Vice aponta fraude na Confederação de Surfe e pede intervenção do COB
Demétrio Vecchioli
18/10/2018 16h05
Guilherme Pollastri (esq.) e Adalvo Argolo (dir.), durante visita ao Instituto Gabriel Medina
Um vice-presidente da Confederação Brasileira de Surfe (CBSurf) entrou na tarde desta quinta-feira (18) com uma representação perante o Comitê Olímpico do Brasil (COB) pedindo o afastamento do presidente Adalvo Argolo, a quem acusa de fazer uma "administração feudal". Além disso, Guilherme Polastri Gomes pede que o comitê suspenda o repasse da verbas para a CBSurf, que não tem conseguido prestar contas dos recursos recebidos pela Lei Agnelo/Piva.
A denúncia foi apresentada nesta tarde ao presidente do COB, Paulo Wanderley, que pode remetê-la ao Conselho de Ética para apuração. Nos últimos dias, este conselho recebeu também duas denúncias relativas à Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), como mostrou o Olhar Olímpico, e uma a respeito da Confederação Brasileira de Tiro com Arco.
O caso da CBSurf é o mais complexo. A confederação, sediada na Bahia, nunca teve relação próxima com os surfistas brasileiros profissionais, que criaram uma associação própria para realizar eventos profissionais no país. Enquanto isso, a confederação cuidava das categorias de base e de torneios amadores, principalmente no Nordeste.
Mas, como o surfe se tornou olímpico (será disputado pela primeira vez em Tóquio-2020), a entidade brasileira associada à Associação Internacional de Surfe (ISA) passou a ser reconhecida pelo COB. Isso obrigou os profissionais e a CBSurf a se entenderem. No ano passado, ainda fora do COB (foi incluída na virada do ano), a confederação até contou com apoio financeiro do Ministério do Esporte para levar alguns dos melhores do país ao Mundial, o que nunca havia ocorrido.
Quando a confederação passou a receber repasses do COB, porém, e coisa desandou. Em setembro, o ápice de crise, como mostrou o UOL Esporte. Por não apresentar contas dos recursos já recebidos, a CBSurf ficou impossibilitada de receber a verba necessária para levar a seleção para o Mundial. O COB até se ofereceu para pagar a conta diretamente, como fez com outras confederações, mas a CBSurf fez questão que o dinheiro passasse pelas suas mãos. Não apresentou os documentos e acabou atrapalhando os atletas. Foi a gota d'água para encerrar uma relação que já vivia por um fio.
A denúncia
Guilherme Polastri Gomes alega que, na condição de vice-presidente, notificou Adalvo Argolo, presidente desde 2011, solicitando uma série de medidas de transparência, como a publicação de contratos, relatório de Conselho Fiscal, cópia do regimento interno do Conselho, ata da Assembleia Geral e repasses de recursos do COB. Todas as informações lhe teriam sido negadas.
"Fica evidente a ausência de transparência da gestão da CBSurf. Os dados mais básicos de gestão são de total desconhecimento do denunciante, atual vice-presidente da mesma entidade. Não há documentos mínimos que possibilitem qualquer tipo de fiscalização interna da entidade. Há total obscuridade na gestão do recurso, o que impacta negativamente em qualquer possibilidade de fiscalização. A determinação estatutária de transparência e a criação de instrumentos de fiscalização interna são regras fictas jamais cumpridas pela gestão", ataca o vice.
"Outra questão de gravidade imensurável, e que demonstra a administração feudal da CBSurf, é a inexistência de contas aprovadas pela assembleia geral com parecer prévio de Conselho Fiscal. Atualmente a entidade confunde-se com a figura do seu presidente. A administração é despótica e errante, isso porque, embora previsto em estatuto e com membros devidamente eleitos, o Conselho Fiscal jamais se reuniu desde sua eleição em 05/04/2017, restando pendente a prestação de conta dos recursos geridos pela entidade no exercício financeiro de 2017", continua.
Em documento anexo ao processo, o vice aponta que o sistema de transparência do COB lista 19 convênios firmados com a CBSurf. As prestações de contas de 14 desses são consideradas como "atrasadas", enquanto que outras cinco ainda precisam ser apresentadas.
Ao Olhar Olímpico, Argolo enviou a seguinte nota:
Questão política evidente.
1. Como é de conhecimento geral, posto que fato público, o Vice-Presidente Guilherme Pollatri Gomes tem tentado se aproveitar politicamente do episódio desportivo isolado, para exigir e assim tentar assumir a presidência da CBSurf por vias, digamos assim, "muito pouco democráticas".
