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Eurico investiu mais que o COB em 'império olímpico' que terminou em calote

Demétrio Vecchioli

12/03/2019 14h43

Nunca houve e talvez nunca haverá no Brasil um clube olímpico tão hegemônico quanto foi o Vasco entre 1999 e 2000. Durante dois anos, a grande maioria dos principais atletas do país era "contratada" do projeto estruturado por Eurico Miranda, então um poderosíssimo vice-presidente. O dirigente morreu hoje, aos 74 anos, vítima de um câncer no cérebro.

Nos anos anteriores à criação da Lei Agnelo/Piva, o Vasco investia mais no esporte olímpico brasileiro do que o próprio Comitê Olímpico do Brasil (COB) – onde o dirigente vascaíno também foi bastante influente, a ponto de ser um dos principais idealizadores da candidatura pelo Pan de 2007

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Mas o império vascaíno ruiu assim que foi cumprindo o objetivo de eleger Eurico presidente. Duas décadas depois, o Vasco não é sombra do que já foi.

O projeto tinha alguma estrutura, que visava colocar o Vasco mais como patrocinador do que como responsável esportivamente pelos atletas. Na natação, por exemplo, foi contratada uma empresa para gerir a equipe, num movimento de profissionalização semelhante ao que vinha se desenvolvendo no futebol. Coube a Ricardo Moura (muitos anos depois preso como braço direito de Coaracy Nunes) montar um elenco estrelado, que tinha como principal nome o medalhista olímpico Gustavo Borges.

No basquete, então segundo esporte mais popular do Brasil, o Vasco também mediu esforços. Tirou pela primeira vez de Franca o técnico Hélio Rubens e foi bicampeão brasileiro em 1999 e 2000, com direito a vitória sobre o arquirrival Flamengo na primeira das finais. O troco veio no vôlei feminino, com o time de Fernanda Venturini, comandado por Isabel, perdendo a final do Brasileiro de 2001 para o Fla.

No vôlei, no basquete e nos esportes aquáticos (como é até hoje) fazia sentido contratar atletas – tradicionalmente as competições de natação no Brasil são interclubes. Ter Gustavo Borges na piscina, como o Flamengo fazia com Fernando Scherer, era também uma forma de atrair crianças para as escolinhas. Demetrius, no basquete, e Fernanda Venturini, na equipe de vôlei, viraram ídolos da torcida. Mas uma grande parte das contratações do Vasco não tinha lógica esportiva.

No hipismo os atletas são ligados a hípicas. Na vela, a iate clubes. O Vasco não é nem uma coisa nem outra, mas contratou Rodrigo Pessoa e Robert Scheidt antes da Olimpíada de Sydney-2000. Ainda firmou acordos com duplas de vôlei de praia, como Adriana Behar e Shelda, e atletas de modalidades como boliche, bodyboarding, windsurfe, rodeio e até rali.

"O brasileiro não se liga muito em ver atleta dando 40 voltas em uma pista, mas, se você botar uma camisa do Vasco, do Flamengo, do Botafogo, todos vão querer saber o resultado. É isso que nós queremos", explicou Eurico, em 2000, na apresentação de Rodrigo Pessoa. "Daqui a 15 anos, quando todos (os clubes) tiverem seguido nosso caminho, vamos poder dizer que fomos os pioneiros, que abrimos caminho. Nosso plano é grandioso, de longo prazo", afirmou na ocasião.

Na prática, o Vasco era um superpatrocinador do esporte amador brasileiro. Pagava salários altíssimos, oferecia estrutura para treinos e bancava viagens. Natural que colhesse os frutos. No Pan de 1999, o Vasco tinha 160 dos 436 atletas que integraram a delegação brasileira. Na Olimpíada de Sydney, o clube teve 83 atletas, que voltaram com 19 medalhas. Naquele ano, o Vasco investiu incríveis R$ 30 milhões nos esportes olímpicos, ante R$ 23 milhões do COB.

O projeto, porém, ruiu cedo. No fim de 2000, a Folha já noticiava o "calote" dado pelo Vasco nos atletas, que havia começado em setembro, logo após a Olimpíada. "É uma pedra cantada há muito tempo no esporte. Uma figura usou a figura dos atletas para fins pessoais", disse, na ocasião, o então dirigente do triatlo Lauter Nogueira, se referindo a Eurico Miranda.

Lauter, que hoje é comentarista de atletismo do SporTV, culpou Eurico pelo fracasso. "O objetivo dele foi alcançado. Qual era o objetivo dele? Se eleger presidente do Vasco. Agora ele vai jogar de lado. O castelo ruiu. Sempre na véspera de Olimpíada, empresários espertos tentam usar a imagem do atleta olímpico, mas nunca tinha visto isto com tanta força, com tanto respaldo financeiro", observava.

Eurico passou a alegar que o calote era ocasionado pelo insucesso da parceria com o Bank of America, que bancaria o esporte do Vasco. "Não tínhamos ajuda de ninguém, do governo, do COB, nada, nada. O jeito era tirar do futebol para investir. Só que, quando o futebol não dá, você corta tudo", disse Eurico, também à Folha, em 2003. 

O Vasco passou a ser alvo de uma série de processos trabalhistas. Praticamente o time todo campeão sul-americano de basquete foi à Justiça contra o clube, assim como atletas das mais diversas modalidades, que conseguiram a rescisão contratual.

Era o fim, também, de um projeto político de Eurico, que vinha disputando espaço com Carlos Arthur Nuzman e a "turma do vôlei" pelo poder do COB.

"Esse pessoal (do COB) sabe muito pouco de esporte. Não é levando psicólogo, andando sobre a brasa, que se resolve o problema. Como esses homens, que dirigem o esporte, não pensam que um judoca tem o seu técnico e na hora da competição vai outro? É isso que se deve questionar. Se continuar assim, em 2004 e 2008 vai acontecer a mesma coisa de agora", chegou a dizer Eurico antes de seu império ruir.

Ao retomar a presidência do Vasco, no fim de 2014, Eurico tentou reconstruir a imagem do Vasco "olímpico", apostando principalmente na contratação da remadora Fabiana Beltrame, que estava no Flamengo e havia sido campeã mundial.

Também foram contratados, apenas para vestir a camisa do Vasco (não para serem federados) nomes como Sergio Sasaki, ginasta então sem clube, e uma equipe de atletismo do Rio, que tinha Aldemir Gomes como nome mais famoso. Como esperado, o projeto acabou tão logo acabou a Olimpíada.

Nesta última passagem pelo Vasco, outra atuação marcante de Eurico foi no esporte paraolímpico. Na Paraolimpíada do Rio-2016, boa parte do time de Futebol de 7 jogava pelo Vasco, que também tinha atletas na natação, no atletismo e no vôlei sentado.

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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