Caixa analisa continuidade de patrocínios a modalidades olímpicas
Demétrio Vecchioli
12/01/2019 04h00
Ricardo Buffolin/CBG
O efeito da postura do superministro da Economia, Paulo Guedes, em relação à política de patrocínios da Caixa Econômica Federal pode causar um forte abalo no esporte brasileiro, muito além do futebol. Após ter declarado publicamente que estuda não renovar os contratos com clubes das Séries A e B do Brasileirão, quase todos já encerrados, o banco estatal analisa a continuidade dos acordos vigentes com entidades como a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), o Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) e a Liga Nacional de Basquete (LBF), responsável pelo NBB. Todos esses contratos são válidos até 2020.
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O blog apurou que, durante a semana, a Caixa começou a sondar algumas entidades para detalhar o que representa o patrocínio e como o dinheiro é utilizado. O recado que transpareceu, segundo fontes do Olhar Olimpico, é que a diretoria do banco quer entender melhor o cenário antes de tomar qualquer decisão. Representantes das entidades patrocinadas pela empresa estatal tem buscado um espaço na agenda da nova direção da Caixa para uma reunião em Brasília, com o intuito de reforçar a importância dos patrocínios.
O Olhar Olímpico perguntou sobre essa possibilidade à Caixa na quarta-feira (9). Inicialmente o banco enviou uma resposta padrão, citando patrocínios a clubes de futebol. A reportagem reforçou o questionamento sobre a possibilidade de rompimento de acordos que valem até 2020 com entidades do movimento olímpico e paraolímpico. A Caixa então explicou que "os patrocínios para 2019 estão sob análise".
Ainda que os acordos tenham todos validade de mais pelo menos um ano e meio, garantindo a preparação para Tóquio-2020 e a realização dos campeonatos nacionais de basquete masculino e feminino desta temporada e da próxima, eles podem ser rompidos sem custos à Caixa graças a uma brecha em uma lei de 1993.
A reportagem apurou que ao menos parte dos contratos entre o banco e as entidades (todos eles sigilosos) contém uma cláusula lembrando que a contratante (a Caixa) pode rompê-los a partir do que regem os artigos 77 e 78 da Lei 8.666/1993.
Entre os vários motivos apontados nesses artigos, a maior parte deles relativo ao não cumprimento do contrato, há um item que dá ao governo federal o poder de romper os contratos caso a contratante apresente "razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato".
O banco está subordinado ao Ministério da Economia, cujo ministro, Guedes, vem defendendo uma redução dos gastos públicos. Na posse do novo presidente da Caixa, Pedro Guimarães, o economista disse que "às vezes, é possível fazer coisas cem vezes melhores com menos recursos do que gastar com publicidade em times de futebol". Desde o fim do ano passado, presidentes de clubes antes patrocinados pela Caixa vêm sendo avisados de que os contratos não serão renovados.
A Caixa não detalha quanto investe ao ano no movimento olímpico e paraolímpico, mas o valor supera os R$ 50 milhões. O Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) é quem tem o maior contrato, de R$ 95 milhões totais entre 2016 e 2020 – o banco pagou R$ 20 milhões no ano passado e o valor sobe ano a ano até 2020. A CBAt, do atletismo, recebe R$ 15 milhões por ano, enquanto que a CBG, da ginástica, fica com R$ 5 milhões.
A estatal é a patrocinadora máster também do NBB e a Liga de Basquete Feminino (LBF), pagando R$ 5,5 milhões ao ano à primeira e R$ 2,5 milhões ao ano à segunda. Os contratos vão até março de 2020, garantindo o financiamento das temporadas 2018/2019 (atual) e 2019/2020 (próxima). Somados, os cinco contratos representaram 6,9% da verba publicitária da Caixa em 2018, de R$ 685 milhões.
Além disso, a Caixa tem patrocínios para o que ela chama de "corridas, projetos sociais e eventos de oportunidade", grupo que recebeu R$ 31,2 milhões no ano passado. A estatal é a principal apoiadora de corridas de rua no país e patrocinava, até o ano passado, também equipes específicas, como o time de ginástica de São Bernardo do Campo (SP) e o pedestrianismo do Cruzeiro – esta equipe já anunciou seu fechamento, por falta de apoio.
Entidades ressaltam importância do patrocínio
Indagadas pelo Olhar Olímpico se temem um possível rompimento de contrato de patrocínio por parte da Caixa, as entidades optaram apenas por ressaltar a importância da parceria. O Comitê Paralímpico Brasileiro afirmou que o planejamento até os Jogos de Tóquio-2020 ficaria inviabilizado sem o apoio da estatal e se mostrou confiante na permanência do acordo por mais um ano e meio de contrato.
"A Caixa é um parceiro histórico do CPB e tem sido fundamental para o desenvolvimento do esporte paralímpico ao longo desses 16 anos. O planejamento que executamos atualmente é de quatro anos e vai até os Jogos Paralímpicos de Tóquio. Sem o patrocínio, este planejamento fica inviabilizado, o que prejudicaria todo o segmento de esporte para pessoa com deficiência do país. Entretanto, a Caixa sempre foi uma grande parceira e honrou integralmente os compromissos, o que nos permitiu levar o Brasil a outro patamar no cenário internacional, ao sair da 24ª colocação em Sydney-2000 para o 8º lugar no Rio-2016. Temos plena confiança que seguiremos juntos por muito tempo numa relação cuja sinergia gerou uma das maiores parcerias do esporte paraolímpico mundial".
Já a Confederação Brasileira de Ginástica preferiu apenas falar sobre os frutos do patrocínio do banco ao longos dos últimos anos. "A CBG mantém uma parceria sólida, vitoriosa e de sucesso com a Caixa, que possibilitou a modalidade, dentre tantos outros feitos, resultados expressivos, como as quatro medalhas olímpicas".
A Confederação Brasileira de Atletismo optou por não se pronunciar sobre o assunto.
Caixa já havia feito cortes em 2016 e 2017
Entre 2016 e 2017, a Caixa fez cortes substanciais no investimento ao esporte olímpico e paraolímpico. Uma das medidas foi não renovar com a Confederação Brasileira de Wrestling (CBW) e com a Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC), que receberam, respectivamente, R$ 11,2 e 17 milhões no quadriênio passado.
O atletismo (CBAt), que teve R$ 90 milhões no ciclo passado, teve que readequar suas contas para ter R$ 60 milhões até Tóquio. Proporcionalmente, porém, quem mais perdeu foi a CBG, da ginástica, que viu seu contrato ser reduzido de R$ 35 milhões para R$ 20 milhões depois de ganhar três medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio. O CPB foi o menos prejudicado, mas perdeu R$ 25 milhões – de R$ 120 milhões para R$ 95 milhões.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.