Fusão de esporte e educação seria boa se houvesse plano, diz professor
Demétrio Vecchioli
04/11/2018 04h00
Ary Rocco (divulgação/EBC)
A fusão entre os ministérios do Esporte, da Cultura e da Educação sob o mesmo chapéu do MEC seria boa se a proposta estivesse embasada em um plano que visasse impulsionar o esporte educacional. Como a razão parece ser exclusivamente econômica, a novidade sugerida por aliados próximos ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) tende a ser "contraproducente" e fazer um grande mal ao esporte. É essa a opinião de Ary Rocco, presidente da Associação Brasileira de Gestão do Esporte (ABRAGESP), pós-doutor em comunicação e professor da Escola de Educação Física e Esporte da USP.
Opinião – Os desafios de Bolsonaro no esporte, e do esporte com o novo presidente
"Quando você traz o Esporte para a Educação, você imagina que vai haver um trabalho conjunto onde o esporte vai ser acoplado na formação do individuo, que seria incentivado nas escolas a construção de equipamentos esportivos. Conceitualmente falando, não acho ruim o esporte ir para a educação, se a gente tivesse certeza que as intenções fossem as melhores possíveis. Só que a gente vê que o enxugamento é por economia. A última coisa que eles estão pensando é na gestão do esporte", opina Rocco.
Com uma campanha feita principalmente pelas redes sociais, Bolsonaro não tratou do tema do esporte no período eleitoral. Seu plano de governo também não incluiu nenhum tópico relacionado ao esporte. A fusão entre os três ministérios sob o guarda-chuva do MEC foi uma proposta feita pela área econômica da campanha e do futuro governo, que pretende reduzir o número de ministérios como forma de economizar.
"A intenção não é usar essa fusão como política de esporte, mas fazer economia", aponta Rocco, que pessoalmente é favorável ao conceito de unir as duas pastas, ainda que admita que o fim de um ministério exclusivo é um "inegável" sintoma de que o próximo governo dá menor importância ao esporte. Segundo ele, porém, a consequência positiva de um provável corte de verbas é uma melhoria na gestão do esporte.
"Eu sou contra o governo colocar dinheiro na mão dos atuais gestores do esporte. Você financiar confederações é financiar má gestão no esporte. Com menos dinheiro, cada confederação vai ter que correr atrás dos seus próprios recursos. Cabe aos gestores atuais mostrarem que são competentes em desenhar um produto que atraia a iniciativa privada. Se a gente analisar as entidades, elas são entidades associativas de direito privada financiadas com dinheiro público. Isso vai vai obrigar os gestores de confederações a serem eficientes e se adequarem ao mercado. O mercado não tem interesse nesse produto hoje, mas pode vir a ter", avalia o professor.
Rocco, porém, reconhece que o momento, depois de uma década de pesados investimentos no esporte de alto-rendimento, é de torneira fechada. Em 2017 e 2018, o Ministério do Esporte praticamente não repassou recursos a confederações, que também perderam patrocinadores estatais. A maior parte delas hoje vive apenas da verba garantida pela Lei Agnelo/Piva – ao menos por enquanto, não há indícios de que ela será alterada.
"A grande dúvida é o que vai acontecer com orçamento do Ministério do Esporte. Por exemplo: a entidade que tem verba na Lei de Incentivo ao Esporte, o que vai acontecer? Eu sinceramente não sei. Caso haja redução no montante que o governo aceita renunciar, quem realmente vai sair prejudicado são as organizações que fazem trabalho de organização social, que estão cumprindo um papel que deveria ser do estado, mas que o estado não cumpre. Para elas, o dinheiro público é fundamental."
Uma das vozes mais importantes na crítica ao financiamento do Ministério do Esporte ao alto-rendimento na chamada "década esportiva" brasileira, Rocco entende que isso não vai mudar com a fusão do ME com o MEC. "Infelizmente, a tendência é piorar. O MEC deveria criar uma política pensando em dotar as instalações educacionais com equipamentos para a prática esportiva. Quadras, pistas. Mas a gente sabe que isso não vai acontecer", diz.
A probabilidade de o MEC absorver o MinC e o ME vem preocupando os setores cultural e esportivo. Ao Olhar Olímpico, o atual ministro do Esporte, Leandro Cruz, disse que a fusão seria um "retrocesso", apontando que a economia, na ponta do lápis, não compensa. O blog também já apontou que, historicamente, o MEC tem evitado participar de políticas esportivas. O Plano Nacional do Desporto (PND), por exemplo, ficou dois meses a espera de uma simples assinatura do ministro da Educação. Esse atraso deve impedir que o PND seja votado ainda nessa legislatura.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.