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Como funcionava o esquema de compra de mandos que levou à prisão de Roni

Demétrio Vecchioli

26/05/2019 03h40

O modelo de negócio é relativamente simples. Uma empresa paga um valor pré-combinado ao clube mandante, se compromete a arcar com as despesas de hospedagem e transporte dos dois times, e ganha o direito de escolher onde será a partida. Vende ingressos e pagas as taxas, que incluem o aluguel do estádio. Tira também o valor pago ao clube mandante e o que sobrar é lucro – ou prejuízo.

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O ex-atacante Roni, cinco jogos pela seleção brasileira, construiu uma carreira empresarial em cima desse modelo, através da empresa Roni7. No sábado (26), o esquema desmoronou antes de mais um dos jogos que havia comprado. Investigação da Polícia Civil do Distrito Federal indica que o empresário fraudou borderôs de partidas no Estádio Nacional Mané Garrincha. Nos jogos promovidos por ele, os borderôs apresentavam menos de 0,1% dos ingressos vendidos pelo preço cheio e uma enorme maioria de meia-entradas.

Reportar a venda de meia-entradas, apresentando uma arrecadação menor do que a real com a bilheteria, seria uma forma de ter mais lucro. Ainda que uma portaria da Secretaria de Esporte exigisse a cobrança de 15% da bilheteria, Roni costumava pagar apenas uma taxa de apenas 5%. Foi assim, por exemplo, nos três jogos do Brasileirão do ano passado disputados no estádio. Outros estádios que receberam jogos com mando de campo vendido, como do Café, em Londrina (PR), e Arena da Amazônia, em Manaus (AM), também tiveram partidas com porcentagem incomum de meias-entradas.

No ano passado, a título de aluguel, os cofres públicos do Distrito Federal engordaram R$ 145 mil com Vasco x Flamengo, em junho, R$ 91 mil com Vasco x Corinthians, em julho, e R$ 158 mil com Fluminense x Flamengo, em setembro. Os mesmos montantes ainda foram recolhidos a título de Imposto Sobre Serviços (ISS), também de 5%. São quase R$ 800 mil – e outros R$ 88 mil, somados, pelo jogo Fluminense x Vasco no Campeonato Carioca deste ano.

A Divisão de Repressão aos Crimes contra a Ordem Tributária (Dicot) da Polícia Civil do Distrito Federal, porém, acredita que na verdade os números dos borderôs são falsos. Se arrecada mais, a empresa de Roni deveria pagar uma taxa maior pelo aluguel, e também mais impostos. Para os clubes, o borderô supostamente falso não faz diferença: eles ganham uma taxa fixa, previamente combinada.

Entre os sete mandados de prisão expedidos, ao menos um é contra um funcionário de carreira da Secretaria de Esporte, cujo nome não foi divulgado. Também foi preso o presidente da Federação de Futebol do Distrito Federal (FFDF), Daniel Vasconcelos, mas a polícia não explicou o papel dos dois na suposta fraude. A investigação aponta indícios de ocorrência dos crimes de estelionato majorado, associação criminosa, falsidade ideológica e sonegação fiscal.

A FFDF também recebe parte do arrecadado com o borderô nos jogos em Brasília e, caso haja fraude na bilheteria divulgada, ela também sai perdendo. Nos três jogos do Brasileirão do ano passado, a entidade ficou, oficialmente, com mais de R$ 370 mil.

Números

Observando os borderôs, chama atenção o volume expressivo de ingressos de meia-entrada vendidos. Em Vasco x Flamengo, por exemplo, teriam sido vendidas 10 entradas de arquibancada inferior pelo preço cheio (R$ 140). E mais de 17 mil meias-entradas, por R$ 70. Naquela mesma partida, assistida por mais de 54 mil torcedores, 65 delas teriam comprado ingressos "inteiros", de acordo com o borderô. E sempre números cheios por setor: 10 na arquibancada inferior, 30 na superior, 15 na VIP e 10 no camarote.

O mesmo acontecia em outros jogos. Em Fluminense x Flamengo, dos 60.000 (número curiosamente redondo) pagantes, só 78 pagaram ingresso cheio. Em todo o ano passado, o recorde de entradas inteiras vendidas num único setor para um jogo foi 30.

A investigação da Polícia Civil do Distrito Federal abrange apenas os jogos no Mané Garrincha, mas é possível observar que outros jogos de mando de campo vendido, em outros estados, também tinham porcentagem baixa de ingressos inteiros. Em Vasco x Corinthians, na Arena da Amazônia, pela terceira rodada do Brasileirão deste ano, só 48 de mais de 25 mil ingressos vendidos tiveram preço cheio. Lá também se paga uma porcentagem de 5% da renda bruta pelo aluguel.

A prisão de Roni não deve afetar a partida entre CSA e Flamengo, uma vez que o jogo, também previsto para Brasília, foi vendido a uma empresa concorrente, pelo que apurou o Olhar Olímpico. Da mesma forma, o amistoso da seleção brasileira contra o Qatar, também no Mané Garricha, está sendo organizado pela própria CBF.

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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