdeu no golden score a semifinal para o belga Matthias Casse.
Segundo a IJF, a primeira ligação ocorreu às 15h30 pelo horário local em Tóquio. Mollaei estava pronto para enfrentar o campeão olímpico Khasan Khalmurzaev, da Rússia, pelas oitavas de final, quando o técnico iraniano recebeu uma ligação do ministro do Esporte do Irã, Davar Zani, com a ordem para Mollaei perder. "Mollaei literalmente desabou e caiu em prantos. A emoção cortou o coração de quem testemunhou a cena", escreveu a IJF.
Um treinador do Tadjiquistão procurou o gerente de competições e informou que Mollaei precisava de ajuda. A partir daí, o judoca passou a ser acompanhado por um profissional da federação internacional. "Eu passei o dia com ele. Vi o medo em seus olhos, o terror de ter que enfrentar as consequências de uma situação que estava além de seu controle. Ele estava totalmente desamparado. É terrível testemunhar isso. São situações que não devem acontecer para nenhum atleta", relatou Abdullo Muradov.
Mollaei venceu o russo, e depois o canadense Antoine Valois-Fortier, avançando à semifinal. Foi quando chegou ao ginásio uma delegação da embaixada do Irã. Segundo a IJF, um desses enviados pegou uma credencial de treinador e invadiu a área de aquecimento para intimidar o judoca. Na sequência, o presidente do comitê olímpico do Irã, Reza Salehi Amiri, ligou para o celular do treinador e, no viva-voz, reforçou as ameaças.
"O presidente do comitê olímpico explicou que a polícia nacional estava na casa dos pais deles. Amigos de Mollaei do Irã também escreveram para ele que pessoas foram até a casa dele e pediram ao pai do judoca para seguir as leis senão ele teria problemas", escreveu a IJF, relatando que tudo isso colocou o judoca em um "incrível status de stress".
No texto, a federação internacional diz que o judoca "está sob risco" e que está procurando a melhor solução para permitir que o iraniano continue a lutar. De acordo com a imprensa japonesa, Mollaei foi levado pelo próprio presidente da IJF, Marius Vizer, até o aeroporto de Tóquio, de onde pegou um voo até Berlim. A expectativa é a de que ele peça asilo político na Alemanha.
Esta não foi a primeira vez em que atletas de nações árabes ou do Irã receberam ordens para desistir ou se recusar a competir com atletas israelenses nas Olimpíadas ou em outras competições internacionais. Na Olimpíada de Atenas de 2004, o então campeão mundial iraniano Arash Mirasmaeili se recusou a enfrentar o judoca israelense Ehud Vaks, sendo elogiado por isso na volta para casa. Na Rio 2016, o judoca egípcio Islam El Shehaby foi mandado para casa depois de recusar um aperto de mãos com o judoca israelense Or Sasson ao final da luta.
Desde a Revolução Islâmica de 1979, o Irã se recusa a reconhecer Israel, e os dois são arqui-inimigos há décadas.
(Com informações da Reuters)
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
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Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.