Gestão Doria esvazia alojamentos às pressas antes de vistoria da prefeitura
Demétrio Vecchioli
15/02/2019 18h00
O governo do estado de São Paulo esvaziou às pressas os alojamentos do Complexo Esportivo do Ibirapuera antes da chegada de fiscais da prefeitura municipal de São Paulo, na manhã desta sexta-feira (15). Na moradia dos atletas, eles encontraram uma estrutura precária e muito mal conservada, mas vazia. Cerca de 100 jovens foram retirados às pressas de lá na quinta-feira (14) e levados para o ginásio do Ibirapuera, que também tem quartos.
Minutos antes de os fiscais chegarem, cerca de 30 pessoas, funcionários de diversas áreas – segurança, manutenção, faxina, bombeiros -, retiraram correndo cerca de 300 colchões e algumas dezenas de camas. Ao menos até a vistoria da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), o complexo não tinha alvará para hospedar pessoas. A estratégia deu certo e a prefeitura, que vinha dizendo que quem não tivesse a documentação completa deveria fechar seus alojamentos "imediatamente", aceitou que os atletas se hospedem no ginásio.
Funcionários retiram colchões do ginásio do Ibirapuera
A reportagem do Olhar Olímpico tentou acompanhar a visita dos fiscais, pela manhã, mas foi barrada por funcionários da Secretaria de Esporte (SESP) e ameaçada. Quando a autorização foi dada por parte da secretaria de comunicação do governo estadual, subordinada ao governador João Doria (PSDB), a diretora interina do complexo, Alessandra Santos, mostrou sua contrariedade aos berros. "Quem manda nessa porra aqui sou eu. Ele (o repórter) não vai entrar. Ele não vai entrar. Eu que mando. Se o Doria quiser deixar ele entrar, o Doria que venha aqui", dizia ela, dentro do ginásio, num tom de voz que se ouvia do lado de fora, constrangendo inclusive funcionários.
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Na quarta-feira (13), quando a reportagem também esteve no complexo, Alessandra proibiu a visita ao alojamento alegando que ali viviam menores de idade e disse que o secretário Aildo Rodrigues (PRB), que havia estado ali na terça (12), recomendara a mudança dos atletas do alojamento para o ginásio "a partir do fim da semana". Segundo ela, estava tudo em ordem no alojamento, o único problema era que os judocas tinham dificuldades de secar seus quimonos.
Nesta sexta, depois dos gritos da diretora, dois funcionários do complexo procuraram este repórter para sugerir que desistisse de visitar o alojamento. "A Alessandra disse para os meninos que você estava querendo prejudicar eles. Se você entrar lá, eles vão te bater", disse um deles. Logo depois, Alessandra se aproximou da reportagem com cerca de 20 judocas, cercando o repórter, dizendo que o acesso estava liberado, mas os judocas iriam junto fazer a visita. Novamente a assessoria de Doria precisou intervir. Pouco depois, um grupo de atletas, os mesmos que antes acompanhavam a diretora, esperava a reportagem na entrada do antigo alojamento com tacos de sinuca na mão – no local não há mesas de sinuca.
O que o governo esconde?
Cerca de 100 jovens atletas de vôlei, atletismo e judô viviam em um local. São três andares de moradia, com duas alas de cerca de 10 quartos cada. Esses quartos têm duas camas de concreto, cobertas por tapumes, com colchões. Há uma tomada por quarto, do modelo antigo. Ali os atletas ligavam geladeira, computador, microondas, televisão, celular…
Boa parte das portas, senão a maioria, não tem tranca. São "fechadas" com pesos, muitas vezes anilhas. Há um banheiro em cada ala, com até três vasos sanitários e três chuveiros. Todos os banheiros tinham pelo menos uma privada ou chuveiro faltando. Em quase todos, fios soltos e/ou desencapados.
Nos quartos, diversas janelas estavam quebradas. As roupas são estendidas em um enorme varal que percorre todo o corredor, onde a maior parte dos soquetes para lâmpadas estava vazio. Uma placa na entrada diz que o prédio foi inaugurado em 1987. A impressão que dá é que desde então nunca foi feita manutenção.
A sujeira poderia ser explicada pelo fato de os jovens atletas terem saído de seus quartos às pressas na quinta-feira, entre a tarde e a noite. Foram todos movidos pela secretaria para o ginásio principal do Ibirapuera. Deixaram para trás tênis, cueca pendurada, garrafas de isotônico e restos de comida.
Alojamento do ginásio do Ibirapuera
Nova casa
As quase duas dezenas de quartos do ginásio do Ibirapuera ficam embaixo da arquibancada, já numa parte alta, próxima à base da cobertura. Diferentemente do alojamento, ali os quartos são espaçosos, mas sombrios. Por conta da arquibancada, o pé direito vai ficando cada vez mais baixo. Nos beliches encostados na parede oposta à da porta, o espaço entre o colchão de cima e o teto não é de mais do que 20 centímetros. Os quartos não têm janelas.
Cada quarto tem de sete a oito beliches, o que significa que podem morar ali até 16 pessoas. Retirar às pressas centenas de colchões, que ficaram do lado de fora do ginásio enquanto os fiscais da prefeitura faziam a inspeção, permitiu ao governo estadual defender que cada um dos quartos é voltado para apenas quatro habitantes.
Só dois atletas, ambos judocas, fizeram questão de acompanhar a visita da reportagem pelo espaço. Os dois pediram para que fosse registrado que ambos estão satisfeitos com o quarto oferecido a eles. Que a área é boa, o local confortável e eles não têm do que reclamar.
Todos os dias eles recebem quatro refeições, servidas pela SELJ, em uma cozinha que parece ter boas condições, no antigo alojamento. Funcionários disseram que ainda nesta sexta-feira a cozinha industrial deve ser movida para um espaço no primeiro andar do ginásio.
Outro lado
Em nota, a secretaria estadual disse que o secretário Aildo Rodrigues vistoriou as instalações do alojamento na terça e "imediatamente determinou à diretoria do órgão adoção de providências para transferir os atletas". De acordo com a SESP, o ginásio possui alvará de funcionamento da prefeitura e Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB),
além de ser acompanhado 24h dos bombeiros e seguranças. "Portanto, em perfeitas condições de uso e segurança", diz o governo, minimizando o fato de o local não ter alvará para habitação.
Ainda nota, a SESP informou que "aguarda relatório do órgão municipal para protocolar solicitação de apostilamento do alvará de funcionamento para a inclusão do uso de alojamento ao ginásio". Sobre Alessandra, afirmou que não compactua com suas atitudes e, portanto, o secretário (Aildo) "determinou seu imediato afastamento". Ela estava trabalhando como diretora interina há 10 dias, apenas.
Já a prefeitura informou que os técnicos da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento encontraram "a área antiga destinada ao alojamento dos atletas encontra-se desativada e com os dormitórios desocupados". Na verdade, enquanto os técnicos estavam lá, o antigo alojamento continuava funcionando como refeitório. Já os dormitórios no ginásio têm "condições aceitáveis quando ao quesito de segurança contra incêndio", segundo a prefeitura, que complementa que o relatório do complexo está "em elaboração".
Questionada, a prefeitura não respondeu uma série de perguntas. Entre elas se o alojamento tinha alvará de funcionamento, quais as condições encontradas, se o ginásio tem alvará para moradia, quantas multas foram aplicadas pela prefeitura com relação ao alojamento irregular e se a mesma permite que os atletas pernoitem no ginásio.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.