2. Guilherme Pollatri Gomes está agindo tão somente movido por interesses pessoais e não em prol do esporte ou dos atletas, a quem, na verdade está prejudicando ao denigrir injustamente a imagem da entidade e tentar tumultuar o ambiente com notificações extrajudiciais, acusações infundadas e até ameaça de agressão física.
3. Prova maior disso, é que em sua carta aberta ao público Guilerme Pollatri Gomes confessa que "no começo deste ano, diante das constante divergências e desavenças com o Presidente, me afastei completamente deixando o dia a dia da confederação e voltei a me dedicar a minha vida profissional e familiar", ensejando, assim, a sua renúncia por expresso abandono.
4. Entretanto, após enviar notificação extrajudicial por e-mail supostamente clamando por uma já existente transparência, Guilherme Pollatri Gomes encaminhou mensagem em tom de ameaça pelo aplicativo WhatsApp deixando transparecer o caráter mesquinho e pessoal de seu verdadeiro e único interesse exigindo: "vai passar a sede e administração para mim no RJ"
5. Como deveria ser do conhecimento do Sr. Guilherme Pollatri Gomes, a sede da CBSurf em Salvador, Bahia, possui previsão estatutária (artigo 1º) e somente poderia ser alterada em Assembleia Geral da CBSurf (artigo 36). De outra senda, a administração da entidade se dá na forma de seu Estatuto (artigos 26 e 39) e a eleição do Presidente decorre de processo democrático, não podendo ser simplesmente "passada" sob ameaças a ele ou a quem quer que seja.
6. Como confessado por Guilerme Pollatri Gomes, em sua carta aberta ao público, ele está voluntariamente afastado da CBSurf "desde o início do ano" (9 meses), enquanto o Estatuto, em seu artigo 26, parágrafo 5º, permite a licença por no máximo 180 dias: "O membro de qualquer poder ou órgão poderá licenciar-se do cargo ou função por prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias."
7. Ao contrário das acusações reproduzidas na matéria, a CBSurf está regularmente constituída e funcionando de forma absolutamente regular, legal e transparente, tendo sido o Estatuto submetido e aprovado tanto pelo Comitê Olímpico Brasileiro quanto pelo Ministério do Esporte e possui todas as contas aprovadas.
8. Não tivesse o Sr. Guilerme Pollatri Gomes se afastado voluntariamente desde o início do ano (na verdade simplesmente abandonando o cargo), saberia que o Conselho Fiscal da CBSurf analisou e emitiu parecer favorável às contas do exercício de 2017 da Entidade, que vieram a ser aprovadas por unanimidade de votos na Assembleia Geral Ordinária realizada na forma estatutária dentro do primeiro trimestre de 2018.
9. Apesar de seu abandono voluntário e injustificável por período superior ao permitido estatutariamente, o Sr. Guilerme Pollatri Gomes se nega à comparecer na sede da Confederação para formalizar a sua já configurada renúncia. Prefere tentar se valer do título de Vice-Presidente para obter espaço na imprensa, como verificado na presente matéria.
10. O fato do Sr. Guilerme Pollatri Gomes ter supostamente apresentado uma representação junto ao COB e imediatamente ter "corrido para divulgar na imprensa", apenas confirma seu interesse pelas "luzes e holofotes", seus fins pessoais, de natureza política e a sua falta de compromisso com a entidade, com as federações estaduais filiadas, com o esporte e com os atletas.
11. Sobre a suposta representação apresentada perante ao Comitê Olímpico Brasileiro, ainda não tenho como me manifestar propriamente por não ter conhecimento de seu conteúdo, não sendo essa também a sede própria para tratar do assunto. Entretanto, posso adiantar a total ausência de preocupação, tendo em vista a imprecisão e incorreção das acusações divulgadas, alinhado à absoluta lisura e legalidade da administração da Confederação Brasileira de Surf.
12. Por fim, esclareço que na próxima Assembleia Geral Extraordinária da entidade, após consulta às filiadas, caso se faça necessário, será deliberada a abertura de processo de destituição do Sr. Guilerme Pollatri Gomes, na forma do artigo 36, inciso I, alínea d, do Estatuto da CBSurf, tendo em vista violações praticadas, sem prejuízo das eventuais ações de responsabilidade cabíveis para preservar a imagem da entidade.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.