TCU diz que renovação de patrocínio estatal é irregular e complica clubes
Demétrio Vecchioli
28/11/2018 16h57
Mais de duas dezenas de clubes da elite do futebol brasileiro podem ter que dar adeus ao patrocínio da Caixa Econômica Federal, presente na maioria das camisas das Séries A e B do Brasileirão. Em acórdão nesta quarta-feira (28), o Tribunal de Contas da União (TCU) definiu que é "irregular a prorrogação de contratos de patrocínio" de empresas estatais, uma vez que os mesmos "não se constituem em serviço de natureza contínua". Todos os contratos entre Caixa e clubes vencem entre dezembro e abril próximos. Também devem ser afetados contratos com confederações como as de vôlei, desportos aquáticos e atletismo, patrocinadas há décadas pelas mesmas estatais.
Mais cedo: Após auditoria, TCU pode inviabilizar patrocínio da Caixa a clubes
O acórdão 2770, que teve como relator o ministro Vital do Rêgo, é derivado de um processo aberto pelo TCU em 2016 e que promoveu auditorias em contratos de patrocínios de diversas empresas estatais, entre elas o Banco do Brasil, a Caixa, a Petrobras e o BNDES, que são alguns dos mais importantes patrocinadores do esporte brasileiro.
Desde 2014 os contratos de patrocínios das estatais são regulados por uma instrução normativa da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). Ali aparece escrito que "para a prestação de contas do patrocínio, o patrocinador exigirá do patrocinado, exclusivamente, a comprovação da realização da iniciativa patrocinada e das contrapartidas previstas no contrato". O mesmo documento cita, como contrapartidas, basicamente a exposição das marcas – entenda clicando aqui.
Pelo atual modelo, o contrato de patrocínio da Caixa, um banco estatal, com os clubes, se assemelha àqueles comuns no setor privado. A Caixa faz o aporte financeiro e, em troca, o clube patrocinado entrega, como contrapartida, visibilidade para a Caixa. Não há exigência de comprovação de como o dinheiro foi gasto.
Apesar da recomendação da unidade técnica, que sugeria inclusive um teto de salários que poderiam ser pagos com os recursos do patrocínio, em seu voto o relator Vital do Rêgo negou a exigência de prestação de contas com comprovantes de despesas nos moldes dos patrocínios incentivados – algumas estatais, como os Correios, exigem esses comprovantes.
Ainda assim, outras recomendações da área técnica constam no acórdão. Nele, os ministros do TCU determinam que a Secom oriente as estatais "que é irregular a prorrogação de contratos de patrocínio", e que promova alterações na instrução normativa para "apresentar maior detalhamento dos elementos mínimos que devem compor o planejamento de ações de patrocínio" e para "apresentar maior detalhamento dos elementos mínimos que devem compor a motivação adequada dos patrocínios".
Como havia adiantado o Olhar Olímpico, o TCU também determinou que a Secom altere a instrução normativa para que a mesma contenha "formas possíveis de precificação e avaliação de retorno de ações de patrocínio" e que implemente a obrigatoriedade de transparência das ações de patrocínio, com disposição de informações no site das estatais, incluindo, em especial, a motivação para a seleção do patrocinado. O ministro Vital do Rêgo, porém, não acompanhou a unidade técnica no sentido de exigir que a instrução normativa seja alterada em até 180 dias. Assim, o TCU não colocou prazos.
Desde que a Caixa começou a patrocinar clubes de futebol de forma maciça, em 2013, uma das principais críticas que a estatal recebe é por não apontar claramente os motivos que a fazem patrocinar determinados clubes, em detrimentos de outros do mesmo torneio, pagando valores expressivamente diferentes entre eles. Bahia e Vitória, por exemplo, têm contrato de R$ 6 milhões, ante R$ 4 milhões para o Ceará. Cruzeiro e Atlético-MG (R$ 13 milhões) ganham mais que Santos e Botafogo (R$ 10 milhões). A Caixa costuma alegar que essas decisões são estratégicas comerciais e que, por isso, não são públicas.
Além das "determinações", no acórdão desta quarta o TCU faz "recomendações" à Secom. Entre elas está que a secretaria "avalie formas possíveis de avaliação de retorno das ações de patrocínio, capazes de demonstrar o vínculo entre a ação de patrocínio e os respectivos objetivos de comunicação e de negócio pré-definidos".
O outro lado
Em contato com o blog, a Caixa afirmou que entende que não terá problemas para continuar patrocinando clubes de futebol. A estatal diz que assina contratos independentes todo ano e não os renova e que, em sua interpretação, pode continuar agindo desta maneira sem burlar nenhuma regra.
"Com relação ao acórdão 2770/2018, a Caixa esclarece informação da matéria publicada na data de hoje O banco informa que a definição do TCU é que patrocínios não são serviços de natureza contínua, não podendo, portanto, ser prorrogados. Contudo, a Caixa ressalta que não prorroga seus contratos de patrocínio com clubes de futebol. Quando um contrato termina, se houver interesse de ambas as partes, e após realizadas as análises internas pertinentes, é feito um novo contrato. Não há, portanto, que se falar em prorrogação de contratos com os clubes de futebol com a Caixa", informou a estatal.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
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Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.