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Técnico acusado de abuso será julgado a 2.000km de vítimas e em um domingo

Demétrio Vecchioli

18/03/2019 04h00

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) marcou o julgamento em segunda instância do técnico Fernando de Carvalho Lopes, acusado de abusar sexualmente de mais de 40 meninos, para o próximo dia 31 de março. Vem causando polêmica não apenas a data, um domingo, mas também o local do julgamento: Aracaju, em Sergipe.

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A escolha vem incomodando quem defende uma punição exemplar para o treinador, que chegou a ser afastado da seleção às vésperas dos Jogos Olímpicos do Rio e que esteve no centro de uma detalhada reportagem do Fantástico em abril do ano passado. Isso porque todas as vítimas arroladas como testemunhas são de São Bernardo do Campo, cidade do ABC Paulista distante mais de 2 mil quilômetros da capital sergipana. É lá que teriam ocorrido os casos de abuso.

Data, hora e local do julgamento são prerrogativas do STJD, que tem como presidente o advogado Fernando Silva Jr, baseado em Brasília. No ano passado, o julgamento de Fernando em primeira instância, pela 1ª Comissão Disciplinar, ocorreu em Brasília, enquanto que o único encontro do Pleno do tribunal aconteceu no Rio de Janeiro.

Em primeira instância, Fernando recebeu a pena máxima em todos os cinco artigos nos quais foi denunciado. Ele foi condenado a 1.500 dias de suspensão, além do pagamento de uma multa de R$ 300 mil. A punição foi considerada branda pelos representantes dos atletas, da CSMV Advogados, que queriam que Fernando fosse banido do esporte. Para tanto, eles recorreram a um artigo do estatuto da Federação Internacional de Ginástica (FIG), que prevê banimento por fatos graves.

Além disso, os advogados também defendiam que a punição de 1.500 dias fosse relativa a cada um dos 25 casos apresentados, o que na prática faria com que o treinador fosse banido para o resto da vida. Na ocasião, tanto o presidente do STJD quanto o procurador Alessandro Kishino lembraram que a denúncia foi baseada nos depoimentos de apenas dois atletas.

Agora, há a expectativa de que pelo menos quatro ginastas depusessem na audiência. O problema é que eles teriam que pagar do bolso para viajar até Aracaju. Enquanto isso, a presença dos auditores é bancada pela CBG.

A escolha da data não é por acaso. Durante o último fim de semana de março acontece em Aracaju a assembleia ordinária anual da CBG, reunindo todos os presidentes de federações para aprovar prestações de contas e alterar estatuto, entre outras obrigações.

Em nota, a CBG alegou que o STJD possui autonomia para designar as datas de suas sessões e que o tribunal é composto por membros que não exercem função remunerada para tanto. "Daí porque em dia útil o comparecimento é mais difícil em virtude de compromissos profissionais dos integrantes, comprometendo a formação de quórum e a própria realização da Sessão de Julgamento", explicou a confederação.

Em nenhum tribunal esportivo brasileiro, porém, os membros exercem função remunerada. Mesmo assim, os julgamentos via de regra ocorrem em dias úteis.

Ainda de acordo com a CBG, a escolha por Aracaju se dá porque a sede da confederação fica lá e porque é a capital sergipana que concentra o maior número de auditores. Têm base lá, de acordo com a confederação, três auditores. Quatro são do Sudeste (dois de São Paulo, dois do Rio), um Brasília e outro de Florianópolis.

Relembre

Fernando foi acusado por diversos ginastas que treinaram sob o comando dele em São Bernardo do Campo (SP) de assediá-los. O caso tornou-se público às vésperas da Olimpíada do Rio, em 2016, quando os pais de dois alunos procuraram o Ministério Público e Fernando acabou afastado do cargo de treinador da seleção brasileira. Depois, em abril deste ano, uma extensa reportagem do Fantástico ouviu diversos relatos de que os abusos eram cometidos há anos.

Então contratado pelo Mesc, clube de campo de São Bernardo, Fernando foi inicialmente afastado de suas atividades. O Mesc informou, à época, que o acusado vinha trabalhando apenas na área administrativa, mas mães de atletas já haviam denunciado ao Conselho Tutelar da cidade que, na verdade, ele continuava trabalhando como treinador.

Em primeira instância, ele foi condenado em cinco artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva: 243-B (constranger mediante violência, grave ameaça ou por qualquer outro meio), 243-C (ameaçar alguém), 243-E. (submeter criança ou adolescente, sob sua autoridade, guarda ou vigilância, a vexame ou a constrangimento), 258 (assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras) e 243-G (praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência).

Antes desse julgamento no STJD, o caso Fernando já havia sido avaliado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), onde o Comitê de Ética julgou a CBG e o técnico Marcos Goto, funcionário do COB, que teria feito troça das acusações contra Fernando e ironizado vítimas. Tanto a CBG quanto Goto acabaram inocentados.

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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